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Coluna João Gualberto

Raízes do autoritarismo brasileiro

As raízes do autoritarismo no Brasil ajudam a compreender como elites políticas e econômicas consolidaram um sistema de poder excludente e duradouro

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Autoritarismo. Foto: Reprodução

Autoritarismo. Foto: Reprodução

O mundo vive hoje uma espécie de surto de autoritarismo, cujo personagem mais visível é Donald Trump, dos EUA. Esse fenômeno, porém, ocorre igualmente em outros países, como Itália, Polônia e Hungria, no continente europeu. Na verdade, o novo presidente dos Estados Unidos opera como uma espécie de cabeça desse gigantesco sistema de controle da economia mundial, conforme já fez no passado a União Soviética e outras nações que foram sede de impérios, como Inglaterra e França. Cada fase do mundo tem um modus operandi. A Alemanha do inicio do século, por exemplo, dominou com base nas armas e na destruição física; agora esse poder se dá por meio da asfixia financeira e de taxações exorbitantes.

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Cada momento da história produz um tipo de dominação entre as nações, assim como cada nação produz internamente as condições de sua adesão a esses sistemas. No caso brasileiro contemporâneo, o que temos visto é a construção de um autoritarismo interno que viabiliza a adesão muito rápida a um sistema internacionalizado. Mas nosso autoritarismo é particular, como são particulares os de cada nação do planeta.

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O que quero dizer é que cada sociedade faz, ao longo da história, as suas escolhas. São as classes dirigentes as grandes responsáveis por boa parte do que nos ocorre hoje, já que as decisões foram delas. No caso brasileiro, as raízes do nosso autoritarismo são muito profundas, pois nascem em um passado muito distante. Basta lembrar que tivemos um poder local construído a partir de elementos muito bem definidos. O primeiro desses elementos na construção do nosso sistema político foram as Câmaras de Vereadores.

Nas Câmaras eram eleitos os chamados homens bons, os filhos de algo, os fidalgos. Não eram admitidos os que não tivessem o que chamavam, preconceituosamente, de sangue puro: indígenas, negros, judeus, filhos das pessoas comuns. É certo que não tivemos uma aristocracia clássica no Brasil, mas os vereadores municipais mandavam no município, podiam até mesmo decretar guerra aos indígenas. Cada cidade era uma espécie de república governada por essa instância importante, a câmara de vereadores. Era sobretudo com eles que a sede do reino se comunicava.

Além de poderosos politicamente, esses homens públicos eram os senhores das terras da região, e por essa condição dispunham de bens materiais de forma favorecida, eram os ricos daqueles tempos. Os senhores da terra – os potentados rurais, como os chamou Raimundo Faoro em Os Donos do Poder – eram também os que detinham a posse dos escravizados, que em muitos momentos constituíram-se de indígenas e também de africanos. Os proprietários de outros seres humanos podiam deles dispor como bem entendessem. Eram os senhores de suas vidas e de suas mortes. Podiam usar a seu bel prazer dessa mão de obra, que era também sujeita a todos os seus desejos.

Outro elo importante para construir esse poder local centralizado em poucos potentados foi a militarização da sociedade brasileira. As cortes portuguesas não tinham condições materiais concretas de manter a segurança e a ordem que lhes interessava em todo o território brasileiro. Assim, atribuíam patentes aos senhores do campo de suas organizações militares criadas para esse fim. Desse modo, ficava enfeixada em um só individuo a patente militar, a propriedade de pessoas das quais ele podia dispor como melhor lhes conviesse, incluindo-se, obviamente, a violência, e ainda o poder material, com a propriedade de terras e cargos públicos.

O sistema político brasileiro transformou esses poucos homens poderosos no epicentro do poder político, econômico e militar. Nossa origem política é essa, Foram esses personagens que se transformaram nos coronéis republicanos e que instituíram o sistema político que nos governa até hoje. Não é, pois, de se admirar que parte importante de nossas elites políticas atuais banhe-se nas águas de um oceano autoritário. Eles foram instituídos assim, suas raízes históricas estão solidamente vincadas em um mundo onde o desprezo pelo povo, pelo popular, pela gente da terra é enorme. Não podemos nos esquecer do papel da religião nesse processo, mas trataremos melhor disso em outro artigo.

O reacionário brasileiro nasce assim na história, vem de muito longe e domina os códigos de controle das massas. Por isso somos essa sociedade profundamente hierarquizada, desigual e elitista. A nossa extrema direita atual nos é própria, vem de tempos remotos e, mesmo que se articule de forma global, é o retrato do atraso no Brasil. Há, pois, esse perfil histórico que explica a existência da direita atual em nosso país, com seus modos próprios – e condenáveis – de agir.

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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