Coluna Vitor Vogas
Análise: a manobra de Coser para chegar ao segundo turno em Vitória
Ex-prefeito busca garantir todos os votos dos eleitores de Lula, enquanto tenta convencer quem não gosta do PT a não deixar de votar nele por partido
Uma das dezenas de vídeos publicados nas redes sociais do candidato se destaca por alguns motivos. Na linha “gente como a gente”, João Coser (PT) surge em cena nos revelando o seu primeiro emprego, como manobrista de uma tradicional oficina de veículos da Volkswagen em Vitória. Faz a revelação enquanto prova a perícia no antigo ofício, estacionando perfeitamente um carro, de ré, numa vaga apertada. A ideia, naturalmente, é gerar empatia com o eleitorado mais humilde, mostrando que ele veio de baixo. Mas não é só isso que se destaca no vídeo.
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Na corrida eleitoral na Capital, Coser também “vem de baixo”. Na última pesquisa Quaest/Rede Gazeta, publicada na quarta-feira (18), só obteve 15% das intenções estimuladas de voto, contra 53% do prefeito e defensor do cargo, Lorenzo Pazolini (Republicanos). O dado mais alarmante é a rejeição a Coser, que já era alta em agosto e saltou para incríveis 51%.
Pode-se inferir que o “grosso” dessa rejeição não é propriamente contra Coser, sua pessoa, sua figura política, nem mesmo contra sua administração. Foi de fato um governo que deixou realizações importantes para a cidade em áreas como saneamento básico, infraestrutura, macrodrenagem, saúde, educação e assistência social. O problema é outro, todos sabem qual é, e o próprio Coser o admite: chama-se PT.
Em Vitória, assim como em outras grandes cidades capixabas e em outras praças do país, parece ter se sedimentado, nos últimos anos, um sentimento antipetista muito forte, que se estende aos candidatos do PT, quaisquer que sejam eles. Vitória é a cidade da Praça do Papa (ironicamente, reformada por Coser), apoteose de todas as principais passeatas do “Fora, Dilma” e contra o PT entre 2015 e 2018.
Em sabatina recente a jornalistas da Rádio CBN e de A Gazeta, Coser mostrou ter consciência disso. Com franqueza e sem brigar com os fatos, reconheceu que sofre com a rejeição ao partido, a qual estende sua sombra sobre ele. E aqui voltamos ao post do manobrista.
Descontraído, o vídeo é encerrado com uma frase lançada assim, meio despretensiosamente, mas que resume a manobra estratégica que a campanha de Coser quer operar: convencer os eleitores que têm sérias resistências ao PT, mas que gostam do João Coser, a não deixar de votar nele só porque não gostam do partido:
“Você pode até não gostar dos partidos políticos, ms é impossível não gostar de João”
> Asfalto quente: o tão esperado confronto entre Pazolini e João Coser
Não chega a ser um cavalo de pau, mas é uma manobra estratégica dificílima por parte da campanha do ex-prefeito, pilotada pelo marqueteiro Fernando Carreiro desde o início do ano. Até porque, mais que um “manobrista”, Coser está mais para “malabarista”, mirando em vários alvos e atacando em várias frentes ao mesmo tempo.
O fator Lula
Enquanto procura demover as resistências de eleitores refratários ao PT (mas simpáticos a ele), o ex-prefeito começou, na última quinta-feira (19), a colocar em prática uma estratégia paralela, de reforço da sua associação com o presidente Lula, que pede votos expressamente para Coser.
A propaganda levada ao ar no horário eleitoral gratuito enfatiza a ligação histórica entre os dois, de ordem política, administrativa, pessoal e afetiva.
Lula é sabidamente o maior líder do PT no passado e no presente, mas, assistindo à propaganda com calma, percebe-se que, a bem da verdade, nem ele nem Coser falam em momento algum do partido de maneira explícita. O PT fica implícito quando Coser destaca que, no início, muito antes de pensarem em disputar mandatos no Executivo, o que o ligava a Lula era o desejo em comum de lutar pelos direitos dos trabalhadores e por uma sociedade mais justa.
Mas, vejam, o que se quer sublinhar não é a ligação de Coser com o PT nem com a maior personalidade do PT, e sim sua ligação com Lula, pessoa física. Em 2022, Lula teve 95.478 votos (45,3% dos válidos) em Vitória no 2º turno contra Bolsonaro. O objetivo de Coser é conquistar esses votos, convencendo os eleitores de Lula a votar nele agora para prefeito.
> Análise – Todos contra Pazolini: como foi o debate da Rede Gazeta em Vitória
Para além disso, pretende demonstrar que ele é o único candidato em posição de dizer que possui um canal direto com o presidente da República e, portanto, é quem pode trazer mais investimentos federais para a capital capixaba.
O risco da estratégia é evidente: o tiro pode sair pela culatra e acabar por ampliar ainda mais a rejeição a Coser.
Como tirar votos de Pazolini?
E há outro fator a considerar: os votos de Lula que hoje não estão indo para Coser estão indo para quem? Com Camila Valadão (PSol), de acordo com o mesmo levantamento da Quaest, estão só 4%. Se todos eles migrarem para Coser, por “voto útil”, isso dará ao ex-prefeito 19%, muito longe de ser o suficiente. É razoável supor que parte desses votos de Lula estejam agora entre os 8% de Luiz Paulo (PSDB).
Mas não é nenhum absurdo concluir, até matematicamente, que um percentual considerável de eleitores de Vitória que votaram em Lula há dois anos esteja agora tendente a votar em Pazolini para prefeito.
Aqui o que pesa, logicamente, não é o critério ideológico, mas o pragmatismo do eleitor. Muitos podem ter votado em Lula em 2022, mesmo sem gostar do PT nem do próprio candidato, mas por uma aversão ainda maior a Bolsonaro e à ideia de vê-lo seguir no poder central.
Agora, ainda que Pazolini esteja muito mais próximo do bolsonarismo do que João Coser, alguns desses mesmos eleitores podem estar votando no prefeito porque simplesmente consideram que ele está fazendo um bom primeiro mandato e merece um segundo.
> Análise – A falta e o asfalto: a mais que presente ausência de Pazolini no debate da Band
Em resumo, matematicamente, para Coser ainda nutrir alguma esperança de chegar ao 2º turno, não adianta ele só tirar votos de Camila e de Luiz Paulo. Ele precisa, urgente e intensamente, virar votos que estão com Pazolini. Eis a parte mais difícil e delicada da manobra da campanha do petista…
“Difícil” porque, para isso, não adianta falar de Lula. Esse eleitor é pragmático, está mais preocupado com as questões do dia a dia da cidade, e talvez, como dito, nem vá muito com a cara do atual presidente. Aí é preciso realçar as críticas a Pazolini, apontar os problemas de seu governo, convencer esse eleitor de que a cidade não vai tão bem…
É exatamente por isso que, na propaganda e nos primeiros dois debates (Rede Capixaba e Rede Gazeta), Coser bombardeou Pazolini e sua gestão: gasto de mais de R$ 200 milhões em asfalto com fins eleitoreiros, falta de projeto real para a cidade, isolamento político e administrativo, contratos sem licitação, perda de protagonismo, paralisação econômica.
Algumas das críticas parecem de fato pertinentes (o asfalto realmente cheira ao mais antigo e gasto populismo), mas essa parte da manobra esbarra em outro sério complicador: Pazolini está bem avaliado. Sua aprovação vai a quase 70%, segundo a sondagem da Quaest para a Rede Gazeta.
O paradoxo de Coser: maior ajuda pode vir de Assumção
Hoje, com sobras, Pazolini estaria eleito no 1º turno. Para reduzir seu tamanho eleitoral a menos de 50% dos votos válidos, não tem jeito: é preciso tirar votos de Pazolini. Para que o 2º colocado (Coser ou qualquer outro) vá para o 2º turno com o atual prefeito, não adianta nada Coser e os demais tirarem votos um do outro. Ele, Camila, Luiz Paulo e Assumção precisam roubar votos de Pazolini.
E quem é que mais tem condições de fazer isso a esta altura? Arrisco-me a dizer: Assumção.
> Análise – Quem ganhou e quem perdeu com a ausência de Pazolini no debate da Band
Paradoxalmente, neste momento, parece-me que é Assumção, o oposto ideológico de Coser, quem mais pode ajudá-lo a chegar ao 2º turno – mais até do que o próprio Coser pode ajudar a si mesmo.
Assumção já mudou radicalmente sua estratégia, passou a ser bem mais agressivo nas críticas a Pazolini, contundente na exposição de problemas da cidade (como o aumento da violência urbana) e incisivo no discurso bolsonarista, arvorando-se em “verdadeira direita”.
Pazolini e Assumção são os únicos dois candidatos de direita para valer nessa disputa. Estão sozinhos nesse grande território: Assumção mais na extrema-direita; Pazolini posicionado em uma direita conservadora mais moderada.
Em Vitória, o que não falta são eleitores bolsonaristas. Estes, em sua imensa maioria, estão seguindo com Pazolini, alguns deles quiçá priorizando um voto útil para derrotar a esquerda. Mas Assumção não mente quando afirma ser ele o verdadeiro e único candidato de Bolsonaro em Vitória. “Conservador de verdade vota em Assumção, 22”, afirma agora sua propaganda.
A mesma propaganda reavivou um discurso que o deputado fez mais de uma vez da tribuna da Assembleia no primeiro semestre, mirando em Pazolini: a de que o prefeito seria um “melancia”, seria um traidor de Bolsonaro, por não ter declarado apoio ao então presidente contra Lula em 2022 – o que, de fato, ele não fez.
Assumção afirma ser o candidato de quem não gosta do morno – assim como o senador Magno Malta, presidente do PL no Estado, também chama Pazolini e o Republicanos de “direitinha” ou “direita relativa”.
> O Cordel do Debate da Band entre os candidatos a prefeito de Vitória
Jamais, em sua vida política, desde os tempos de deputado e colega de Assumção na Assembleia, Pazolini declarou-se um “bolsonarista”. Flertou, é verdade, algumas vezes e por alguns sinais: em sua campanha em 2020, propôs escolas cívico-militares em Vitória (mas não chegou a executar o projeto e, nesta campanha, o abandonou).
Antes disso, como deputado, manteve proximidade política com Magno Malta e Damares Alves, dois expoentes do bolsonarismo: chegou a empregar uma filha do primeiro em seu gabinete na Assembleia e a homenagear a então ministra em uma sessão solene.
E ninguém em sã consciência tem dúvida quanto ao candidato a presidente que teve o voto do prefeito em 2022.
Mas é fato que Pazolini nunca abraçou por completo o bolsonarismo. Na próxima segunda-feira (30), Bolsonaro em pessoa é esperado por Assumção e companhia em Vitória, para dar, quem sabe, aquele impulsionamento final na reta de chegada da campanha.
Se der certo, Assumção pode, sim, tomar de Pazolini alguns votos preciosos na reta final. Se não der, teremos a prova derradeira de que a história das eleições 2024 não será contada pelas lentes da polarização ideológica entre a direita bolsonarista e a esquerda lulopetista.
A falta que um Ramalho faz…
Está mais que provado por que até o início do ano o governo Casagrande queria tanto que o Coronel Ramalho fosse candidato pelo Podemos à Prefeitura de Vitória. O Palácio Anchieta ficou com dois candidatos em Vitória (Coser e Luiz Paulo), além de ter simpatia por Camila, mas nenhum no campo da direita para bater de frente com Pazolini e disputar os mesmos eleitores.
“Atacando” pela direita, Ramalho poderia ter cumprido bem esse papel de rebaixar o teto de Pazolini e evitar a sua vitória antecipada no 1º turno.
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