IBEF Academy
Por uma sociedade regida por contratos
Mais do que um documento jurídico, os contratos funcionam como pilares de confiança e estabilidade nas relações sociais e empresariais

Contratos. Foto: Freepik
A sociedade contemporânea é marcada por uma crescente complexidade nas relações humanas, sejam elas comerciais, profissionais, familiares ou afetivas. Se analisada de forma ampla, do nascimento à morte, a vida em sociedade se desenrola por meio de contratos. Nesse contexto, eles deixam de ser apenas um instrumento técnico-jurídico e assume o papel de pilar essencial para a convivência harmoniosa e previsível entre os cidadãos
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Na sociedade moderna, a lógica contratual está presente desde os atos mais elementares até os mais complexos. O nascimento, ainda que involuntário, inaugura uma relação contínua de dependência com o meio social. O casamento, por sua vez, é a formalização de um pacto de vida em comum, moldado por normas jurídicas e valores culturais vigentes em determinada época. Já o simples ato de marcar um encontro, “às 15h, então”, traduz um compromisso tácito, que pressupõe confiança e responsabilidade recíproca. Da mesma forma, gestos cotidianos como erguer o braço em um ponto de ônibus ou realizar o check-in em um voo implicam contratos implícitos.
Cada uma dessas situações configura uma troca de deveres e direitos entre as partes. A presença onipresente dos contratos, muitas vezes despercebida, evidencia não apenas a complexidade das relações humanas, mas também a necessidade de regras que garantam direitos e estabeleçam responsabilidades em uma sociedade fundamentada na convivência e na confiança.
A Constituição Federal brasileira consagrou o princípio da autonomia da vontade no campo do direito privado, assegurando às partes liberdade para contratar, estabelecer obrigações e organizar seus interesses conforme critérios próprios, desde que não violem a ordem pública, os bons costumes e a função social do contrato. Do ponto de vista técnico, o Código Civil de 2002 estabelece que o contrato resulta da convergência entre proposta e aceitação, e deve ser interpretado à luz da boa-fé objetiva, da função social e dos usos do local em que foi firmado.
O ato de contratar representa, assim, um exercício legítimo de liberdade, mas também um compromisso com a responsabilidade. Quando duas ou mais pessoas firmam um contrato, elas se comprometem voluntariamente a cumprir o que foi acordado, dentro de um ambiente juridicamente estruturado. Além de garantir segurança, o contrato transmite maturidade e profissionalismo: aquilo que se escreve, cumpre-se (pacta sunt servanda).
Apesar disso, nota-se no Brasil uma persistente resistência cultural à formalização dos acordos. É frequente que operações relevantes, como empréstimos entre amigos, vendas de bens ou contratações de serviços, ocorram sem qualquer documento escrito. Nessas situações, quando surge um conflito, a ausência de contrato dificulta ou inviabiliza a demonstração da verdade, gerando insegurança e litígios.
É necessário desconstruir a ideia de que o contrato se relaciona com a desconfiança. Formalizar um acordo por escrito não significa duvidar do outro, mas garantir que ambas as partes compartilham a mesma compreensão sobre os termos combinados. Um contrato bem redigido protege os envolvidos, preserva relações e previne disputas desnecessárias.
Se, na vida cotidiana, os contratos já se mostram indispensáveis para organizar compromissos e garantir expectativas mútuas, com mais razão ainda o são nas relações empresariais. No mundo dos negócios, os contratos desempenham um papel fundamental: são o alicerce sobre o qual se constroem as relações comerciais, as parcerias estratégicas e as operações corporativas.
Abilio Diniz, empresário brasileiro e fundador do Grupo Pão de Açúcar, já declarou em diversas entrevistas: “O meu grande erro empresarial foi negligenciar o valor e a importância de um contrato.” Segundo ele, “não deixe nada ao acaso. Se tiver que brigar, brigue na hora do contrato”, “o contrato tem que ser tratado à exaustão”, ressaltando como a falta de atenção a cláusulas contratuais pode comprometer até mesmo grandes empreendimentos.
Nas relações contratuais entre empresas, a liberdade contratual tende a ser ainda mais valorizada. Isso se deve à presunção de que ambas as partes envolvidas são economicamente capazes, possuem experiência no mercado e têm plenas condições de avaliar riscos, negociar cláusulas e assumir responsabilidades.
Um exemplo emblemático dessa lógica é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.989.291/SP. No caso, duas grandes empresas pactuaram um contrato contendo cláusula de limitação de responsabilidade. O STJ reconheceu a validade dessa cláusula, reforçando o princípio da força obrigatória dos contratos no âmbito empresarial, ressalvada, é claro, a hipótese de demonstração de má-fé.
Essa decisão evidencia a postura do Judiciário de respeitar a autonomia da vontade nos contratos empresariais, privilegiando o que foi livremente pactuado entre partes que detêm capacidade técnica e econômica para negociar.
Vale lembrar, ainda, que em um cenário de excessiva judicialização e morosidade no Judiciário, o contrato desponta como uma solução preventiva e inteligente. Uma sociedade que valoriza os contratos é uma sociedade que respeita a palavra empenhada, acredita na previsibilidade das relações e prioriza a boa-fé como base de suas interações.
Por isso, o contrato deve ser compreendido não como um entrave, mas como um facilitador da vida em comum. Ele é, por excelência, a cola que une as partes, funcionando como um pacto estruturante que rege desde as mais simples relações cotidianas até as mais complexas transações internacionais. Negligenciar sua importância é comprometer a estabilidade das relações e abrir espaço para conflitos que poderiam ser evitados.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.
*Teuller Pimenta é Advogado, Especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.
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