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Coluna Inovação

Muitos tons de cinza na economia

A política de juros altos adotada pelo Banco Central sob Galípolo divide opiniões e levanta questões sobre seus efeitos no controle inflacionário e na retomada econômica

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A manutenção dos juros altos pelo Banco Central sob a presidência de Gabriel Galípolo reacende o debate sobre a independência da autoridade monetária. Foto: Reprodução

A manutenção dos juros altos pelo Banco Central sob a presidência de Gabriel Galípolo reacende o debate sobre a independência da autoridade monetária. Foto: Reprodução

O presidente do BC indicado pelo governo foi comprado pelos rentistas da Faria Lima ou está certo em manter e subir a taxa de juros após toda a crítica feita pelo governo sobre a atuação do ex-presidente Roberto Campos Neto?

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O entendimento do que acontece na economia não é simples para quem não estudou o assunto e nem é simples mesmo para os que estudaram e mantém discordâncias profundas nos temas. Para os leigos, se manifestando nas redes sociais, as coisas são bem definidas: ou são brancas ou são pretas. Mas a realidade mostra muitos tons intermediários, muitos tons de cinza. Decisões na área econômica podem carregar pontos positivos, mas podem
sempre trazer consequências a serem administradas ou entendidas.

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Galípolo assumiu o BC em meio a críticas ao presidente anterior por parte do governo do PT alegando interesses contrários ao país, mas logo aumentou as taxas de juros. Foi defendido porque o presidente anterior teria deixado uma armadilha. Mas agora já passou um tempo e nada de baixar as taxas. Qual será a desculpa agora?

Quem não entende de economia olha a parte enorme dos gastos públicos comprometidos com a dívida e logo pensa em deixar de pagar para poder aumentar os gastos sociais ou baixar os juros na marra. Deixar de pagar sinaliza calote e o mercado sobe os juros imediatamente. Gasto é vida, disse Dilma. Baixou os juros na marra, a inflação explodiu e ela caiu depois de provocar uma crise sem precedentes no país.

Existem duas taxas de juros diferentes. A taxa Selic é estabelecida pelo BC com o mandato do Conselho Monetário Nacional para manter a taxa dentro da meta estabelecida. A taxa de longo prazo é estabelecida pelo mercado, e sobe ou desce conforme a confiança sobre a condução da economia. Afinal são compradores livres dos papéis do governo que decidem se vale a pena arriscar ou é melhor investir em outra coisa. Uma taxa acaba influenciando a outra. Se a inflação não é controlada adequadamente gera uma desconfiança de que a coisa vai desandar e as taxas de longo prazo sobem. Não é por culpa de rentistas desalmados que gostam de manter as taxas elevadas para ganhar mais. Ganham mais como consequência da má administração do déficit fiscal.

Basta ver o nível de inadimplência nos bancos para perceber que eles também não são privilegiados pelas altas taxas de juros. Ninguém quer tomar crédito e quem toma não aguenta pagar, a bolsa de valores fica parada, fusões e aquisições não andam e os bancos de investimento ficam sem ação. O crédito imobiliário não cresce e o mercado imobiliário só opera com quem tem dinheiro à vista – poucos.

Há uma tendência do governo atual de gastar mais e isso mantém as taxas de juros lá em cima e a consequência é que o investidor privado não investe e não há recursos para o investimento público. Ficamos com esse crescimentozinho medíocre de 2%, alimentado pelo consumo das famílias recebendo auxílios do governo e o cachorro se alimentando do próprio rabo. O baixo nível de desemprego esconde os modestos empregos criados. Não há contratação de empregos qualificados de técnicos, engenheiros e cientistas. Até porque a indústria não cresce sem crédito e é a indústria que contrata esse nível de pessoas. E sem crédito e altos impostos não consegue desenvolver produtos que possam competir no mundo. Lembrando ainda que os trabalhos de baixa qualificação que migraram para Uber e iFood não entram na conta.

A onda agora é colocar todo gasto extraordinário, sejam enchentes ou tarifaço por fora das metas de gasto público. Me engana que eu gosto, em outras palavras. O certo seria cortar em algum outro lugar, mas cortar não dá voto.

Precisamos de estadistas que tenham a coragem de fazer o que tem de ser feito. Só assim podemos pensar em crescimento mais robusto como a China fez e a Índia está fazendo. E cortes não precisam ser no social. Com medo de cortes em educação e saúde, fixou-se um piso percentual de gastos sem avaliação de resultados. Na prática, os dirigentes públicos correm para distribuir abonos e enquadrar outras despesas como saúde e educação no final do ano para não serem presos como prevê a lei. O orçamento tem que ser flexibilizado e discutido todos os anos no Congresso em cima de necessidades reais e não fixado em percentuais imutáveis. Precisamos gastar com o que realmente precisa. E ter a coragem de fazer as reformas de privilégios, benefícios indevidos e gastos desnecessários.

O tarifaço de Trump/Bolsonaro demanda uma rearrumação da nossa economia com coragem. Galípolo conhece os tons de cinza e faz o que o currículo dele de economista manda fazer.

Evandro Milet

Evandro Milet é consultor, palestrante e articulista sobre tendências e estratégias para negócios inovadores. Possui Mestrado em Informática(PUC/RJ) e MBA em Administração(FGV/RJ). É Conselheiro de Administração pelo IBGC, Membro da Academia Brasileira da Qualidade-ABQ, Membro do Conselho de Curadores do Ibef/ES e membro do Conselho de Política Industrial e Inovação da Findes. Foi Presidente da Dataprev, Diretor da Finep e do Sebrae/ES, Conselheiro do Serpro e Banestes. Tem extensa atuação como empresário, executivo e consultor em inovação, estratégia, gestão e qualidade, além de investidor e mentor de startups, principalmente deeptechs. Tem participação em programas de rádio e TV sobre inovação. É atualmente Presidente do Cdmec-Centro Capixaba de Desenvolvimento Metal-Mecânico.

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