fbpx

Coluna João Gualberto

A crise do machismo

A crise do machismo expõe a fragilidade da masculinidade diante das mudanças sociais e do fortalecimento feminino

Publicado

em

A crise do machismo. Foto: Reprodução

A crise do machismo. Foto: Reprodução

Sérgio Denicolli, um dos grandes analistas da sociedade brasileira, usa como campo de pesquisa as redes sociais e a partir delas faz análises poderosas. Temos conversado pelo whatsapp sobre seus artigos. Numa dessas conversas enviou matéria muito interessante sobre a crise do macho alfa, publicada na BBC News e assinada por Katy Kay. O texto foi escrito a partir de entrevista feita com o professor Scott Galloway, da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, destaque na imprensa nos últimos anos.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Atualmente o professor é consultor do partido democrata, especializado em comunicação com jovens e homens adultos. A conversa entre a jornalista e o professor foi sobre os homens jovens nos dias de hoje, e como acontecimentos ao redor deles afetam também a vida das mulheres jovens. A versão publicada na BBC News é uma condensação da conversa. O professor constata que os homens jovens nos Estados Unidos enfrentam algumas dificuldades, como veremos.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do João Gualberto.

O raciocínio parte do princípio de que as mulheres jovens e adultas já enfrentam desvantagens estruturais há séculos, mas agora elas têm encontrado chance de brilhar. Perante esse panorama do sucesso feminino Galloway ressalta a ação de pessoas mal-intencionadas na internet, que tentam transformar as dificuldades dos homens jovens em um grito de vingança contra as mulheres. Um entendimento entre homens e mulheres fica agora ainda mais difícil, já que há um sentimento de perda, vez que a prosperidade recente ficou restrita a um terço da população, especificamente entre os homens brancos e heterossexuais, numa prosperidade injusta. Essa injustiça começa a ser corrigida nos EUA, e isso tem provocado enorme reação emocional no universo masculino.

Os dados apresentados são avassaladores. Entre os jovens norte-americanos há quatro vezes mais possibilidade de cometerem suicídio, três vezes mais probabilidade de contraírem dependência, doze vezes mais probabilidade de serem presos, além dos níveis recordes de depressão entre essa população. Para Galloway, está sendo criada a geração mais obesa, ansiosa e deprimida da história estadunidense. Pela primeira vez na história recente, pessoas de 30 anos estão se saindo pior do que os seus pais na mesma idade.

Na entrevista, Scott Galloway chama a atenção para o fato de que as mulheres, na falta de um relacionamento, costumam canalizar parte de sua energia amorosa para suas amizades e sua carreira profissional, enquanto os homens jovens tendem a canalizá-la para videogames ou pornografia, por exemplo. Conclui afirmando que há hoje nos Estados Unidos – e creio em todos os países do mundo ocidental – um grupo de homens jovens econômica e emocionalmente inviáveis.

Na visão do professor, as mulheres namoram pessoas mais velhas porque desejam homens viáveis, tanto econômica quanto emocionalmente; portanto, as mulheres seriam menos atraídas sexualmente por homens que perderam sua viabilidade econômica. Creio ser este um ponto muito importante para compreender o que se passa na sociedade brasileira, que é particularmente sexualizada. Aqui os códigos morais são mais severos com os que aparentam fracasso, porque somos muito ligados às ostentações de poder e dinheiro.

Existe hoje no Brasil, na minha opinião, parte de uma masculinidade fragilizada, digamos até que fracassada. Foi esse ponto da conversa com Denicolli que deu origem a essas breves reflexões, pois ambos concordamos que o quadro atual gerou essa espécie de desespero entre os homens. As mulheres hoje têm muito mais densidade do que os homens, desde as mais pobres até as mais ricas. A ideia ultrapassada do macho alpha que lidera a matilha pelo uso da violência, portanto, volta a parecer atraente para esses indivíduos na verdade fracos, que se sentem menosprezados ante o empoderamento feminino.

Meu campo de reflexões prioritário é o imaginário social brasileiro, o modo como ele se desdobra em termos políticos e de gestão na nossa sociedade. Trazendo esses elementos para o campo do nosso comportamento coletivo, vemos um endurecimento do discurso machista por parte de boa parte dos homens em todas as classes e etnias. A existência hoje dos autodenominados legendários é prova mais cabal disso, numa tentativa de retorno ao tempo em que as virtudes masculinas eram tidas e vividas de forma simples, o que vem a demonstrar justamente a fragilidade do homem de nossos tempos.

Na ausência de recursos mais sofisticados, caímos numa exacerbação do discurso do macho alfa – como esse que agora faz o pastor Malafaia – mostrando falta de elaboração e excessivo apoio na força e violência. Apesar dos avanços sociais que temos visto, o macho alfa, personagem que deveria estar desaparecendo, sangra em praça pública, mas resiste. Pratica feminicídios, bate em mulheres e tenta assustar o mundo com seus gritos de guerra. A extrema direita deu a ele recentemente um lugar, e ele fez desse lugar a débil trincheira de uma guerra perdida.

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.