Coluna Vitor Vogas
Asfalto quente: o tão esperado confronto entre Pazolini e João Coser
No debate da Rede Gazeta, ex-prefeito levantou (sem provas) suspeitas de corrupção no governo Pazolini. Prefeito contra-atacou com estratégia de 2020
Para quem gosta de debates acalorados, o tão aguardado enfrentamento direto de João Coser (PT) e Lorenzo Pazolini (Republicanos), concretizado na última sexta-feira (20) – sem trocadilho com “concreto” – não decepcionou. O confronto verbal entre o candidato do PT e o do Republicanos foi de fato o momento mais quente do debate promovido pela Rede Gazeta entre os postulantes à Prefeitura de Vitória. Foi tão tenso quanto o debate final entre os dois no 2º turno da eleição municipal passada, realizado pela TV Gazeta em novembro de 2020.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Como Pazolini faltara sem explicações ao debate anterior, promovido pela Rede Capixaba/Band na última segunda-feira (16), essa foi a primeira oportunidade que Coser e os demais adversários tiveram para encarar o prefeito ao vivo, em um debate com ampla repercussão.
A última pesquisa Quaest, divulgada na quarta-feira (18) pela Rede Gazeta, indica que Pazolini estaria eleito em 1º turno, com 53% das intenções de voto na consulta estimulada. Coser é o segundo colocado, com 15%. Em votos válidos, contando só os entrevistados que indicaram voto em um dos seis candidatos, Pazolini vai a 61%, contra 17% de Coser.
Pelas regras do debate, com três blocos de perguntas e respostas entre os próprios candidatos, cada um só poderia responder a um questionamento por bloco. Com azar no sorteio preliminar que definiu a ordem dos autores das perguntas, Coser só teve a chance de questionar diretamente Pazolini no terceiro e último. Nos dois primeiros, coube a Luiz Paulo (PSDB) interpelar o atual prefeito.
Na vez de Coser, ele veio com a faca nos dentes. Questionou Pazolini diretamente sobre um tema que já havia levantado no bloco inicial, em pingue-pongue com Camila Valadão (PSol): o volume e o valor de contratos sem licitação nos três primeiros anos do governo, os quais, segundo o ex-prefeito, totalizam R$ 500 milhões.
Em sua propaganda eleitoral, Pazolini diz que “não dialoga com a corrupção”, que “acabou com a velha política e com a troca de favores” em Vitória. No debate, em sua tabelinha inicial com Camila, Coser chegou a falar em “farra do dinheiro público”:
“A prefeitura contratou meio bilhão de reais, sem licitação, em serviços continuados: lixo, iluminação pública, reparo de obras, calçadas… É má-fé, conveniência ou incompetência: três anos sem licitação. […] E não contratou emergencialmente o Restaurante Popular durante a pandemia”, comparou o petista, atribuindo “falta de sensibilidade” ao atual prefeito e chamando-o novamente de “cara de asfalto” – uma elevação de “cara de pau” –, conforme já fizera no debate da TV Capixaba/Band. Foi só o aquecimento do petista para o embate com Pazolini.
> Análise – Todos contra Pazolini: como foi o debate da Rede Gazeta em Vitória
No terceiro bloco, em sua primeira e única oportunidade, Coser questionou o atual prefeito de maneira incisiva sobre o tema. Subindo o tom e o sarrafo das hostilidades, afirmou literalmente que a quantidade e os valores dos contratos sem licitação caracterizam “indícios de corrupção” na atual administração.
“Como é que se explica três anos de contrato de gaveta, sem licitação? Quando fui prefeito, eu tinha que fazer licitação. Por que, com a mesma lei, na gestão dele, ele não precisa fazer licitação?”, indagou o petista.
Na resposta, na única vez em que também subiu o tom nas duas horas e meia de debate, Pazolini contra-atacou: “Candidato, não me meça pela sua régua”.
O atual prefeito afirmou que, sob sua liderança, Vitória deixou para trás um “passado sombrio e nebuloso”. Disse que sua gestão não responde a nenhum processo, não é alvo de nenhuma “investigação séria em curso” e que ele não tem bens bloqueados, por decisão da Justiça, em ações penais e de improbidade administrativa. Por oposição, quis dizer que tudo isso pesa contra Coser:
“A nossa gestão é uma gestão séria, íntegra, honesta. Nós não respondemos a nenhum processo judicial. Nós não temos nenhuma investigação séria em curso. As nossas contas foram todas aprovadas pelos órgãos de controle, diferentemente do passado sombrio da nossa cidade, onde tivemos diversas notícias, diversas ações penais, ações de improbidade administrativa que ainda estão em curso, bloqueio de mais de R$ 200 milhões de patrimônio. Nós não passamos por isso. Esse passado sombrio e nebuloso da cidade ficou para trás”.
Ex-chefe da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, o prefeito também insinuou que o candidato do PT é patrimonialista e teria enriquecido com a política:
“Escolhi servir às pessoas com ética e decência. Não enriqueci na política, diferente de outras pessoas. Construí a minha carreira trabalhando muito, dia e noite, salvando vidas e protegendo as crianças deste estado. Não sou patrimonialista. Não fiz patrimônio e carreira política para enriquecer, diferente de outros candidatos. E essa é a nossa diferença. A nossa essência é amar e servir ao próximo e não enriquecer para usar das benesses do poder de forma pessoal”.
> Análise – A falta e o asfalto: a mais que presente ausência de Pazolini no debate da Band
Mordendo a isca, Coser se defendeu das acusações na réplica, dizendo jamais ter sido condenado por nada. Também trouxe à tona o episódio em que Pazolini acusou o governador Renato Casagrande (PSB), “de forma desonesta e desonrada”, de lhe propor licitações direcionadas, para exemplificar a “prática” do prefeito de fazer acusações sem provas.
“Eu não tenho nenhum processo, nenhuma condenação. Tudo o que chega na Justiça eu sou liberado, porque não tenho nenhuma mesmo. Mas, ao invés de responder à minha pergunta, ele me acusa, como fez com o governador, acusando publicamente, de forma desoneste e desonrada, o homem mais importante que governa o estado do Espírito Santo. É a prática dele. Mas por que eu tinha que licitar e ele tem que contratar no gabinete? Meio bilhão discutido entre os secretários, o prefeito e, talvez, as empresas. Só beneficiou empresa grande.”
Coser, então, em contragolpe ainda mais pesado, fez uma acusação muito grave (e, igualmente, sem provas, repetindo, de certa maneira, a “prática” de que ele acusa Pazolini):
“É um coração de concreto. Beneficiou empresas de iluminação pública e de lixo. Não explica porque não tem explicação. Incompetência é uma coisa. Má-fé é uma coisa. É conveniente. Provavelmente uma parte desses recursos nos últimos anos irrigou grandes campanhas, inclusive essas com grande publicidade. Não tenho provas para falar que teve corrupção. Mas os indícios são muito grandes”.
Na tréplica, Pazolini repetiu a primeira frase da sua resposta:
“Não me meça pela sua régua. A minha vida é limpa, é ética. Fazemos todos os procedimentos de maneira correta e responsável, preservando o patrimônio público e não se locupletando. As pessoas se lembram do passado que viveram na cidade e, principalmente, do caos que foi viver numa cidade que era todo dia notícia de corrupção e de uma gestão que saiu com apenas 18% de aprovação”.
> Análise – Quem ganhou e quem perdeu com a ausência de Pazolini no debate da Band
Logo após o debate, ainda em frente à sede da Rede Gazeta, no bairro Bento Ferreira, Coser gravou um vídeo, publicado em seu Instagram, no qual repetiu a acusação:
“[O debate] confirmou uma coisa que eu tinha certeza: o prefeito não tem explicação, contratou R$ 500 milhões sem licitação com grandes empresas de lixo, iluminação pública e obras. Portanto, tem um indício muito grande de corrupção na Prefeitura de Vitória, porque esse tipo de comportamento é ilegal. O certo é você fazer licitação pública. Não foi um ano, não. Contratos de serviços permanentes sem licitação não é o que a legislação prevê”.
Constatação: o feitiço e o feiticeiro
É preciso atentar para o fato de que, ao apontar publicamente, sem provas, indícios de corrupção no governo Pazolini, Coser repete, de certa maneira, a “prática” de que ele acusa Pazolini.
Outra observação imperiosa é que o teor da acusação de Coser contra Pazolini se assemelha à feita por Pazolini em face de Casagrande, citada pelo petista, em maio de 2022: a de direcionamento de contratações para favorecimento de certas empresas. Em parte, a acusação de Coser também relembra uma das suspeitas levantadas contra a sua administração em Vitória (leia abaixo): a de desvios de recursos públicos para “irrigar grandes campanhas”.
O que realmente existe em relação a Coser
O Ministério Público Estadual (MPES) e o Ministério Público Federal (MPF) realmente moveram algumas ações criminais e de improbidade administrativa na Justiça contra Coser e outros integrantes de sua administração em Vitória (2005-2012). Numa delas, o ex-prefeito foi acusado de ter contratado sistema informatizado de gestão de recursos humanos, por R$ 2,6 milhões, e a estrutura do serviço 156, por R$ 4,3 milhões, mediante dispensa irregular de licitação.
Na maioria das ações, o Ministério Público o denunciou por supostas fraudes e superfaturamento em processos de desapropriações de terrenos particulares, para realizações de intervenções da prefeitura, em bairros como Andorinhas, Ilha do Príncipe e Praia do Suá. De acordo com as acusações, o município teria desembolsado valores muito acima do preço real dos imóveis, calculado pela própria prefeitura. Uma das suspeitas era a de que o dinheiro excedente seria usado para irrigar campanhas do PT (caixa dois).
> O Cordel do Debate da Band entre os candidatos a prefeito de Vitória
Em algumas dessas ações, Coser de fato chegou a ter milhões em bens bloqueados, cautelarmente – para eventual reparação e restituição aos cofres públicos em caso de comprovado dano ao erário. É importante frisar, porém, que o ex-prefeito de fato não foi condenado em nenhuma dessas ações e em algumas delas, ao contrário, já foi inocentado. Nos últimos anos, as decisões judiciais têm sido favoráveis ao ex-prefeito, com desbloqueio de bens e extinção de processos.
Déjà-vu: 2020 começa a se repetir…
A reta final do 2º turno entre Pazolini e Coser, em novembro de 2020, também foi nervosa e acalorada. Tanto em sua propaganda eleitoral como no debate final da TV Gazeta, o delegado da Polícia Civil e então deputado estadual divulgou a informação de que Coser tinha um total de R$ 200 milhões bloqueados por decisões judiciais.
A Justiça Eleitoral chegou a conceder ao petista direito de resposta para se defender de tais acusações. Inserções de Coser foram veiculadas na TV no dia do debate final da TV Gazeta, uma sexta-feira, a dois dias do 2º turno. A defesa de Pazolini entrou com um mandado de segurança no TRE-ES pedindo a suspensão do direito de resposta de Coser. No fim da tarde, horas antes do debate, por 4 votos a 3, o tribunal negou o recurso de Pazolini – como checou e publicou, na época o site de A Gazeta.
Em seu voto vencedor, o relator do recurso de Pazolini, juiz Rodrigo Marques de Abreu Júdice, destacou que a informação da campanha de Pazolini sobre o bloqueio de bens de Coser não era falsa, mas revestida de um tom de urgência e de algo recente, o que não condizia com a realidade
Durante o debate, no entanto, Pazolini chegou a afirmar ao vivo o contrário: “A decisão foi revista pela Corte e ela já foi readequada. Isso é um fato que o senhor talvez não tenha conhecimento, mas já estou comunicando ao senhor”, disse a Coser.
Como explicado acima, a decisão não havia sido revista, o recurso de Pazolini não havia sido atendido, mas Coser não respondeu nem corrigiu a informação no ar, e ficou por isso mesmo.
Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui