Coluna Vitor Vogas
Pazolini risca outra linha no chão para si mesmo… com batom
Prefeito de Vitória defendeu publicamente anistia para réus do 8 de janeiro. Aqui analisamos como a tomada de posição representa uma mudança no comportamento padrão que ele vinha mantendo até então e como pode ser interpretada em termos de estratégia eleitoral

Lorenzo Pazolini é prefeito de Vitória. Foto: Reprodução/Instagram
O prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), defendeu de forma pública o projeto de anistia geral para os participantes dos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, no maior ataque às instituições da República desde a redemocratização do Brasil.
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A manifestação – a primeira de Pazolini – sobre o tema foi feita em um post do prefeito em sua conta oficial, na tarde do último sábado (5), véspera do ato convocado por Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista, em defesa da anistia, da qual o próprio ex-presidente, em tese, pode se beneficiar. Pazolini defende que a anistia, chamada por ele de “humanitária”, é necessária em nome da “pacificação do Brasil”: “Anistia Humanitária Já!”, escreveu.
Nos cinco parágrafos da nota, o prefeito (delegado e bacharel em Direito) não nega que crimes tenham sido praticados. Não refuta que tenha havido uma tentativa de golpe de Estado, bem como de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Nem entra nesse debate.
Para justificar a anulação de todas as punições, o prefeito se concentra em contestar, sem usar este termo, a chamada “dosimetria” das penas: no seu entendimento, como se extrai da nota, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem imposto aos réus do 8 de janeiro penas desproporcionais à gravidade dos atos praticados (em termos jurídicos, o “potencial ofensivo dos crimes”).
Tais excessos colocariam em julgamento o próprio sistema jurídico – representado, no caso, pelo Supremo e, de modo mais específico, pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito do 8 de janeiro. Como se infere da nota, o prefeito avalia que os julgamentos no caso não estão sendo justos.
Eis a nota completa de Pazolini:
Quando a desproporção das penas revela mais sobre a intenção do julgador do que sobre a gravidade do crime, é o próprio sistema jurídico que entra em julgamento.
Num Estado Democrático de Direito, a Justiça deve ser instrumento de equilíbrio, proporcionalidade e pacificação social.
Um crime de menor potencial ofensivo não pode receber punição maior do que crimes contra a vida e de corrupção.
O Brasil precisa virar a página, fortalecer o diálogo e garantir a paz.
Anistia Humanitária Já! Pela pacificação do Brasil. Pela justiça que une, acolhe e constrói um novo tempo de esperança.
Na arte que ilustra a postagem do prefeito, além de uma estátua representando a Justiça, foi incluído um batom, objeto que virou símbolo dos manifestantes bolsonaristas em defesa da proposta de anistia que tramita na Câmara dos Deputados.
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Trata-se de alusão à cabeleireira Débora Rodrigues Santos, presa, entre outros motivos, por ter pichado a estátua “A Justiça”, em frente à sede do STF, escrevendo com um batom o dizer “perdeu, mané”, durante a tomada da Praça dos Três Poderes por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro inconformados com sua derrota nas urnas na eleição de outubro de 2022.
No domingo, durante o ato na Avenida Paulista, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) discursou segurando um batom – e, como Pazolini, também falou em “anistia humanitária”. No coração de São Paulo, vários manifestantes também levavam nas mãos o adereço e até “batons infláveis”. O PL já cogita lançar Débora Rodrigues a deputada no ano que vem.
Análise: como entender a inesperada atitude de Pazolini, neste momento?
Pazolini, vale lembrar, é tratado pelo próprio partido, o Republicanos, como pré-candidato a governador do Espírito Santo. E, pelo menos desde janeiro, tem se movimentado para isso.
Nos comentários à publicação, figuras importantes do PL de Bolsonaro no Estado celebraram a tomada de posição de Pazolini e parabenizaram o prefeito de Vitória.
O deputado estadual Lucas Polese o saudou pelo posicionamento. O ex-deputado federal Carlos Manato fez o mesmo, chamando-o de “futuro governador”: “Estamos juntos”. Querendo ser candidato ao Senado pelo PL, Manato firmou, no mês passado, um acordo eleitoral com Pazolini e seu grupo político. Antecipou apoio ao prefeito se ele for mesmo candidato ao Palácio Anchieta. Como parte do mesmo acordo, a ex-deputada federal Soraya Manato (PP), mulher de Manato, foi nomeada por Pazolini para chefiar a Secretaria de Assistência Social de Vitória.
O deputado federal Gilvan da Federal também sugeriu que Pazolini será governador, sinalizando um possível apoio: “Parabéns, prefeito. O ES precisa de um governador justo. Lutaremos por justiça aos inocentes do 08 de janeiro. Deus, Pátria, Família e Liberdade”.
Como já analisado aqui, o Republicanos de Pazolini busca intensamente, nos bastidores, uma aliança com o PL visando à formação de uma frente ampla de direita no Espírito Santo para se fortalecerem nas eleições majoritárias do ano que vem, para o Governo do Estado e o Senado. O presidente estadual do PL, senador Magno Malta, já deu sinais de estar muito mais aberto ao diálogo e simpático à ideia da “frente ampla”, mas está indo mais devagar com o andor.
Por exemplo, quando Alexandre Ramalho foi convidado por Pazolini para assumir a Secretaria de Meio Ambiente de Vitória, Magno respondeu ao coronel que o PL preferia não entrar na gestão municipal neste momento. Para ser nomeado, então, Ramalho saiu do PL.
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A tomada de posição de Pazolini, assim, pode ser interpretada como um aceno em direção ao PL. Mas é bem mais que isso.
Independentemente de partido político, o post de Pazolini deve ser entendido, antes de tudo, como um sinal para uma fatia importante (e considerável) do eleitorado. É um grande gesto na direção do eleitorado de direita, sobretudo aqueles eleitores mais fiéis a Jair Bolsonaro e profundamente identificados com o ex-presidente.
O prefeito acaba de se filiar publicamente, ou expor sua filiação pessoal, a uma das causas mais caras ao bolsonarismo.
Embora sem nominar o “julgador” nem especificar o “órgão julgador”, a primeira frase da nota é uma crítica direta ao STF… Diretaça! Põe em dúvida a própria isenção do “julgador” (o ministro ou até a Suprema Corte) nos julgamentos dos atos golpistas de 8 de janeiro.
Ao fazer isso, o prefeito também dá duas passadas largas em direção a esses eleitores que se veem representados por Bolsonaro. Afinal, o embate permanente com o STF (e outras instituições) sempre foi a pedra angular do bolsonarismo, durante o governo Bolsonaro e depois que ele deixou a Presidência. Tendo a polêmica e a confrontação como modus operandi, o “Capitão” sempre teve os tribunais superiores como alvos preferidos (vide seu discurso em Brasília no Dia da Independência em 2021, prenhe de ameaças: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”).
“Quando a desproporção das penas revela mais sobre a intenção do julgador do que sobre a gravidade do crime, é o próprio sistema jurídico que entra em julgamento”, afirma Pazolini. De certo modo, com essa frase, é a própria Justiça que é posta no “banco dos réus”. Isso é música para os ouvidos dos eleitores que se enxergam em Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, sem citar Alexandre de Moraes – transformado em nêmesis de Bolsonaro –, a frase é rica em conotações, no que é dito sem estar escrito. No subtexto, contém a ideia de que o julgador em questão viria mesmo se valendo do seu “supremo poder”, aliás exorbitando dele, para praticar uma obstinada perseguição, movida por revanchismo, a Bolsonaro e a seus apoiadores (“a intenção do julgador”). É justamente o que estes sustentam.
Por esse prisma, o relator dos inquéritos do 8 de janeiro, dos atos golpistas e das fake news viria usando o peso de sua pena para aplicar penas por demais pesadas, desmesuradas, contra quem ousou erguer-se contra ele, conduzindo julgamentos viciados, nos quais o réu já entra condenado antes mesmo da instrução processual. Prejulgamentos, enfim – o que depõe contra a ideia de Justiça num Estado de Direito. Na mesma linha, por exemplo, no ato do último domingo, o deputado federal Nikolas Ferreira chamou os ministros do Supremo de “ditadores de toga”.
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Pazolini risca outra linha no chão para si mesmo… com batom
É curioso observar que a atitude de Pazolini dessa vez é incomum para ele: foge ao comportamento padrão que ele próprio assumiu desde que se candidatou pela primeira vez à Prefeitura de Vitória, em 2020. Tanto naquela primeira campanha como na reeleição, em 2024, ele evitou “nacionalizar” as eleições municipais. Não entrou em debates que estão no âmago da polarização ideológica, mesmo quando seu oponente direto foi o petista João Coser (PT). Como prefeito, vale o mesmo: o delegado nunca entrou em bolas divididas chutadas por Brasília.
Também nunca declarou apoio pessoal a Bolsonaro, seja como presidente da República ou como candidato à Presidência (o que também não fez nesse episódio, ao menos explicitamente. Bolsonaro nem é citado na nota).
Sempre se declarou, isso sim, um político e um prefeito de direita. Mas até agora vinha se portando como um prefeito de direita “na dele”, ocupado com as questões da cidade.
Será muito interessante observar se a possível candidatura de Pazolini a governador marcará uma mudança nesse seu comportamento – numa disputa estadual que, como a última, provavelmente ainda terá muita influência do debate nacional.
Valerá a pena monitorar se, no trajeto rumo à candidatura, o prefeito passará a tomar posição, lado, partido nos debates nacionais, com o intuito de se consolidar como “o verdadeiro candidato da direita no Espírito Santo”. Se for esse o caso, o post do último sábado poderá ser tomado como o marco inaugural de uma nova fase, de um Pazolini que se expõe muito mais nesse sentido. É o que aparenta ter sido.
Por ora, com os sinais que temos, comparando o Pazolini quase blasé até aqui com o do posicionamento forte do último sábado, o que podemos dizer é que o prefeito atravessou com esse post aquela linha do comedimento, do não envolvimento deliberado, de uma quase neutralidade diplomática, pautada pelo pragmatismo.
Como prefeito, dava para manter essa postura. Como pré-candidato a governador, talvez não seja possível… nem tão interessante.
O que parece é que, no último fim de semana, Pazolini tratou de mover mais para lá o seu limite, a linha que marca o ponto até onde está disposto a ir.
Apagou com os pés a linha que ele mesmo havia traçado para si.
E, com batom, riscou de rosa outra no chão.
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Entenda a proposta de anistia
A anistia nada mais é que um perdão concedido pelo Estado a quem tenha praticado determinados crimes.
O projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados concede anistia a quem participou de manifestações no Brasil a partir de 30 de outubro de 2022 – data do 2º turno das eleições presidenciais que reconduziram Lula ao poder.
Desde meados de março, a bancada do PL na Câmara dos Deputados pressiona o presidente da Casa, Hugo Motta (do Republicanos, partido de Pazolini), para ele pautar o projeto para votação.
Parlamentares bolsonaristas consideram que o texto, se aprovado, poderá beneficiar Bolsonaro. Por esse ponto de vista, o ex-presidente também poderia ser anistiado por envolvimento na malsinada tentativa de golpe de Estado. O texto menciona genericamente “manifestantes”, o que pode abrir brecha para também beneficiar os acusados de tentar articular uma tentativa de golpe – como o próprio ex-presidente.
No mês passado, a Primeira Turma do STF decidiu por unanimidade tornar réus Bolsonaro e mais sete aliados por tentativa de golpe em 2022. Agora, os acusados passarão a responder a uma ação penal – que pode levar a condenações com penas de prisão.
Para virar lei, o projeto precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado. Hoje, nas trincheiras da Câmara, representantes do PL dizem já contar com o apoio de mais de 300 deputados para aprovar a matéria em plenário, enquanto os da situação asseguram ter o apoio de todos os partidos da base aliada para barrar a iniciativa de lei.
Se o projeto for aprovado nas duas Casas do Congresso, ainda dependerá da sanção do presidente Lula. Se for vetado, o Congresso terá de decidir se mantém ou derruba o veto. De todo modo, se o projeto virar lei, esta ainda poderá ser questionada no Supremo e ter a sua validade examinada pela Corte Superior do país, responsável pelo controle da constitucionalidade das leis no ordenamento jurídico brasileiro.
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O ato de domingo
Convocada por Jair Bolsonaro, a manifestação de domingo na Avenida Paulista reuniu cerca de 45 mil pessoas, segundo estimativa da Universidade de São Paulo (USP). Em seu discurso, o ex-presidente pediu anistia para os presos pelos atos contra a democracia e criticou o fato de estar inelegível por ter “apenas se reunido com embaixadores”.
Em junho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou Bolsonaro à inelegibilidade até 2030 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Além de Bolsonaro, participaram da manifestação o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Infraestrutura no governo Bolsonaro, aliado do ex-presidente e maior expoente do partido de Pazolini no Brasil atualmente; o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); o do Paraná, Ratinho Junior (PSD); o do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil); o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); o de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil); e o de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL).
Houve vários discursos com críticas ao STF e a favor do projeto de lei em tramitação na Câmara.
Maioria dos brasileiros é contra a anistia
Pesquisa Quaest divulgada no domingo mostra que 56% dos brasileiros são contrários à anistia, enquanto 34% defendem que os presos sejam soltos (ou porque a prisão nem deveria ter ocorrido, ou porque já estão presos há tempo demais). O restante (10%) não sabia ou não respondeu.
Dos entrevistados que opinaram (eliminando-se os 10% que não responderam), 62,2% disseram ser contra a anistia.
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