Coluna Vitor Vogas
Tensão na esquerda: subsecretário estadual de Direitos Humanos cai atirando em secretária
Também filiado ao PSB, Renan Cadais foi demitido por Casagrande a pedido de Nara Borgo. Entre outras críticas, apontou uma “sombra conservadora” na Secretaria de Direitos Humanos

Nara Borgo pediu a demissão de Renan Cadais
O advogado Renan Lira Matos Cadais foi exonerado do cargo de subsecretário estadual de Direitos Humanos. Assinado pelo governador Renato Casagrande (PSB), o decreto de exoneração foi publicado na quarta-feira (20), no Diário Oficial do Estado. Ele não foi demitido “a pedido”, mas por decisão da sua superiora imediata, a secretária estadual de Direitos Humanos, Nara Borgo, também advogada. Os dois são filiados ao PSB, partido do governador.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Apesar de serem correligionários e colegas de profissão, o relacionamento profissional entre secretária e subsecretário estava muito desgastado. Havia sérias discordâncias entre eles quanto à gestão da pasta. Prova disso é que, após ser demitido, Renan emitiu uma nota, publicada em seu Instagram, criticando severamente a atual condução das políticas públicas estaduais de direitos humanos e, implicitamente, estendendo as críticas à própria Nara Borgo.
Segundo o agora ex-subsecretário, “uma sombra conservadora atravessa hoje a gestão da Secretaria de Estado de Direitos Humanos”. “Ela [a referida sombra] sinaliza que o poder, muitas vezes, prefere a conveniência à transformação. Não podemos permitir que o interesse do poder permita a desqualificação das pessoas no âmbito pessoal. Não podemos naturalizar que a lógica da manutenção das estruturas se sobreponha ao dever do Estado de proteger e promover direitos”, publicou Renan, deixando uma alfinetada na secretária que o demitiu: “Política não é herança de família, é compromisso com o nosso povo”.
Secretária estadual de Direitos Humanos desde o começo do governo passado de Casagrande, em 2019, Nara Borgo é filha de Edson Machado, o homem que dá nome ao prédio da atual sede do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Morto em 2001, ele foi promotor de Justiça, vereador, deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa (1979/1980). Antes de chegar ao cargo, Nara tinha muitos anos de atuação como advogada e representante de movimentos sociais no Espírito Santo.
Militante dos movimentos em defesa da comunidade LGBTQIA+, Renan também estava na SEDH desde 2019. Foi vice-Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, gerente de Políticas de Diversidade Sexual e Gênero, subsecretário de Estado de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos Humanos e, em muitas oportunidades, como nº 2 da pasta, substituiu Nara Borgo interinamente como secretário.
> Vidigal procurou Paulo Hartung: “Precisamos de dois bons candidatos ao Senado”
Para Renan, a forma como ele foi demitido corresponde a “tratamento desumano”:
“Recebi a notícia da minha exoneração […] sem que qualquer justificativa tenha sido apresentada para tal decisão. Fui informado da minha saída de forma abrupta, sem diálogo e sem o devido respeito à função que exerci, em um tratamento que considero desumano com quem dedicou tempo, energia e compromisso à construção de políticas públicas que mudam vidas. Essa forma de conduzir o processo apenas reforça a sensação de que, cada vez mais, o interesse público e os Direitos Humanos deixam de ser prioridade dentro do órgão que foi construído por tantas mãos, lutas e memórias.”

Renan Cadais ao lado de Nara Borgo, em evento
A resposta oficial da SEDH
Perguntamos à secretária Nara Borgo por que Renan foi exonerado e como ela responde às manifestações do ex-subsecretário.
Em nota oficial, enviada por sua assessoria, a SEDH reafirmou seus compromissos com “a criação de políticas públicas que garantam o bem-estar de todas as pessoas”. No fim do texto, bem nas entrelinhas, também deixou uma alfinetada no exonerado.
“Informamos que a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) atua na garantia dos direitos de todas as pessoas seguindo planos construídos com a participação da sociedade civil em temáticas de Igualdade Racial, Gênero, Juventudes, Criança e Adolescente, Pessoa Idosa, Pessoas em Situação de Rua, buscando, em articulação com outras secretarias, órgãos e instituições, a gestão e criação de políticas públicas que garantam o bem-estar de todas as pessoas. Sobre as equipes que lideram estes processos, estas são definidas por várias instâncias pela sua capacidade técnica, ética e política.”
> Uma regra fundamental na eleição para o Senado que pode mudar tudo
Movimentos sociais reagem
Em nota assinada por 17 entidades – notadamente, ligadas às minorias LGBTQIA+, incluindo a Secretaria Estadual LGBT do PT no Espírito Santo –, movimentos sociais reagiram à demissão do subsecretário e manifestaram “profunda preocupação” com o fato. “Essa decisão, acompanhada de mudanças na condução das políticas da Secretaria de Direitos Humanos (SEDH), sinaliza um retrocesso preocupante nas ações voltadas à promoção da igualdade e dos direitos humanos no Estado”, avaliaram.
Também usando a palavra “desumano”, os signatários elogiaram a atuação de Renan na pasta e classificaram sua exoneração como um ato de desrespeito à própria comunidade.
“Sua atuação foi marcada por competência e compromisso. Sua exoneração, conduzida de forma desrespeitosa e sem diálogo com os movimentos sociais, representa não apenas a perda de um profissional qualificado, mas um desrespeito à história de luta e resistência da comunidade LGBTQIA+ no Espírito Santo. A história não pode ser apagada ou descartada, pois isso é desumano”.
Relembrando o apoio dado a Casagrande em sua reeleição em 2022 e a recente promulgação da Lei Estadual Antigênero, graças à sanção tácita do governador, os movimentos se disseram “decepcionados”.
“Esse cenário causa um profundo sentimento de decepção nos movimentos sociais, que, em 2022, durante evento em Vitória, declararam apoio à reeleição do governador Renato Casagrande, reconhecendo seu compromisso com a pauta da diversidade. Essa confiança depositada merece ser honrada com ações que fortaleçam a cidadania e a inclusão”.
> MPES decide não propor acordo a vereadores da Serra suspeitos de corrupção
Os movimentos finalizam a nota com uma exortação direta a Casagrande, dizendo que ele e Nara Borgo precisam “rever decisões”:
“Governador Renato Casagrande, seu mandato é uma oportunidade para fortalecer o diálogo com os movimentos sociais e reafirmar o compromisso com os direitos humanos. O governo estadual e a secretária Nara Borgo precisam a rever decisões que comprometam as conquistas históricas dos Direitos Humanos no ES. Que sua trajetória seja um legado para os Direitos Humanos. Não podemos aceitar retrocessos que desrespeitem a luta de uma comunidade historicamente marginalizada”.

Renan Cadais fala a Casagrande em reunião no gabinete do governador (2019)
Contexto: tensões pré-eleitorais na esquerda capixaba
Todos os envolvidos nesse episódio pertencem ao campo ideológico da esquerda, sem exceção. Estamos tratando, portanto, de uma fissura dentro da esquerda, que tem por pano de fundo as eleições estaduais de 2026, com a consequente sucessão de Casagrande no Palácio Anchieta.
Os movimentos sociais em questão, ligados à proteção dos direitos humanos, não querem a eleição do prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), conservador de direita. Mas, na coalizão política de Casagrande, quem eles têm hoje como alternativa factível? O prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (sem partido), ou o vice-governador Ricardo Ferraço (MDB). Ambos são, também, políticos de direita – com alguma flexibilidade, de centro-direita.
A esquerda capixaba, basicamente, não tem hoje um representante competitivo ao Governo do Estado, em nenhum dos lados. E é bem possível que não venha a ter.
> A mulher que comandará a nova agência estadual de investimentos
Isso já tem gerado tensões internas, e o episódio aqui relatado é sintomático nesse sentido.
O pré-candidato preferido do próprio Casagrande, que já não oculta isto de ninguém, é Ricardo Ferraço. O vice-governador já tem, inclusive, o apoio manifesto do PSB – por meio de dirigentes estaduais do partido. No último congresso estadual da sigla, no primeiro semestre, Ricardo ocupou lugar de honra na mesa, discursou e foi saudado por todos os oradores como o pré-candidato apoiado pelo partido.
Ricardo, porém, não tem o menor histórico de alinhamento com as pautas dos movimentos sociais em geral, muito menos dos direitos humanos.
Dentro de alguns desses movimentos, é crescente tal preocupação. É possível que, por falta de opção, premidos entre o “ruim” e o “menos ruim” (em sua própria perspectiva), eles se vejam forçados a embarcar numa candidatura que não é de modo algum a ideal para eles. E, mesmo dentro do PSB, há focos de resistência a esse “Projeto Ricardo 2026”, como salta das críticas de Renan Cadais aos “interesses do poder” e à “manutenção de estruturas”.
Ainda dentro de alguns desses movimentos, a postura da secretária Nara Borgo passou a ser vista com certa desconfiança, pelo fato de ela ter se filiado ao PSB e se entrosado bastante, politicamente, com o governador Renato Casagrande e seu governo – cuja aposta sucessória é Ricardo Ferraço. Por extensão, existe a percepção, misturada com doses de receio, de que ela também pode vir a se alinhar a Ricardo… No ano passado, para prefeito de Vitória, a secretária declarou apoio a Luiz Paulo (PSDB), o candidato do vice-governador.
> Quem pediu o auxílio-alimentação na Câmara de Vitória. E quem não pediu
A tensão explodiu de vez com a decisão de Casagrande de fazer vista grossa à famigerada Lei Antigênero, para não desagradar, como já analisamos aqui, à sua base conservadora na Assembleia Legislativa. Nos termos da nota dos movimentos, a lei “compromete a educação inclusiva e coloca professores em risco”, tendo Casagrande “transferido ao Supremo Tribunal Federal (STF) a responsabilidade de corrigir tal medida”.
Aí o caldo transbordou de vez.
Por outro lado, a coluna apurou que a secretária Nara Borgo estava muito insatisfeita com o desempenho do seu subsecretário na administração da SEDH.
Assinam a nota dos movimentos…
. Conselho Estadual LGBT – CELGBT+/E.S
. Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV – RNP /E.S
. Fórum Municipal LGBTI+ da Serra
. Associação Aba Tyba
. Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade – GOLD
. Instituto Brasileiro de Transmasculinidade – IBRAT-E.S
. Coletivo de Fortalecimento e Empoderamento da População Negra do Sul do Estado do Espirito Santo – FEPNES
. Comissão Diversidade Sexual e Gênero – OAB/E.S
. Coletivo Diversidade, Resistencia e Cultura de Guarapari – ADRC
. Coletivo Liberdade, Vida e Respeito – Livres
. Associação Núcleo Pedra
. Fórum Estadual LGBT – E.S
. Conselho Regional de Psicologia – 16ª Região- E.S
. Aliança Nacional LGBTI + no ES
. Diretoria de Direitos Humanos da UNE
. Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ de Mimoso do Sul
. Secretaria Estadual LGBT – PT/ES
LEIA TAMBÉM
> A volta de Majeski: qual cargo ele disputará e em qual partido deve entrar
> Rigoni joga a toalha e renuncia à presidência estadual do União Brasil
> Os números da nova pesquisa Paraná ao Governo do ES
> Pó preto: Findes perde ação no TJES e Vitória volta a ter Lei da Qualidade do Ar
