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“Imposto Rosa” e a Distorção de Mercado
O Imposto Rosa revela como práticas comerciais discriminatórias afetam o consumo feminino, levantando debates sobre igualdade, transparência e eficiência no mercado

O conceito de Imposto Rosa evidencia a prática de mercado que cobra preços mais altos de produtos e serviços destinados a mulheres. Foto: Freepik
O conceito de “Imposto Rosa”, também conhecido como Pink Tax, tem sido debatido sob a ótica do consumo e da equidade de gênero. Em essência, ele se refere à prática comercial de cobrar preços mais elevados por produtos e serviços destinados ao público feminino, mesmo quando não há justificativa objetiva para essa diferenciação. Ocorre que, quando a diferenciação de preços é fundamentada apenas na percepção ou crença de que mulheres estariam mais dispostas a pagar mais por determinados produtos, o próprio princípio do livre mercado é distorcido, gerando ineficiências econômicas e reduzindo a transparência do consumo.
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De imediato, uma observação se torna pertinente: apesar do nome, o “Imposto Rosa” não tem natureza tributária. Não existe, oficialmente, qualquer tributo diferenciado que incida sobre produtos ou serviços com base no gênero do consumidor, o que, inclusive, seria flagrantemente inconstitucional.
Cunhado pela primeira vez nos Estados Unidos durante a década de 1990, o Pink Tax passou a descrever a prática mercadológica de cobrar mais por produtos voltados ao público feminino, mesmo quando são quase idênticos às versões comercializadas para homens. Trata-se de uma diferenciação de preço historicamente observada em itens como lâminas de barbear, cosméticos, roupas e brinquedos, que, embora semelhantes em função e até na composição, tornam-se mais caros por carregarem o selo ou a cor da feminilidade.
O primeiro estudo de grande relevância que quantificou as diferenças de preços entre produtos voltados para homens e mulheres foi publicado em 2015, pelo Departamento de Defesa do Consumidor da cidade de Nova York (DCA). Intitulado From Cradle to Cane: The Cost of Being a Female Consumer, o relatório de 76 páginas analisou como o mercado impõe um custo adicional às mulheres ao longo de toda a vida.
A pesquisa comparou os preços médios de 35 categorias de produtos, totalizando quase 800 itens individuais, todos com versões análogas direcionadas aos públicos masculino e feminino. A seleção dos produtos considerou critérios de equivalência: eram similares em termos de composição, funcionalidade, marketing e design. Desse modo, muitas vezes, a única diferença entre eles era, simplesmente, a cor da embalagem (frequentemente azul para homens e rosa para mulheres).
Os resultados foram contundentes: os produtos femininos apresentavam, em média, um custo 7% superior em relação aos masculinos. A disparidade foi ainda mais acentuada quando observada por setor:
- Brinquedos e acessórios: 7% mais caros;
- Roupas infantis: 4% mais caras;
- Roupas para adultos: 8% mais caras;
- Produtos de cuidados pessoais: 13% mais caros;
- Produtos de saúde para idosos: 8% mais caros.
Um dado especialmente simbólico foi encontrado na categoria de lâminas de barbear, um produto, a princípio, majoritariamente masculino, em que a diferença de preço chegou a atingir 100%.
No Brasil, uma pesquisa similar foi realizada em 2017, pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), com conclusões igualmente alarmantes. Segundo o levantamento, as mulheres brasileiras pagavam, em média, 12,3% a mais do que os homens por produtos equivalentes. Mais uma vez, a disparidade por categoria foi ainda mais significativa:
- Vestuário adulto: 17% mais caro;
- Vestuário infantil: 23% mais caro;
- Produtos de higiene pessoal: 4% mais caros;
- Serviços de corte de cabelo: 27% mais caros;
- Brinquedos: 26% mais caros.
Tais dados evidenciam que o “Imposto Rosa”, embora não oficializado como tributo, constitui uma prática de mercado sistemática e desigual, cujos efeitos impactam diretamente o consumo feminino e, por extensão, as finanças pessoais das mulheres em todas as faixas etárias. Sob essa perspectiva, o que se evidencia não é um fenômeno fiscal, mas sim uma prática recorrente de mercado: a precificação desigual voltada ao consumo feminino.
No Brasil, o debate em torno do tema já alcançou o Congresso Nacional e motivou a proposição do Projeto de Lei do Senado n.º 950/2021, atualmente em tramitação. A proposta institui a Semana Nacional de Mobilização, Conscientização e Estímulo à Adoção da Campanha contra o “Imposto Rosa”, com o objetivo de fomentar ações públicas e privadas voltadas à eliminação da desigualdade de preços baseada em gênero.
Caso aprovada, a medida pretende fomentar debates, palestras e eventos educativos, além de promover ações de incentivo ao empreendedorismo feminino e parcerias voltadas à educação financeira, contribuindo para a construção de um ambiente de consumo mais justo e igualitário.
Além disso, em março de 2023, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) publicou uma nota técnica com diretrizes de proteção e defesa da consumidora. O texto, basicamente, define a taxa rosa como “uma prática abusiva que será combatida”.
Não há dúvidas de que o “Imposto Rosa” é uma distorção do mercado, mas não no sentido tradicional de intervenção estatal ou tributo formal. Trata-se de uma falha de mercado do lado da oferta, na qual o preço não reflete apenas os custos de produção, mas sim uma diferenciação artificial baseada no gênero do consumidor.
Essa diferenciação se aproveita de padrões de consumo historicamente construídos, em que as mulheres são vistas como consumidoras mais exigentes ou mais propensas a pagar valores maiores por estética, cuidado pessoal ou status — mesmo quando o produto em si é idêntico ao masculino. Essa prática, embora disfarçada de estratégia de marketing, desrespeita os princípios da concorrência justa e da transparência no mercado.
Em um sistema liberal, a precificação deve ser uma consequência natural das forças de oferta e demanda, e não um mecanismo arbitrário baseado em discriminações sem fundamento econômico. O liberalismo defende que os mercados devem sim operar com liberdade de preços, concorrência aberta e mínima intervenção estatal, mas não é conivente com práticas que distorcem a informação, limitam escolhas reais do consumidor ou se aproveitam de assimetrias para gerar vantagem injusta.
Autores como Friedrich Hayek e Milton Friedman defendem a importância da informação transparente e da concorrência verdadeira como pilares do mercado saudável. Portanto, o liberalismo não se opõe ao combate ao Pink Tax, muito pelo contrário: ele condena manipulações que levam consumidores a pagar mais por menos, sem uma justificativa econômica real.
O mercado não deve ser regulado de maneira excessiva, mas tampouco pode funcionar com distorções que prejudicam a livre concorrência, a transparência informacional e a eficiência econômica. O próprio empreendedorismo feminino é uma das chaves para a solução. Cabe ao Estado apenas formular a desburocratização para o empreendedorismo feminino ser mais atuante. O Estado deve facilitar a entrada de novas concorrentes, especialmente mulheres empreendedoras, que podem oferecer produtos justos, competitivos e conscientes ampliando as opções no mercado.
Diante desse cenário, a solução, de fato, não deve partir da intervenção estatal direta na precificação, mas sim da informação e do poder de escolha do consumidor. A transparência é a melhor forma de corrigir distorções de mercado sem comprometer a liberdade econômica. Não se trata de uma defesa de regulamentação estatal para tabelar preços ou intervir na livre iniciativa, mas de reconhecer que boas práticas de mercado são essenciais para garantir a competitividade e a confiança do consumidor.
Um modelo econômico saudável pressupõe que consumidores tomem decisões informadas e que os preços sejam uma representação justa dos custos e do valor real dos produtos. No final das contas, a melhor resposta a essas práticas não será pela imposição legislativa, mas sim por um mercado cada vez mais competitivo, transparente e com consumidores informados, capazes de tomar decisões conscientes e recompensar empresas que realmente agregam valor aos seus produtos e serviços.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.
*Teuller Pimenta é Advogado, Especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
