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Coluna Vitor Vogas

Assembleia mantém veto de Casagrande a projeto contra o MST

Projeto de deputados de direita previa uma série de impedimentos a “ocupantes e invasores de propriedades no ES”. Governador o barrou, mas foi por pouco

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As famílias do MST ocuparam propriedades da Suzano, em Aracruz. Foto: Divulgação (assessoria Camila Valadão)

Em votação bastante apertada, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) manteve, na manhã desta quarta-feira (26), veto total do governador Renato Casagrande (PSB) a projeto de lei contrário ao Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e, principalmente, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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A proposta de lei estadual estabelecia uma série de impedimentos aos “ocupantes e invasores de propriedades no Estado do Espírito Santo”. Conforme a redação do projeto, “todo aquele que invade propriedades privadas, terrenos, edifícios, em zonas rurais ou urbanas”, em todo o território capixaba, ficaria proibido, por exemplo, de se cadastrar para recebimento de auxílios, benefícios e programas sociais do Governo Estadual, participar de concursos públicos estaduais, contratar com o poder público estadual e, ainda, ser nomeado em cargos públicos comissionados.

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O projeto foi apresentado no dia 8 de março de 2023 pelo deputado Lucas Polese (PL), integrante da bancada bolsonarista, com a juntada de proposições similares de iniciativa de outros deputados de direita, como Callegari (PL), Alcântaro Filho (Republicanos) e Lucas Scaramussa (Podemos).

A Procuradoria da Assembleia deu parecer pela inconstitucionalidade da matéria. Ainda assim, no dia 22 de abril, o projeto foi votado em regime de urgência – requerido por Polese e pelo líder do bloco de oposição, Coronel Weliton (PRD) – e aprovado em votação simbólica, com manifestação contrária de poucos parlamentares.

No dia 10 de maio, o governador devolveu o projeto à Assembleia com veto total. Resumidamente, calçado em pareceres da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria de Gestão e Recursos Humanos, Casagrande argumentou que o projeto de Polese é inconstitucional, por conter uma série de vícios de iniciativa (proposição como essa, criando impedimentos do gênero, só poderia partir do Poder Executivo Estadual e da União), além de violar direitos sociais protegidos pela Constituição Federal.

Na sessão desta quarta-feira, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Ales, Mazinho dos Anjos (PSDB), aliado do Palácio Anchieta, emitiu seu parecer pela manutenção do veto.

O vice-líder do governo, Tyago Hoffmann (PSB), orientou a base aliada a votar nesse sentido. As líderes do PSol, Camila Valadão, e do PT, Iriny Lopes, também encaminharam voto pela manutenção do veto. Já o líder do bloco de oposição (PL/PRD/Republicanos), Coronel Weliton, orientou voto “não”, pela derrubada do veto.

Se o veto tivesse sido rejeitado, o projeto seria promulgado pelo presidente da Ales, Marcelo Santos (Podemos) – que presidiu a sessão – e se tornaria lei estadual. Para isso, era necessário que pelo menos 16 dos 30 deputados (maioria absoluta) votasse a favor da derrubada.

Foi por pouco. Os que votaram “não” (para derrubar o veto) foram 14, o dobro dos 7 que votaram “sim” (pela manutenção). Ficaram faltando dois votos. O veto, assim, foi mantido, e o projeto de lei foi arquivado.

A sessão ordinária foi híbrida, formato em que os deputados podem tanto participar presencialmente como de maneira remota (por videoconferência). Muitas ausências foram observadas. Apenas 21 dos 30 deputados participaram da votação.

Veja como votou cada deputado e quem foram os faltosos:

Pela derrubada do veto (voto “não”): 14

  • Adilson Espíndula (PSD)
  • Alcântaro Filho (Republicanos)
  • Callegari (PL)
  • Capitão Assumção (PL)
  • Coronel Weliton (PRD)
  • Delegado Danilo Bahiense (PL)
  • Dr. Bruno Resende (União Brasil)
  • Engenheiro José Esmeraldo (PDT)
  • Hudson Leal (Republicanos)
  • Lucas Polese (PL)
  • Lucas Scaramussa (Podemos)
  • Pablo Muribeca (Republicanos)
  • Sérgio Meneguelli (Republicanos)
  • Zé Preto (PP)

Pela manutenção do veto (voto “sim”): 7

  • Camila Valadão (PSol)
  • Dary Pagung (PSB)
  • Denninho Silva (União Brasil)
  • Iriny Lopes (PT)
  • João Coser (PT)
  • Mazinho dos Anjos (PSDB)
  • Tyago Hoffmann (PSB)

Abstenção: 1

  • Marcelo Santos (Podemos) – não votou por ser o presidente

Presente, mas não votou: 1

  • Theodorico Ferraço (PP)

Ausentes: 7

  • Alexandre Xambinho (Podemos)
  • Alan Ferreira (Podemos)
  • Bispo Alves (Republicanos)
  • Gandini (PSD)
  • Janete de Sá (PSB)
  • Raquel Lessa (PP)
  • Vandinho Leite (PSDB)

A discussão em plenário

Antes da votação, deputados de direita defenderam com veemência a rejeição ao veto de Casagrande – alguns deles passando do ponto e abusando da desqualificação dos integrantes de movimentos sociais.

Um dos coautores da iniciativa, Alcântaro Filho (Republicanos) começou citando um dos dez mandamentos bíblicos (na passagem protagonizada por Moisés durante o êxodo do Egito):

“Não furtarás. Você tomar algo que não é seu, que é de outro, é pecado. E, pela nossa Constituição, é crime. O MST nada mais é que uma milícia comunista, um braço ideológico para implementar uma política contra a propriedade privada. O MST se resume a uma cambada de vagabundo que quer roubar terra e destruir o sonho das pessoas.”

O deputado insistiu na adjetivação:

“Esse povo não representa quem produz, quem quer trabalhar. O governador está dizendo para o Brasil: ‘Vagabundos do Brasil, podem vir aqui pro Espírito Santo’. O MST é inimigo do agro e quem é inimigo do agro também é nosso inimigo. O que é tóxico pro MST é carteira de trabalho. Vão trabalhar, cambada de vagabundo!”

Citando projeto similar aprovado pela Assembleia de Goiás e sancionado pelo governador Ronaldo Caiado (União) – autor da iniciativa –, Lucas Polese chamou Casagrande de “capacho” e, embora sem citação nominal, chamou o prefeito de São Mateus, Daniel da Açaí, de “esquerdopata vagabundo”.

“Tivemos aumento de 300% de invasões desde que a quadrilha petista chegou ao poder, mas pelo jeito o governador acha normal. Ele fala em ‘vício de iniciativa’, mas vetou o projeto por capachice, porque, se não veta, Lula escorraça ele. Ele está na coleira do Lula!”, acusou Polese.

Segundo o deputado, o MST quer “criar uma paramilícia para impor o terror no campo e instaurar o caos no país”. Polese ainda afirmou que chegou a apanhar ao passar por invasões de terra. “Vou cair atirando!”

Também discursando antes da votação, Callegari, outro coautor do projeto, afirmou que, na votação do projeto em abril, os únicos que votaram contra foram “deputados de ultraesquerda, comunistas”. O deputado do PL advertiu os colegas de que abster-se de votar seria o mesmo que votar a favor do veto.

Callegari ainda afirmou que o veto de Casagrande foi “ideológico”: “O governador é ideológico, é socialista”. E também equiparou os membros do MST a criminosos: “Não são trabalhadores! São bandidos travestidos de trabalhadores! Maloqueiros travestidos de militantes!”

“A direita não age por ódio, mas por amor”, concluiu Callegari.

Mais comedido, o líder do bloco de oposição, Coronel Weliton, enfatizou a defesa da propriedade privada, direito salvaguardado pela Constituição Federal. “O dispositivo constitucional não pode ser desrespeitado. Temos visto invasões de propriedades privadas produtivas.”

A reação da esquerda

Após a votação, foi a vez de deputadas de esquerda subirem à tribuna.

Iriny Lopes (PT) afirmou que, no Brasil, quem põe comida na mesa do povo não é o agronegócio, mas os pequenos produtores, incluindo as cooperativas do MST. “O agro só exporta para juntar dinheiro para si”, disse a petista.

“O que eu lamento é que as pessoas nominam e usam termos que desqualificam pobres, pessoas que precisam sobreviver com suas famílias. É muito diferente uma pessoa entrar numa terra para garantir o seu plantio e outra que usa a terra para ampliar seu patrimônio. É a riqueza versus a fome. É a riqueza versus a morte”, discursou a deputada.

Camila Valadão (PSol), sem citar nomes, afirmou que colegas legislam com base em fake news.

“Pela verdade e contra fake news. Tem colegas que parece que legislam a partir de fake news. Desconhecem a história das ocupações ou mesmo o sofrimento do povo. Mais uma vez vemos uma tentativa de criminalizar o MST, conforme foi falado aqui por vários deputados.

A psolista parabenizou o governo pelo veto ao “projeto de violência e barbárie”.

“Saúdo o governo pelo veto pautado na legalidade e sensibilidade com as pessoas mais carentes. Os argumentos da PGE evidenciam a barbárie que seria se esta Casa tivesse derrubado o veto. O projeto viola garantias constitucionais. No país, 75% das terras são ocupadas por pequenos agricultores, inclusive trabalhadores assentados a partir da reforma agrária. Ficou claro que não querem acabar com as invasões, querem perseguir e punir trabalhadores mais pobres que estão em áreas de ocupação no Espírito Santo.”

Opinião do colunista

O que se viu na sessão foi um show de preconceito, destilação de ódio em estado puro e insultos ao MST e a seus membros, equiparados a “bandidos” e “vagabundos” na fala de alguns defensores do projeto. Este, aliás, não versa especificamente sobre o MST, mas foi esse o alvo da iniciativa, a julgar pelo direcionamento das falas.

Qualquer um que já tenha visitado um assentamento sabe que ali o que se encontra são trabalhadores rurais como quaisquer outros.

Quanto ao mérito, o projeto, se transformado em lei, penalizaria duplamente quem já está em situação de pobreza ou até de extrema pobreza, privando tais pessoas do acesso a auxílios e benefícios sociais mantidos pelo Governo do Estado.

Ora, um pequeno agricultor despossuído de moradia e terra própria para cultivar é, naturalmente, muito pobre. Essas pessoas, em sua grande maioria, já são privadas de renda mínima e direitos sociais básicos garantidos pela Constituição Federal. Querem um pequeno lote de terra para plantar e garantir a própria subsistência e a de sua família. Ainda que os meios sejam muito questionáveis, juntam-se ao MST justamente para lutar por tais direitos.

São essas pessoas, as mais pobres, as que mais necessitam da ajuda direta do Estado, com os benefícios sociais. Privá-las de tais benefícios seria penalizá-las em dobro.


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