Coluna Vitor Vogas
Por que Casagrande vetou projeto que punia “invasores e ocupantes”?
Os argumentos do governador para barrar projeto que criaria uma série de impedimentos para “ocupantes e invasores de propriedades no Espírito Santo”
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Se transformado em lei estadual, o projeto criaria uma série de impedimentos para “ocupantes e invasores de propriedades no Estado do Espírito Santo”. Embora não especificado na redação do projeto, apresentado pelo deputado Lucas Polese (PL) e apoiado por outros parlamentares de direita, o alvo da iniciativa eram os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e, acima de tudo, os do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Na análise do veto de Casagrande em plenário, apenas sete deputados da base votaram a favor da sua manutenção, enquanto 14 parlamentares (incluindo alguns da base) votaram pela rejeição do veto. Para derrubá-lo, eram necessários pelo menos 16 votos (maioria absoluta dos 30 deputados estaduais). Faltaram apenas dois.
A discussão em plenário foi muito acalorada. Para além dos discursos, o objetivo desta coluna é explicar o teor do projeto, a justificativa apresentada pelo seu proponente (Polese) e, principalmente, os argumentos que embasaram o veto assinado pelo governador.
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O que diz o projeto
De acordo com a redação do projeto de Polese, aprovado por votação simbólica em abril, “todo aquele que invade propriedades privadas, terrenos, edifícios, em zonas rurais ou urbanas, em todo o território do Estado do Espírito Santo, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, para o fim de esbulho possessório”, ficaria sujeito a uma série de proibições, entre elas:
. cadastrar-se para recebimento de auxílios, benefícios e programas sociais do Governo Estadual;
. participar de concursos públicos estaduais;
. contratar com o poder público estadual;
. ser nomeado em cargos públicos comissionados.
Ainda nos termos do projeto, se o “invasor” fosse beneficiário de auxílios, benefícios e programas sociais do Governo Estadual, tivesse contratos com o poder público estadual, cargo público efetivo ou comissionado, seria “desvinculado compulsoriamente, respeitados o contraditório e a ampla defesa”.
As mesmas sanções se aplicariam àquele que cooperasse para a invasão ou, ainda, que respondesse judicialmente ou tivesse sido condenado por crime hediondo.
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Justificativa do autor
Na justificativa do projeto, Polese afirmou que “não se pode tripudiar o direito de propriedade e, menos ainda, fortalecer as ocupações e invasões, pois, mesmo que sejam consideradas um mecanismo reivindicatório, são levadas a cabo por meios e formas ilegais”.
Para o deputado – aí, sim, citando os movimentos –, “o MST, o MTST e outros movimentos usam como subterfúgio a condição de movimento social para promoverem destruição, invadirem propriedades, descumprirem a Constituição, as leis e desrespeitarem direitos. É preciso defender o direito de propriedade, garantindo ao povo trabalhador da área rural ou urbana segurança e paz às suas propriedades e famílias”.
“Sendo assim”, conclui o autor, “diante desta afronta a direitos, não se pode admitir que o Poder Público ainda conceda benefícios para os invasores de propriedades produtivas, já que isso claramente configura violação à ordem econômica e social, princípio basilar da República”.
Como Casagrande justificou o veto total
O veto total de Casagrande, protocolado em maio, fundamentou-se em pareceres da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, da Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos e, principalmente, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
De acordo com o parecer da PGE, a proposta de lei incorria em “diversos vícios de inconstitucionalidade formal e material”, além de violar uma série de outros direitos constitucionais, a pretexto de defender o direito, também protegido pela Constituição Federal, à propriedade privada. “A forma pela qual o autógrafo busca criar a política aqui analisada acaba violando outras normas constitucionais não ligadas diretamente ao direito de propriedade.”
Do ponto de vista formal, o projeto, segundo a PGE, padecia de vício de iniciativa: por criar atribuições e obrigações para o Poder Executivo Estadual, uma iniciativa do gênero só poderia ter sido apresentada pelo governador do Estado:
“Como se nota, todos os dispositivos elencados criam um verdadeiro procedimento administrativo sancionatório a ser realizado pelo Poder Executivo Estadual, inclusive prevendo atribuições ao Estado para adoção de medidas judiciais e policiais envolvendo toda a matéria posta no autógrafo. […] Ocorre que estas matérias, por envolverem servidores públicos do Poder Executivo, bem como as suas respectivas atribuições, além de dispor sobre obrigações e vedações às autoridades estatais e seus demais agentes, só podem ser objeto de projeto de lei de autoria do Governador do Estado.”
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No fim do ano passado, o Estado de Goiás aprovou lei estadual com objetivo similar ao buscado por Lucas Polese, a Lei nº 22.419, de 27 de novembro de 2023, “instituindo política estadual bastante semelhante à que ora se pretende estabelecer”. Durante a votação na Assembleia, o fato foi mencionado por Polese e outros apoiadores do projeto apresentado pelo deputado bolsonarista.
Todavia, a PGE esclarece que, em Goiás, diferentemente do que aqui se observou, a iniciativa partiu do governador daquele Estado, Ronaldo Caiado (União Brasil).
A PGE também destacou que a própria Procuradoria da Assembleia também reconheceu a inconstitucionalidade do projeto de lei proposto por Polese.
Um dos problemas constatados pelo órgão jurídico da Assembleia foi a definição por demais genérica de “invasores e ocupantes”, estabelecendo sanções para qualquer um que pudesse ser assim considerado (por quem?), e não apenas para pessoas condenadas pelo crime de invasão, já previsto no Código Penal (Art. 50), em processos com trânsito em julgado:
“As disposições do PL violam a garantia constitucional de presunção de inocência. A aplicação das referidas sanções deveria ter como parâmetro eventual existência de sentença condenatória transitada em julgado, o que não se observa”.
Outro problema verificado pela Procuradoria da Assembleia foi a definição muito vaga de “aquele que cooperar para a invasão”:
“Apenas para ilustrar, percebe-se que a conduta de um empregado que tenha esquecido aberta a porteira de um imóvel rural poderia ser considerada como uma ‘contribuição indireta’ à infração”.
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Por sua vez, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, comandada pela advogada Nara Borgo (PSB), corroborou com o entendimento da PGE, também manifestando-se contra a iniciativa.
Frisando que o direito a moradia é tutelado pelo artigo 6º da Constituição Federal, os representantes da pasta pontuaram que o projeto “gera preocupações relacionadas aos direitos básicos de pessoas que participam de movimentos sociais organizados que discutem os direitos de acesso a terra e a habitação”.
A Secretaria de Direitos Humanos ainda ressaltou que “a luta dos movimentos sociais pelo direito a terra e moradia possui respaldo pela Constituição Federal em seu Capítulo III, que dispõe sobre a ‘Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária’”.
Por fim, a pasta observou que outra lei estadual similar – a Lei Estadual nº 12.430/2024, aprovada no Estado do Mato Grosso – já tem gerado questionamentos jurídicos por parte do Ministério Público Federal (MPF), que aponta possível conflito com a Constituição Federal, conforme citado no parecer que fundamentou o veto de Casagrande:
“A lei também acabaria por dificultar ou inviabilizar manifestações de movimentos sociais que têm como objetivo uma melhor distribuição de terras. Ela também afrontaria o direito social ao trabalho e à isonomia, ao vedar o acesso a cargos públicos por motivo que não seja a mera desqualificação pessoal para a função”.
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