Coluna Vitor Vogas
Análise: anistia pro vovô e pra titia?
Você julgaria aceitáveis, minimamente aceitáveis, os atos dessas pessoas? Acharia tolerável e desculpável a conduta de todos os envolvidos, da “titia fã do presidente” até o próprio? Defenderia anistia para todos? Calma, não se trata de Bolsonaro…

Ataques do oito de janeiro faziam parte do plano de golpe de Estado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Pensemos juntos. Imaginemos que as próximas eleições presidenciais se desenrolem assim:
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Sem nunca ter de fato arrefecido, a polarização extrema se reedita. O que temos é um novo capítulo da série iniciada em 2018: a esquerda, representada pelo PT, contra uma direita conservadora que converge para Jair Bolsonaro. Frente a frente, como em 2022, Lula e o capitão da reserva, com papéis invertidos dessa vez: o petista é o incumbente; Bolsonaro, o desafiante, com a oportunidade da revanche. Sim, em 2023, ele fora condenado pelo TSE à inelegibilidade até 2030. Contudo, uma reviravolta jurídica devolvera-lhe os direitos políticos a tempo de ele se candidatar.
Com o país novamente dividido e índices de aprovação claudicantes, Lula assiste ao crescimento de Bolsonaro, que, às vésperas do período eleitoral, lidera todas as pesquisas de intenção de voto (por pequena margem). É preciso deter a marcha da oposição. No início de julho de 2026, Lula reúne a portas fechadas seus ministros mais próximos em busca de saídas – dentro ou não das quatro linhas – para evitar a derrota que se prenuncia nas urnas. O próprio presidente afirma que não aceitará outro resultado que não sua vitória eleitoral.
“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições. […] Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”, conclama o chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, general Marcos Amaro.
Sistematicamente, em discursos, lives etc., Lula põe-se a desacreditar as urnas eletrônicas (as mesmas pelas quais se elegeu presidente três vezes). Põe em xeque a lisura das eleições no país. Chega a convocar diplomatas de outros países para dizer que nosso sistema eleitoral não é confiável, dentro do Palácio do Planalto. Ministros proeminentes fazem o mesmo: Gleisi Hoffmann, Haddad, Padilha, Rui Costa, Lewandowski. Janja idem. A cúpula do governo passa a atacar o TSE e, particularmente, os ministros Nunes Marques e André Mendonça, respectivamente presidente e vice da Corte Eleitoral. Indicados ao STF por Bolsonaro, ambos são tratados como inimigos 1 e 2 do petismo.
Em paralelo, burlando vedações legais e ignorando a responsabilidade fiscal, o governo cria e concede benefícios à população de baixa renda em pleno período eleitoral. A gastança é sem precedentes. O populismo, escancarado.
No dia 25 de outubro, data do 2º turno, sem nenhuma razão aparente, a Polícia Rodoviária Federal realiza uma grande operação concentrada nas rodovias dos estados do Sul do país, onde sabidamente Bolsonaro é bem votado. Carros e ônibus são parados, com o nítido intuito de impedir que eleitores cheguem a tempo ao local de votação.
Nem tudo isso basta. Naquela mesma noite, dando o troco em Lula, por margem igualmente apertada, Bolsonaro está oficialmente eleito para voltar ao Planalto. Assim o proclama o TSE.
Lula não telefona para ele, reconhecendo de pronto a derrota, como manda a boa regra de convivência num regime democrático, que tem no respeito à vontade popular, expressada pelas urnas, um de seus pilares. O petista não aceita a derrota. Não admite devolver a faixa para ele, logo ele… “Ele não!”, voltam a entoar, como um mantra, seus apoiadores país afora.
Na mesma noite, ante o silêncio conivente do presidente, militantes do PT e outros partidos de esquerda, movimentos sociais urbanos e rurais, apoiadores espontâneos de Lula… todos saem de suas casas e passam a tocar o terror no país. MST, MTST, CUT, movimento estudantil… Estão todos lá. No primeiro ato, do Oiapoque ao Chuí, do Pará ao Paraná, bloqueiam estradas vitais. Por semanas, ninguém passa por ali. Crianças que precisam de transplante não conseguem seguir por terra para o hospital. Pneus são queimados em toda parte. A aposta é na difusão do caos.
Ao mesmo tempo, em todas as maiores cidades, representantes dos mesmos movimentos montam acampamentos em frente aos quartéis militares. Denominam-se “defensores da democracia”. Não se sabe quem os financia. As polícias estaduais não agem. As Forças Armadas nada fazem para os tirar dali. Em clara perturbação da ordem pública, além de toda a sujeira produzida, o barulho é insuportável. Durante a madrugada, hinos, cânticos, místicas do MST, carros de som executando “Lula lá!”.
Dias depois, lá no Planalto, Lula enfim quebra o silêncio. Rodeado dos ministros e congressistas de sempre, faz um pronunciamento ambíguo à imprensa. Não dissuade os manifestantes – antes os encoraja, com o seu silêncio cúmplice. Mantém-se sem acatar o resultado das urnas.
Nos bastidores, enquanto se adensam os bloqueios e acampamentos, desenrolam-se articulações frenéticas de pessoas ligadas a Lula, no governo, no PT e até nas Forças Armadas (onde também há setores simpáticos à esquerda e ao presidente). O tempo é um inimigo. A posse está marcada para o dia 1º de janeiro. A equipe de transição do presidente eleito já trabalha em um prédio público em Brasília. Guedes é chamado de volta! Está ávido para implementar suas ideias no Ministério da Economia, que será recriado. Moro também colabora.
Para os lulistas, porém, Bolsonaro não pode ser empossado! E a militância está mesmo convencida de que não o será. Nos grupos de Whatsapp, nas reuniões de família, comenta-se que algo ocorrerá até a posse – só não se sabe o quê… É preciso encontrar uma saída, jurídica ou não, para evitar essa tragédia para a esquerda. E as “saídas” começam a ser levadas a Lula.
Incumbido da missão, o ministro da Justiça, Lewandowski, entrega-lhe a minuta de um decreto prevendo instauração de estado de defesa na sede do TSE (intervenção do Executivo na Corte), visando dissolver o tribunal, prender Nunes Marques, anular as eleições, sob a justificativa de fraude, e convocar novo pleito. Lula não só lê o texto como o edita, cortando trechos, deixando-o mais enxuto.
Paralelamente, um grupo radicalizado de oficiais do Exército leais a Lula, denominados Kids Vermelhos, elabora um plano ultrassecreto, intitulado “Adaga Verde e Amarela”: matar Nunes Marques, Bolsonaro e o vice-presidente eleito com ele. Lula tem conhecimento de tudo. Não refuta a operação. O plano, porém, é abortado pelos Kids.
Em princípios de dezembro, com a água já batendo no queixo, Lula recebe no Alvorada, em reunião sigilosa, os chefes das três Forças Armadas. O objetivo é tratar, sem rodeios, de uma intervenção militar para que ele se mantenha no poder. Apresenta-lhes a minuta redigida por Lewandowski. Quem está com ele nessa? Só um dos três coloca as suas armas a serviço do plano golpista que impediria o retorno de Bolsonaro. Os outros dois, não. Um deles ameaça prender Lula se ele seguisse em frente com a ideia.
Dias depois, diante de Lula, o senador Fabiano Contarato (PT), do Espírito Santo, é sondado para cumprir uma missão: gravar, sem que Nunes Marques saiba, uma conversa em que o ministro se incrimine, admitindo ter tomado medidas deliberadas para prejudicar a candidatura de Lula. O senador, porém, prefere não se envolver.
Já em meados de dezembro, no dia da diplomação de Bolsonaro, a cerimônia transcorre normalmente dentro do TSE. Do lado de fora, porém, as ruas de Brasília são tomadas por apoiadores radicais de Lula, convencidos de estarem a serviço de uma causa justa e certa. Os incendiários tocam o terror: queimam carros e ônibus; tentam invadir a sede da Polícia Federal. Descobre-se uma tentativa de atentado a bomba nas proximidades do aeroporto de Brasília.
Enquanto isso, os acampamentos da esquerda seguem firmes, inamovíveis, pelo país inteiro. Lula jamais os “dispersa”. Nos últimos dias de 2026, julgando não ter o apoio militar necessário para executar o golpe de Estado, o presidente petista se despede melancolicamente de seu terceiro governo. Sem jamais admitir o resultado e recusando-se a passar a faixa para seu arqui-inimigo, pega um avião e abandona o solo pátrio. Vai para Cuba (a poucos quilômetros de Miami).
Na cerimônia de posse, tudo ok. Pela segunda vez em oito anos, Bolsonaro desfila a céu aberto no Rolls-Royce, ao lado de Michelle Bolsonaro, e sobe a rampa do Palácio do Planalto. Em seu discurso de posse, mudanças. Já não quer fazer o Brasil voltar a ser como era há 50 anos, mas como foi entre 2019 e 2022.
Mas não havia acabado.
No dia 10 de janeiro, o segundo domingo de 2027, enquanto o presidente está em Angra, uma mobilização sem precedentes toma vulto em Brasília. Organizada com antecedência por líderes da corrente ideológica (José Dirceu entre eles), uma grande marcha de apoiadores de Lula e militantes de esquerda transforma a Esplanada dos Ministérios em verdadeiro mar vermelho. Ônibus com militantes seguem simultaneamente para a capital federal, partindo dos pontos de concentração em frente aos quartéis de norte a sul do país.
Do quartel do Exército em Brasília, os milhares de “manifestantes” (ou baderneiros? ou aloprados?) vão a pé, por oito quilômetros, até a Praça dos Três Poderes, com o objetivo de ocupá-la à força. No caminho, encontram quase nenhuma resistência. As barreiras policiais são facilmente superadas. Alguns agentes de segurança parecem até convir. Os que tentam reagir, apanham.
Empunhando os estandartes e símbolos de seus movimentos, MST, MTST, CUT, sindicatos, segmentos do PT e de outras siglas se apoderam da Praça dos Três Poderes. Mas não se contentam em ocupá-la. Uma vez ali, os manifestantes (ou terroristas? ou arruaceiros? ou golpistas?) invadem as sedes do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Governo Federal. Entre eles, pessoas de idade. Pais e mães. Tios e tias. Avôs e avós. Todos adultos. Todos responsáveis pelos próprios atos.
Inconformados com a derrota de Lula, os militantes da causa (ou fanáticos? vândalos? extremistas?) promovem o maior ataque físico a instituições de que se tem notícia desde a fundação da Nova República. A depredação da horda vermelha inclui os atos mais vis de barbárie. Patrimônio histórico e cultural de valor inestimável é destruído. Guardas ficam feridos, inclusive mulheres. Um dos sedentos por justiça (ou criminoso?) chega a simular defecar em um gabinete do Supremo. Tudo é filmado pelo próprio grupo (ou organização criminosa?).
Pavilhões do PCdoB se agitam. Assim também as bandeiras do PSol. Alguém dá um jeito de hastear uma do PT ao lado da brasileira, no ponto mais alto do mastro. Na mesa do Senado, uma flâmula do MST é estendida. A estrela do PT divide espaço com o sol psolista e o arco-íris LGBT. “O Brasil é nosso!”, grita a turba, ensandecida. “Essa é a nossa pátria! Não é dos bolsonaristas!” Na estátua A Justiça, em frente ao STF, com tinta de urucum, uma ativista de povos indígenas pinta o dizer “terrivelmente evangélico”. Nas paredes do Palácio do Planalto, picha-se “Fora Bolsonaro”, “Ele não!”. Nas do Congresso, “Lula eterno” e “O amor vencerá o ódio”.
Mas Lula perdera a eleição. Fora derrotado por maioria de votos. O povo falara através das urnas.
Não é só um desabafo, um grito de indignação, uma catarse coletiva depredatória, um surto espontâneo de violência. Muitos ali podiam ser pura massa de manobra (embora adultos e senhores dos seus atos). Mas havia método no caos. O objetivo maior, dos mentores e financiadores (quiçá líderes políticos, empresários e oficiais simpáticos à esquerda) era legível para quem quisesse ler: fomentar um estado caótico tal que o governo entrante de Bolsonaro ficasse paralisado, impedido de prosseguir normalmente. E criar, assim, um impasse institucional. Um impasse do qual qualquer coisa pudesse emergir. Quem sabe uma intervenção real das Forças Armadas. Quem sabe o retorno de Lula… Mas, acima de tudo, impedir o capitão de governar.
O plano falha, porém. Aos poucos, com muito sacrífico, as tropas policiais mobilizadas conseguem controlar o levante. Aos milhares, os militantes de esquerda (ou criminosos?) são detidos e levados à prisão. Passarão a responder por seus atos perante a Justiça, por terem sido a “linha de frente” de uma tentativa descarada de ruptura violenta do Estado de Direito, da institucionalidade, da normalidade democrática do país… (ou apenas atitude isolada de vovôs, vovós e titias?)
Convido os leitores e leitoras a voltar agora comigo à realidade presente. Encerramos aqui nosso exercício imaginativo. Como adverti no início do texto, tudo acima está no campo da fantasia. O 10 de janeiro de 2027 foi inventado, mas espelha o 8 de janeiro de 2023 (este, sim, evento histórico real). Como um espelho que nos devolve a mesma imagem, porém invertida.
O exercício é exatamente esse. Convido-os a responder sinceramente. O “10 de janeiro” não ocorreu. O 8 de janeiro, sim…
Mas, se tudo acima viesse a ocorrer exatamente como narrado, você julgaria aceitáveis, minimamente aceitáveis, os atos dessas pessoas? Acharia tolerável e desculpável a conduta de todos os envolvidos, da “titia fã de Lula” até o próprio? Defenderia anistia para todos?
Por coerência, como defender a anistia geral para envolvidos no 8 de janeiro?
Se isso passar, o 10 de janeiro de 2027, simulado acima, estará automaticamente autorizado. Quem atirará a primeira pedra?
Defender a anistia, neste caso, é defender a impunidade, e liberar a repetição de atos tão graves, indefinidamente, no futuro a perder de vista. Simples assim.
