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Alexandre Brito

A depressão não é o mal do século

Reduzir a depressão a um problema individual ignora fatores sociais como desigualdade, solidão e exaustão que marcam nosso tempo

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Apenas 8,5% chegam à polícia e 4,2% ao sistema de saúde. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Depressão. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Geralmente, ouvimos que a depressão é “o mal do século”. Provavelmente, você já se deparou com essa expressão por aí, como se fosse necessário combater a depressão para que a vida possa, então, ser feliz. À primeira vista, a frase parece trazer uma pauta importante. No entanto, esconde uma armadilha. Vamos entender melhor?

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Desde já, é importante reconhecer que esse é um modo bastante inadequado de tratar a depressão, pois inverte a lógica do problema ao encarar um efeito como se fosse a causa. Para ilustrar esse ponto, vale recorrer a um exemplo recente: a pandemia da covid-19.

Durante a pandemia, ninguém dizia que a falta de ar era “o mal daquele tempo”. Todos sabiam que esse sintoma — assim como tantos outros — era causado pelo coronavírus. Se a preocupação se limitasse apenas a aliviar a falta de ar, sem tratar a infecção em si, o combate à doença teria sido ineficaz.

No entanto, quando falamos sobre o sofrimento humano, a lógica costuma se inverter — e a depressão é um exemplo disso. Muitas vezes, ela é tratada como se fosse a raiz do problema, quando, na verdade, é apenas um sintoma. Tratar a depressão como causa isolada é como tentar reduzir uma febre apenas com banhos gelados, sem buscar entender o que está provocando a febre.

Por isso, dizer que a depressão é “o mal do século” desconsidera um conjunto complexo de fatores que marcam a vida contemporânea: desigualdade social, exaustão, solidão. Seria preciso um grande esforço para ignorar como tudo isso contribui para o sofrimento psíquico. Nesse contexto, a depressão é efeito, não causa. Ignorar isso é continuar reproduzindo relações sociais adoecidas, sem nenhuma perspectiva de mudança.

Não se trata, portanto, de um adoecimento de natureza apenas individual ou cerebral. Reduzir a depressão ao funcionamento do cérebro é ignorar sua complexidade. Trata-se de um problema que envolve fatores sociais, emocionais e coletivos — o que faz da depressão uma questão de saúde pública.

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Alexandre Brito

Alexandre Vieira Brito é psicólogo e mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Filosofia e Psicanálise pela Ufes, bem como em Políticas Públicas e Socioeducação pela Universidade de Brasília (UnB). Possui experiência em saúde mental, formação profissional, políticas públicas e socioeducação. Realiza atendimento clínico desde 2010. Também é professor universitário e palestrante, articulando a psicologia em suas interfaces com outros saberes. Colunista da BandNews FM todas as segundas-feiras 17h40, ao vivo, e participa de entrevistas no Estúdio 360 da TV Capixaba para falar de psicologia e comportamento.

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