Coluna Vitor Vogas
MPES decide não propor acordo a vereadores da Serra suspeitos de corrupção
Promotoria de Justiça da Serra recusou-se a oferecer acordo de não persecução penal, que poderia proporcionar penas mais brandas aos denunciados. Agora, a bola está de novo nos pés do juiz da 2ª Vara Criminal da Serra. Entenda aqui

No sentido da leitura: Cleber Serrinha, Wellington Alemão, Saulinho da Academia e Teilton Valim: acusados pelo MPES
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) decidiu não propor acordo de não persecução penal aos quatro vereadores e aos dois ex-vereadores da Serra denunciados por corrupção na última quinta-feira (14). Respondendo a questionamento do juízo da 2ª Vara Criminal da Serra, onde tramita a ação criminal, a 8ª Promotoria de Justiça Criminal do município registrou que não oferecerá acordo aos acusados, por ausência de um requisito essencial para tanto: a confissão dos crimes antes do oferecimento da denúncia. A Promotoria também voltou a pedir que a denúncia seja recebida, com o afastamento cautelar dos vereadores acusados.
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Segundo a representante do MPES no caso, durante a fase investigatória (anterior ao ajuizamento da ação), os agora denunciados tiveram oportunidade de confessar as práticas delitivas, mas todos negaram os crimes:
“Verifica-se que, no presente caso, patente a ausência da primeira condição, a saber, a confissão formal e circunstanciada da infração penal. Como se pode verificar dos autos, os Denunciados foram ouvidos, em sede extrajudicial, e todos foram unânimes em negar a prática da infração penal, não obstante terem, também todos eles, reconhecido suas vozes no áudio que embasou a denúncia”.
Além disso, a Promotoria de Justiça opinou que, devido à gravidade das condutas identificadas nas apurações, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista moral, “o Acordo não se mostra necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime imputado aos Denunciados”. Em outras palavras, um acordo como esse seria leve demais e insuficiente para reprimir esse tipo de comportamento que vai na contramão do que a sociedade espera de seus representantes no Poder Legislativo.
“Por qualquer ângulo que se vê, seja o da legalidade, seja o da moralidade, a conclusão é que o Acordo de Não Persecução Penal não se mostra necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime pelo qual os Denunciados Cleber [Cleber Serrinha], Saulo Mariano [Saulinho da Academia], Valteilton [Teilton Valim] e Wellington [Wellington Alemão] foram denunciados. Desta forma, ausentes requisitos de natureza objetiva (confissão) e subjetiva […], inviável o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal”.
Entenda o caso
Na última quinta-feira (14), por meio da 8ª Promotoria de Justiça Criminal da Serra, o MPES ofereceu denúncia, por corrupção ativa, contra os ex-vereadores Luiz Carlos Moreira (MDB) e Aloísio Santana (MDB). Na mesma peça acusatória, o órgão denunciou, por corrupção passiva, os vereadores Teilton Valim (PDT), Wellington Alemão (Rede), Cleber Serrinha (MDB) e Saulinho da Academia (PDT). Este último é o presidente da Câmara da Serra desde 2021. Para ambos os crimes, o Código Penal prevê pena de dois a 12 anos de prisão, além do pagamento de multa.
Os seis foram denunciados por suspeita de envolvimento em um esquema de negociação e cobrança de propina em troca da aprovação de projetos de interesse de empresários na Câmara da Serra. O MPES também pediu, cautelarmente, que os quatro atuais parlamentares sejam imediatamente afastados dos respectivos mandatos, para preservação da ordem pública.
Antes de decidir se aceita ou não a denúncia e o pedido de afastamento liminar dos vereadores, o juiz da 2ª Vara Criminal da Serra, Gustavo Grillo Ferreira, editou uma decisão na última segunda-feira (18): determinou ao MPES que respondesse, nos autos, se tinha ou não tinha a intenção de propor acordo de não persecução penal. Segundo o magistrado, tanto na denúncia oferecida como no pedido de afastamento, o órgão ministerial não faz menção alguma a tal possibilidade, o que, segundo ele, “configura vício procedimental relevante”.
O juiz também adiou sua decisão sobre o pedido de afastamento liminar dos quatro vereadores, até a manifestação do MPES em prazo de cinco dias, até porque, segundo ele, eventual propositura de acordo de não persecução penal poderia até conter “cláusula de afastamento do exercício do mandato”, ou seja, uma das condições do MPES para se abster de dar prosseguimento ao processo criminal poderia ser exatamente essa.
Introduzido em 2019 na legislação penal brasileira, por meio do “Pacote Anticrime”, o acordo de não persecução penal permite que alvos de investigações do Ministério Público arquem com punições mais brandas do que aquelas que poderiam sofrer se condenados no fim do processo, mediante o reconhecimento de culpa pelos crimes investigados.
A partir da confissão do(s) delito(s), o investigado firma um acordo com o Ministério Público, no qual aceita cumprir determinadas sanções. Em contrapartida, o Ministério Público concorda em não levar adiante a “persecução penal”, ou seja, desiste de ajuizar a ação penal na Justiça. Assim, o investigado não se torna réu e não responde a um processo na esfera criminal. Entretanto, como o próprio juiz da Serra registrou em seu despacho, o oferecimento de acordo semelhante não é obrigatório; fica a critério do Ministério Público.
Na decisão lavrada na última segunda-feira (18), o magistrado observou que a não manifestação do MPES sobre a possibilidade de um acordo impedia o exercício pleno da defesa dos denunciados:
“Portanto, a ausência de manifestação ministerial quanto ao cabimento do ANPP configura vício procedimental relevante, porquanto inviabiliza o controle judicial e impede o exercício pleno da defesa, em afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e da obrigatoriedade de motivação dos atos processuais”.
O juiz lembrou ainda que, caso o MPES se recusasse a propor acordo dessa natureza, as defesas dos acusados poderiam inclusive pedir que o processo seja remetido a órgão superior, para revisão:
“Ressalte-se que não compete a este Juízo oferecer o acordo de ofício, sob pena de violação ao princípio da inércia da jurisdição e à titularidade da ação penal pública (art. 129, inciso I, da Constituição Federal). Contudo, compete instar o órgão acusatório a se pronunciar expressamente sobre o tema, de forma fundamentada, para que, em caso de recusa, seja possível submeter a questão à instância revisora, nos moldes do art. 28-A, §14, do CPP, se assim entenderem as Nobres Defesas”.
Diz o artigo 28-A, §14, do CPP, citado pelo juiz Gustavo Grillo:
No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
Agora, portanto, a bola rolou de volta para os pés do juiz da 2ª Vara Criminal da Serra. Ele pode decidir, de ofício, acolher a denúncia do MPES e o pedido liminar, determinando que os quatro vereadores sejam imediatamente afastados do mandato. Mas, se discordar do posicionamento da 8ª Promotoria de Justiça Criminal da Serra, com base no art. 28 do Código Penal (acima), ele também poderá remeter os autos à instância superior do MPES, que neste caso é a Procuradoria-Geral de Justiça, chefiada por Francisco Martínez Berdeal.
A denúncia: gravação bombástica
A denúncia por corrupção resultou de investigação, também conduzida pelo MPES, deflagrada a partir de um áudio gravado em 2024 e entregue pelo então vereador Anderson Muniz. Trata-se de uma reunião realizada pelos quatro vereadores acusados de corrupção passiva e outros colegas, nas dependências da Câmara da Serra, no dia em que seria votado um projeto de lei enviado pela Prefeitura da Serra. A proposta de lei visava viabilizar a regularização de imóveis pertencentes ao poder público, mas utilizados há muito tempo por particulares no município.
No diálogo, os parlamentares discutem abertamente maneiras de obterem vantagens indevidas como contrapartida para aprovarem o projeto, incluindo o possível pagamento da quantia de R$ 100 mil e até um terreno no bairro Carapebus que valeria mais que isso, oferecido pelo intermediário de um empresário interessado na aprovação da matéria. Eles chegam a falar em uma emenda, apresentada por Wellington Alemão (Rede), para atender a interesses privados de terceiros, ampliando as possibilidades de regularização de imóveis, em troca do pagamento de vantagem indevida.
Para o MPES, o diálogo também indica que a prática seria habitual na Câmara da Serra e também teria sido empregada durante a tramitação de outros projetos estratégicos do Poder Executivo Municipal de grande importância para agentes privados, como o Plano Diretor Municipal (PDM).
As alegações da Promotoria
Para a representante do MPES, as condutas verificadas e atribuídas aos denunciados atentam não só contra a moralidade, mas também contras as expectativas da sociedade em relação aos seus legisladores:
Diante desse nefasto cenário, a única conclusão racional [a] que se pode chegar para quem representa e defende os interesses da sociedade é que o Acordo de Não Persecução Penal não se revela, no caso em tela, “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
Como, então, entender necessário e suficiente para a reprovação e prevenção de um crime quando os Denunciados CLEBER, SAULO MARIANO, VALTEILTON e WELLIGNTON se mostraram dispostos a auferir vantagem indevida quando aparece uma oportunidade?
Nunca é demais lembrar que, no caso que se apresenta, para além do legal, ainda existe o moral: a vantagem indevida pretendida pelos Denunciados CLEBER, SAULO MARIANO, VALTEILTON e WELLIGNTON, ainda que não trate de dinheiro público, é decorrente diretamente das funções por eles exercidas (Vereadores).
A prática de um ato de corrupção por parte de membros do Poder Legislativo é mais do que uma simples venda de votos ou de serviços (compra de legislação), é a venda da representatividade, é a venda da confiança a eles depositada pelo povo, é a venda da democracia.
Os grifos são da coluna.
