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Coluna Vitor Vogas

Por que Casagrande vetou projeto que punia “invasores e ocupantes”?

Os argumentos do governador para barrar projeto que criaria uma série de impedimentos para “ocupantes e invasores de propriedades no Espírito Santo”

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Renato Casagrande e Nara Borgo. Foto: Reprodução Facebook

Renato Casagrande e Nara Borgo. Foto: Reprodução Facebook

Por um triz, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) manteve, na manhã desta quarta-feira (26), veto total do governador Renato Casagrande (PSB) a projeto de lei que visava instituir a “Política Estadual de Proteção e Defesa da Propriedade Privada e do Patrimônio Público no âmbito do Estado do Espírito Santo”.

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Se transformado em lei estadual, o projeto criaria uma série de impedimentos para “ocupantes e invasores de propriedades no Estado do Espírito Santo”. Embora não especificado na redação do projeto, apresentado pelo deputado Lucas Polese (PL) e apoiado por outros parlamentares de direita, o alvo da iniciativa eram os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e, acima de tudo, os do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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Na análise do veto de Casagrande em plenário, apenas sete deputados da base votaram a favor da sua manutenção, enquanto 14 parlamentares (incluindo alguns da base) votaram pela rejeição do veto. Para derrubá-lo, eram necessários pelo menos 16 votos (maioria absoluta dos 30 deputados estaduais). Faltaram apenas dois.

A discussão em plenário foi muito acalorada. Para além dos discursos, o objetivo desta coluna é explicar o teor do projeto, a justificativa apresentada pelo seu proponente (Polese) e, principalmente, os argumentos que embasaram o veto assinado pelo governador.

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O que diz o projeto

De acordo com a redação do projeto de Polese, aprovado por votação simbólica em abril, “todo aquele que invade propriedades privadas, terrenos, edifícios, em zonas rurais ou urbanas, em todo o território do Estado do Espírito Santo, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, para o fim de esbulho possessório”, ficaria sujeito a uma série de proibições, entre elas:

. cadastrar-se para recebimento de auxílios, benefícios e programas sociais do Governo Estadual;

. participar de concursos públicos estaduais;

. contratar com o poder público estadual;

. ser nomeado em cargos públicos comissionados.

Ainda nos termos do projeto, se o “invasor” fosse beneficiário de auxílios, benefícios e programas sociais do Governo Estadual, tivesse contratos com o poder público estadual, cargo público efetivo ou comissionado, seria “desvinculado compulsoriamente, respeitados o contraditório e a ampla defesa”.

As mesmas sanções se aplicariam àquele que cooperasse para a invasão ou, ainda, que respondesse judicialmente ou tivesse sido condenado por crime hediondo.

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Justificativa do autor

Na justificativa do projeto, Polese afirmou que “não se pode tripudiar o direito de propriedade e, menos ainda, fortalecer as ocupações e invasões, pois, mesmo que sejam consideradas um mecanismo reivindicatório, são levadas a cabo por meios e formas ilegais”.

Para o deputado – aí, sim, citando os movimentos –, “o MST, o MTST e outros movimentos usam como subterfúgio a condição de movimento social para promoverem destruição, invadirem propriedades, descumprirem a Constituição, as leis e desrespeitarem direitos. É preciso defender o direito de propriedade, garantindo ao povo trabalhador da área rural ou urbana segurança e paz às suas propriedades e famílias”.

“Sendo assim”, conclui o autor, “diante desta afronta a direitos, não se pode admitir que o Poder Público ainda conceda benefícios para os invasores de propriedades produtivas, já que isso claramente configura violação à ordem econômica e social, princípio basilar da República”.

Como Casagrande justificou o veto total

O veto total de Casagrande, protocolado em maio, fundamentou-se em pareceres da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, da Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos e, principalmente, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

De acordo com o parecer da PGE, a proposta de lei incorria em “diversos vícios de inconstitucionalidade formal e material”, além de violar uma série de outros direitos constitucionais, a pretexto de defender o direito, também protegido pela Constituição Federal, à propriedade privada. “A forma pela qual o autógrafo busca criar a política aqui analisada acaba violando outras normas constitucionais não ligadas diretamente ao direito de propriedade.”

Do ponto de vista formal, o projeto, segundo a PGE, padecia de vício de iniciativa: por criar atribuições e obrigações para o Poder Executivo Estadual, uma iniciativa do gênero só poderia ter sido apresentada pelo governador do Estado:

“Como se nota, todos os dispositivos elencados criam um verdadeiro procedimento administrativo sancionatório a ser realizado pelo Poder Executivo Estadual, inclusive prevendo atribuições ao Estado para adoção de medidas judiciais e policiais envolvendo toda a matéria posta no autógrafo. […] Ocorre que estas matérias, por envolverem servidores públicos do Poder Executivo, bem como as suas respectivas atribuições, além de dispor sobre obrigações e vedações às autoridades estatais e seus demais agentes, só podem ser objeto de projeto de lei de autoria do Governador do Estado.”

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No fim do ano passado, o Estado de Goiás aprovou lei estadual com objetivo similar ao buscado por Lucas Polese, a Lei nº 22.419, de 27 de novembro de 2023, “instituindo política estadual bastante semelhante à que ora se pretende estabelecer”. Durante a votação na Assembleia, o fato foi mencionado por Polese e outros apoiadores do projeto apresentado pelo deputado bolsonarista.

Todavia, a PGE esclarece que, em Goiás, diferentemente do que aqui se observou, a iniciativa partiu do governador daquele Estado, Ronaldo Caiado (União Brasil).

A PGE também destacou que a própria Procuradoria da Assembleia também reconheceu a inconstitucionalidade do projeto de lei proposto por Polese.

Um dos problemas constatados pelo órgão jurídico da Assembleia foi a definição por demais genérica de “invasores e ocupantes”, estabelecendo sanções para qualquer um que pudesse ser assim considerado (por quem?), e não apenas para pessoas condenadas pelo crime de invasão, já previsto no Código Penal (Art. 50), em processos com trânsito em julgado:

“As disposições do PL violam a garantia constitucional de presunção de inocência. A aplicação das referidas sanções deveria ter como parâmetro eventual existência de sentença condenatória transitada em julgado, o que não se observa”.

Outro problema verificado pela Procuradoria da Assembleia foi a definição muito vaga de “aquele que cooperar para a invasão”:

“Apenas para ilustrar, percebe-se que a conduta de um empregado que tenha esquecido aberta a porteira de um imóvel rural poderia ser considerada como uma ‘contribuição indireta’ à infração”.

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Por sua vez, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, comandada pela advogada Nara Borgo (PSB), corroborou com o entendimento da PGE, também manifestando-se contra a iniciativa.

Frisando que o direito a moradia é tutelado pelo artigo 6º da Constituição Federal, os representantes da pasta pontuaram que o projeto “gera preocupações relacionadas aos direitos básicos de pessoas que participam de movimentos sociais organizados que discutem os direitos de acesso a terra e a habitação”.

A Secretaria de Direitos Humanos ainda ressaltou que “a luta dos movimentos sociais pelo direito a terra e moradia possui respaldo pela Constituição Federal em seu Capítulo III, que dispõe sobre a ‘Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária’”.

Por fim, a pasta observou que outra lei estadual similar – a Lei Estadual nº 12.430/2024, aprovada no Estado do Mato Grosso – já tem gerado questionamentos jurídicos por parte do Ministério Público Federal (MPF), que aponta possível conflito com a Constituição Federal, conforme citado no parecer que fundamentou o veto de Casagrande:

“A lei também acabaria por dificultar ou inviabilizar manifestações de movimentos sociais que têm como objetivo uma melhor distribuição de terras. Ela também afrontaria o direito social ao trabalho e à isonomia, ao vedar o acesso a cargos públicos por motivo que não seja a mera desqualificação pessoal para a função”.


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