Coluna Vitor Vogas
O concurso público do MPES vai mesmo sair da promessa?
Em 2023, para resolver um problema no STF, o MPES criou quase 800 cargos efetivos em sua estrutura. A então procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, prometeu concurso público até o fim de sua gestão. O atual chefe da instituição, Francisco Berdeal, assumiu reafirmando o compromisso. Passado quase um ano, qual é a expectativa? O MPES responde aqui

Francisco Berdeal e Luciana Andrade, no ato de passagem de bastão no MPES. Foto: Assessoria do MPES
No dia 28 de junho de 2023, após aprovação de projeto de autoria do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) na Assembleia Legislativa, o governador Renato Casagrande (PSB) sancionou lei estadual proposta pela então procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, criando a incrível quantidade de 778 cargos efetivos na estrutura da instituição, a serem preenchidos, progressivamente, por meio de concurso público.
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Naquela oportunidade, em entrevista concedida a esta coluna, a então chefe do MPES declarou a intenção de promover um primeiro concurso, ainda em sua gestão, a fim de prover pelo menos parte dessas 778 vagas. Sua ideia era pôr o edital na rua ainda no segundo semestre de 2023.
No fim de 2023, a assessoria do MPES informou que haviam sido designados os integrantes da Comissão de Concurso de Servidores, a qual vinha trabalhando “na definição de requisitos (cargos a serem providos, número de vagas, formato das provas etc.) e na elaboração do termo de referência para contratação da entidade especializada na promoção do certame”. A expectativa, segundo o MPES, era que o edital do concurso fosse publicado até o fim do mandato de Luciana Andrade, em maio de 2024.
Mas o mandato de Luciana terminou sem que isso fosse realizado.
Em março de 2024, o candidato apoiado por ela, Francisco Berdeal, ficou em segundo lugar na votação interna da categoria (atrás de Pedro Ivo de Sousa) e foi escolhido pelo governador para ser o novo procurador-geral de Justiça. Em sua campanha, uma das principais propostas de Berdeal foi justamente a realização de concursos públicos no biênio 2024-2025, tanto para servidores como para novos membros do MPES.
Ao tomar posse, no dia 3 de maio de 2024, em entrevista coletiva, Berdeal afirmou que, durante sua gestão, o MPES promoveria concurso público para o provimento de vagas de servidores efetivos. A quantidade, segundo ele, ainda não estava definida:
“Essa lei [de 2023] estruturou o MPES para os próximos 20, 30 anos”, declarou ele, na referida data. “Então nós já estamos com o processo de realização do concurso público para servidores em andamento. Será realizado nos próximos meses. O edital ainda não está definido, mas vamos paulatinamente avançar para fortalecer a atuação finalística da instituição, fortalecer a atuação dos promotores de Justiça com esses servidores que entrarão”.
Passado quase um ano desde a declaração acima – e metade do mandato de Berdeal –, não se teve mais notícia alguma do concurso. Por isso, perguntamos ao MPES se o compromisso está mantido ou se a proposta foi arquivada pela atual gestão.
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Por meio de nota, o MPES reafirmou o compromisso de promover o concurso para provimento de cargos efetivos. Mas o edital ainda não foi publicado e ainda não há prazo para isso, tampouco informações quanto ao quantitativo de vagas.
Segundo a assessoria do MPES, a Comissão de Concurso de Servidores vem trabalhando na organização do concurso em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), e mais não pode ser informado no momento, pois o processo “ainda exige a preservação do sigilo para que sejam assegurados os resultados pretendidos e a equidade entre os participantes”.
Eis a nota completa:
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Comissão de Concurso de Servidores, informa que está mantido o compromisso quanto à realização de concurso público para provimento de cargos efetivos do quadro administrativo.
A Comissão, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), vem trabalhando na organização do certame, processo que ainda exige a preservação do sigilo para que sejam assegurados os resultados pretendidos e a equidade entre os participantes.
Concluídas as atuais atividades de planejamento, as informações serão detalhadas por ocasião da publicação do edital, ainda sem prazo definido.
A motivação original da criação dos cargos
É importante lembrar as circunstâncias em que a gestão de Luciana Andrade enviou à Assembleia Legislativa o projeto prevendo a criação de quase 800 cargos. A intenção foi encaçapar duas bolas com uma só tacada.
O discurso posterior foi o de fortalecer o corpo técnico do MPES, com a contratação de especialistas em diversas áreas, para assessorar os trabalhos das promotorias e procuradorias de Justiça. Mas a motivação inicial – e fundamental – do projeto foi resolver um problema judicial. Foi o meio encontrado pela gestão passada, por sinal bem-sucedido, para reverter uma derrota que parecia iminente no STF, em uma ação que poderia obrigar o MPES a cortar centenas de cargos comissionados.
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Em 2019, ainda na gestão do hoje desembargador Eder Pontes (antecessor de Luciana na Procuradoria-Geral de Justiça), o MPES criou 307 cargos comissionados (216 deles para assessorar diretamente os promotores de Justiça no dia a dia), por meio de projeto de lei aprovado na Assembleia e sancionado por Casagrande. Quase todos foram preenchidos. Cargos comissionados, sempre vale lembrar, são aqueles de livre nomeação, cujo preenchimento prescinde de aprovação em concurso público. Ocupa-os quem for indicado.
Essa lei estadual, no entanto, foi contestada judicialmente pela Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp). Para derrubá-la, a entidade de classe entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF. Para a Ansemp, a lei feriu de morte o ditame constitucional: comissionados só em último caso; a regra deve ser concurso público.
Se a Ansemp tivesse ganho de causa nesse julgamento, a lei de 2019 seria declarada inconstitucional e os 307 cargos comissionados em questão seriam extintos.
De uma maneira meio enviesada, foi essa, a bem da verdade, a motivação maior do projeto apresentado pela atual gestão do MPES em junho de 2023, o qual resultou na criação, ao menos do papel, dos 778 cargos efetivos. A explicação é política e matemática.
Em entrevista concedida a esta coluna no fim daquele mesmo mês, a então procuradora-geral de Justiça confirmou ter criado as vagas na estrutura da instituição como uma maneira de levar a ação da Ansemp no Supremo a perder o objeto e acabar arquivada.
Seria uma forma, por assim dizer, de equilibrar a balança entre efetivos e comissionados no MPES, aproximando o número de cargos efetivos existentes na estrutura administrativa do número de comissionados. Com isso, a chefia do MPES procurou atender a uma sugestão dada pelo ministro Nunes Marques no curso do referido julgamento, produzindo, pelo menos no papel, a proporcionalidade recomendada por ele: 70% de efetivos para 30% de comissionados, em prazo de um ano e meio.
Até a sanção da lei de junho de 2023, essa relação no MPES era simétrica: havia um total de 1.028 servidores, sendo 511 comissionados e 517 efetivos. Portanto, só cerca de 50% eram efetivos (praticamente a metade).
Em junho de 2023, com a criação formal das 778 vagas de efetivos, essa relação mudou bastante. O MPES passou a ter um total de 1.806 vagas de servidores, sendo 511 para comissionados e 1.295 para efetivos. Estes passaram a representar 71,7% dos cargos existentes (ainda que a maior parte ainda não esteja provida), exatamente como preconizou Nunes Marques.
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Diluiu-se, assim, a limonada, jogando-se mais água na jarra e aumentando-se o volume da mistura.
Vale ressaltar que, quando Luciana Andrade apresentou o projeto de lei, o julgamento da ação no STF ia mal, muito mal, para o MPES. A maioria a favor da Ansemp já havia sido formada, com os votos de 8 dos 11 ministros pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da lei estadual de 2019.
A chefe do MPES entrou em campo, então, com essa nova lei, criando os quase 800 efetivos, como último lance para virar o jogo e evitar uma derrota iminente. Ressalte-se que a estratégia deu certo.
Mediante o argumento do equilíbrio (atingindo a proporção 70×30), a gestão de Luciana conseguiu evitar que o STF obrigasse o MPES a eliminar aqueles mais de 300 comissionados.
Portanto, paradoxalmente, o projeto que criou quase 800 cargos efetivos foi um meio encontrado, com urgência, não para contratar mais efetivos, mas para garantir a manutenção de comissionados.
Num segundo momento, conforme disse a procuradora-geral de Justiça em entrevista naquela ocasião, a gestão de Luciana viu nisso também uma “oportunidade” para fortalecer o quadro técnico do MPES, preenchendo os cargos criados, gradativamente, por meio de concursos públicos.
Assim como o plural, o advérbio “gradativamente” precisa ser frisado. Quase 800 cargos é um número absurdo (uma excrescência). Se a maior parte disso for preenchida de uma vez, por um único concurso, não haverá orçamento que dê conta de pagar esse pessoal.
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