Coluna Vitor Vogas
Esquerda começa a unir forças para disputar Governo do ES e Senado
Camila Valadão, em plena posse da nova direção estadual do PT: “É hora de seguirmos em unidade para essa disputa política”

Camila Valadão (PSol) discursa na cerimônia de posse do Diretório Estadual do PT. Foto: Rodrigo Gavini
Ainda é bem embrionário. Mas o evento de posse do novo Diretório Estadual do PT, no último sábado (13), revelou um princípio de movimento visando à construção de uma ampla coalizão de esquerda para as próximas eleições majoritárias no Espírito Santo, ao Senado e ao Governo do Estado. Se a ideia se concretizar, o PT e outros partidos de esquerda unirão forças para lançar uma chapa com Helder Salomão candidato a governador, Fabiano Contarato candidato a senador e, talvez, um segundo candidato ao Senado.
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“O mínimo é este o nosso desejo: todo o campo da esquerda e, se possível, avançar um pouquinho no campo democrático”, confirmou o deputado estadual João Coser, logo após ser empossado como presidente do novo Diretório do PT no Espírito Santo, na manhã do último sábado, no auditório do Ifes de Cariacica.
Uma ampla aliança de esquerda na disputa das eleições majoritárias seria algo inédito no Estado, nos últimos 20 anos. Pode soar “natural”, por exemplo, que PT e PSol caminhem juntos na disputa para governador. Mas, desde que o PSol foi fundado, em 2004, os dois partidos simplesmente nunca estiveram na mesma coligação majoritária no Espírito Santo.
Emblematicamente, a deputada estadual Camila Valadão, principal referência do PSol no Estado, não só compareceu à posse do novo Diretório do PT como fez, debaixo de aplausos, um discurso vibrante em defesa da unificação das forças de esquerda no Espírito Santo. E mostrou-se a maior entusiasta do lançamento de um projeto alternativo para o Governo do Estado, que represente “as forças populares e progressistas”.
Além de eminências do PT, a mesa do evento foi composta por dirigentes de outros partidos de esquerda e centro-esquerda, como o PV e o PCdoB (ambos ligados ao PT na Federação Brasil da Esperança), o PSol, a Rede Sustentabilidade, o PDT e o PSB. Este último é o partido do governador Renato Casagrande e foi representado por seu presidente estadual, Alberto Gavini.
Questionado sobre um possível isolamento da candidatura de Helder Salomão, se este de fato disputar o governo, Coser defendeu “uma candidatura do campo progressista no Espírito Santo” e acenou com a possibilidade de alianças:
“Estamos trabalhando com outros partidos. Hoje tivemos aqui no palanque a deputada Camila, que falou do desejo do PSol em estar nesse projeto. A Laís também falou”, afirmou o petista, referindo-se à porta-voz estadual da Rede, Laís Garcia.
Desde 2022, PSol e Rede compõem uma federação. A Rede chegou a cogitar romper a parceria, mas dirigentes nacionais iniciaram tratativas para renovar a federação em 2026.
Camila Valadão: “É hora de seguirmos em unidade para essa disputa política”
Ovacionada pela militância do PT, a deputada Camila Valadão praticamente roubou a cena na festa e no palco petista. Sob efusivos aplausos, conclamou as forças de esquerda do Espírito Santo a se unificarem estrategicamente para as eleições de 2026.
“É natural que, entre nós, tenhamos diferenças em uma conjuntura tão desafiadora. Mas que possamos, daqui para a frente, seguir ainda mais em unidade. Nós do PSol estamos convencidos da necessidade da esquerda no Espírito Santo não ter medo de dizer o seu nome, não ter medo de apresentar um projeto político ousado e popular para a disputa eleitoral de 2026. Nós estamos convencidos de que tem espaço e que é hora de seguirmos em unidade para essa disputa política. Nós já vamos pedir reunião com essa nova direção do PT”, informou, diante de Coser e da deputada estadual Iriny Lopes (“copresidente”, ao lado do primeiro).

Camila Valadão (PSol) discursa na cerimônia de posse do Diretório Estadual do PT. Foto: Rodrigo Gavini
“Já queremos discutir a eleição de 2026. Por quê? Porque o que temos acompanhado é a extrema-direita se movimentando, é a direita rodando o Espírito Santo e apresentando os seus candidatos, se colocando como se fosse a única alternativa deste estado, como se nós não existíssemos e não representássemos um setor expressivo da sociedade capixaba, como se nós não tivéssemos pauta e projeto político para este estado que dialogue com as demandas dos setores mais populares”, discursou a deputada, muito aplaudida nesse ponto.
“Precisamos ter coragem para debater um projeto político alternativo a esse que está colocado aí. E, para essa tarefa, estamos muito animados e queremos caminhar juntos e juntas. E temos certeza que vai ser possível, porque não podemos deixar o presidente Lula sem palanque no Espírito Santo”, defendeu a psolista, sob nova onda de aplausos. Neste momento, alguns militantes na plateia até gritaram para Helder, como se o recado fosse para ele: “Está ouvindo, Helder?”
Camila encerrou a fala se dirigindo aos congressistas do PT presentes à mesa: o senador Contarato e os deputados federais Helder e Jack Rocha. Falou como se eles fossem parlamentares não exclusivamente do PT, mas representantes do mesmo campo do PSol no Congresso.
“Senador, a gente precisa ir para essa disputa no Senado com ousadia para que a gente não perca essa vaga que a gente tem. Não dá para deixar essa vergonha que a gente tem lá no Senado”, disse a psolista, em provável alusão a Magno Malta (PL) e Marcos do Val (Podemos). “Helder, Jack, precisamos ir com ousadia para a gente não diminuir a nossa representação na Câmara Federal. Estou convencida que podemos ampliar. Basta termos coragem e nos unificarmos”, reiterou.
Coser: “Helder até se animou”
Camila chegou atrasada, quase no fim do evento, mas a tempo de falar imediatamente antes dos discursos de Helder e Coser (os mais aguardados do evento), nessa ordem. Em sua fala, Coser brincou: “Ouvindo o PSol falar com essa firmeza, o Helder até se animou um pouquinho. De ontem para hoje, melhorou o discurso um pouquinho…”
De fato, falando logo após Camila, Helder colocou-se à disposição para ser candidato a governador, se forem reunidas todas as condições necessárias para isso.
Iriny: “Recolocar este partido na disputa maior deste estado”
Futura presidente estadual do PT a partir de 2027 (conforme combinado com Coser), a deputa Iriny Lopes defendeu que o partido precisa disputar a hegemonia no Espírito Santo.
“Não vamos colocar o Espírito Santo como um penduricalho nessa árvore. Vamos querer construir com a direção nacional expectativas de crescimento para nós aqui no Estado sermos respeitados como partido político, não sermos utilitários por parte de outros setores políticos aqui no Estado, que nos processos de eleição ficam muito nossos amigos e às vezes agradam um ou outro com um carguinho aqui, um carguinho ali… Não é isso que o povo espera de nós. O povo espera de nós um projeto completo”, discursou Iriny, muito aplaudida.

Iriny Lopes e João Coser na posse do novo Diretório do PT-ES. Foto: Rodrigo Gavini
Iriny também afirmou que o PT-ES deve investir todas as forças na reeleição de Contarato e explicou o motivo principal: “Quem pode fazer impeachment de ministro do STF, como Trump quer, é o Senado. E nós somos minoria”.
“Podemos ter divergência no debate, mas precisamos ter unidade na ação. Podemos recolocar este partido na hegemonia e na disputa maior deste estado. É nisso que a gente acredita”, concluiu a deputada.
Laís Garcia: “O voto mais fácil”
A porta-voz estadual da Rede Sustentabilidade, Laís Garcia, também rendeu homenagens a Contarato na mesa: “É um mandato necessário para o Brasil. Muito nos orgulha. Nós, os mais jovens, precisamos nos espelhar em pessoas como você”.
Segundo a dirigente da Rede, “o voto mais fácil no ano que vem será para o Senado”: “Se Contarato for mesmo candidato a senador, terá o primeiro voto. Se o governador Renato Casagrande for mesmo candidato a senador, terá o segundo voto”.
A Rede apoia o governo Casagrande e a própria Laís, até recentemente, era a diretora-geral da Escola de Serviço Público do Espírito Santo (Esesp).
Presidente do PV cita Karla Coser para o governo
Ex-secretário estadual de Meio Ambiente, o presidente estadual do Partido Verde (PV), Fabrício Machado, foi outro a defender que a Federação Brasil da Esperança precisa pensar uma candidatura a governador.
Em tom queixoso, ele afirmou que a federação vem sendo negligenciada nas articulações eleitorais de outras forças políticas do Estado. “Em momento algum tenho visto nossa federação ser chamada para o diálogo. Parece que, naquele pensamento de o Espírito Santo ser conservador, existe uma dificuldade até de tirar uma foto com a gente.”
Apontando “nomes de peso” naquela mesa de autoridades, Machado citou até a vereadora Karla Coser, de Vitória, como “um nome que a federação precisa considerar para um processo eleitoral de governador do Espírito Santo”.

João Coser discursa na posse do novo Diretório do PT-ES. Foto: Rodrigo Gavini
Nésio Fernandes: “derrotar o núcleo do golpismo no ES”
Representando o PCdoB, o ex-secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, também falou de Helder como “quadro com potencial majoritário maravilhoso” e definiu assim a tarefa da esquerda capixaba em 2026: “Construir uma grande frente vitoriosa que derrote o núcleo central do golpismo neste estado, que, na minha opinião, é representado por Magno Malta, Marcos do Val e Carlos Manato”.
Jack Rocha: presença com sentido de unidade
Derrotada por João Coser e sua chapa na eleição interna do PT em julho (o PED), a agora ex-presidente estadual da legenda, Jack Rocha, devolveu o bastão para ele no sábado. Fez questão de se fazer presente no ato de posse do novo Diretório (do qual fará parte) e se sentou à esquerda de Coser, o tempo todo, no centro da mesa. Foi dela o primeiro discurso.
Sua presença e posição na mesa simbolizaram justamente a unidade cobrada ou enaltecida nas falas de muitos.
Helder: “Não foi disputa paz e amor”
O próprio Helder vocalizou: “Teve um PED muito duro. Não foi um PED paz e amor, mas foi muito respeitoso”. Segundo ele, um dos desafios do partido agora é, precisamente, “manter a unidade”.
No PED, o apoio de Helder e do seu campo (até então franqueados a Jack) foram determinantes para a vitória do grupo de Coser.
Iriny também verbalizou, dirigindo-se a Jack: “Saímos de um PED muito duro para todo mundo, debates muito fortes, muito firmes, mas nada de questões pessoais, só sobre o futuro do PT”.
Coser: “O choro é livre. Mas o Bolsonaro, não”
Durante sua posse, João Coser estava muito alegre, esbanjando bom humor e até um pouco piadista. Em parte, por causa da própria posse; em parte, por causa da notícia mais importante da semana: a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, em julgamento na 1ª Turma do STF, por golpe de Estado, abolição violenta do Estado de Direito e outros crimes. “O choro é livre. Mas o Bolsonaro, não”, pilheriou o deputado petista.

João Coser exibe bandeira do Brasil em sua posse como presidente estadual do PT. Foto: Rodrigo Gavini
Gilvan Coser?!?
No discurso de posse, Coser disse que o governo Lula, com sua defesa da soberania nacional contra os ataques do governo Trump, fez os apoiadores do PT e de Lula voltarem a ostentar com orgulho a bandeira brasileira – símbolo pátrio, de certo modo, “monopolizado” pelos adversários da esquerda nos últimos anos.
Nesse momento, simbolicamente, Coser recebeu, abriu e se enrolou numa bandeira do Brasil, sob fortes aplausos. Mas, depois das fotos com a bandeira, ele retomou o discurso, e o pavilhão ficou ali, esquecido, sobre um dos seus ombros, lembrando a todos um certo deputado federal, digamos, não muito querido por ninguém naquela auditório. Até que Coser foi alertado por alguém.
Então, ele tirou a bandeira do ombro e a estendeu sobre a mesa. “Deixa essa bandeira aqui, mas não igual àquele outro doido…”
Aí se empolgou…
Coser também revelou a sua faceta mais “lulete” (tiete de Lula). Lá para as tantas, chegou a comparar o presidente brasileiro ao Mahatma Gandhi. “A cada cem anos, nasce um Lula! A cada cem anos, nasce um Gandhi!”
Aí forçou…
César Lucas: candidato a deputado estadual
Filiado ao PV – portanto, membro da mesma federação que o PT –, o vereador César Lucas, líder do prefeito Euclério Sampaio (MDB) na Câmara de Cariacica, também prestigiou a posse do novo Diretório do PT-ES. Ele será candidato a deputado estadual. A princípio, fica no PV.
“Faz a portabilidade”
Citando Priscila Manso (PV), que foi candidata a vice-prefeita de Vitória com Coser no ano passado, Fabrício Machado disse que ela adora o ex-companheiro de chapa. “Estou até com medo de perder a Priscila para o PT”, disse o presidente estadual do PV. Uma gaiata, então, gritou da plateia, arrancando risadas: “Faz a portabilidade!”
Luto e aniversário
A posse do novo Diretório Estadual do PT foi marcada por uma homenagem in memoriam a Edinho Wilson, ex-vereador de São José do Calçado, falecido em julho. O ato ocorreu no dia do aniversário de vereadora Ilona Açucena, a única do PT em Cariacica. Todos cantaram parabéns para ela, que recebeu um buquê de flores das mãos de João Coser.
Megafederação de esquerda: inexequível
Nacionalmente, o PT chegou a tentar articular a criação de uma megafederação com partidos de esquerda e centro-esquerda, que reuniria todos os partidos desse campo ideológico (todos os citados aqui e representados no evento do PT-ES no sábado), para fazer frente à união de forças mais conservadoras. Mas a ideia é de muito difícil execução.
