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Coluna Vitor Vogas

De tiros de fuzil a show gospel: os acenos de Arnaldinho ao voto conservador

Das balas de fuzil à “balada” gospel, alvo do prefeito é certo e vai muito além da “silhueta” baleada. Mas limite entre Estado e igreja está sendo cruzado

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Arnaldinho faz flexões com guardas municipais. Foto: Instagram

A qualquer um que lhe pergunte sobre sua posição ideológica – e eu já tive oportunidade de fazê-lo –, o prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos) se define como um político de centro. Sua história e suas ações o situam mais precisamente em algum ponto entre o centro e a direita. Mas é fato que, seja como candidato em 2020, seja ao longo de sua administração, o prefeito de Vila Velha evitou antagonismos e polêmicas de fundo ideológico.

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Como prefeito, governou à frente de uma grande coalizão, a qual agora será reproduzida na forma de uma imensa coligação que irá de partidos de centro-esquerda (PSB) a siglas da direita liberal na economia (Novo, União Brasil) e da direita conservadora nos costumes (Republicanos).

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Em que pese tudo isso, o coração de Arnaldinho bate mais do lado direito do peito. A despeito de qualquer preferência ou convicção pessoal, há uma eleição pela frente a vencer e uma estratégia a cumprir. E o som que embala essa estratégia não é o de um jingle de campanha. Está mais para o som de um canto gospel misturado ao “rá-tá-tá-tá” da clássica canção dos Engenheiros do Havaí. Um mashup de música de louvor com o barulho de tiros disparados por armamento pesado.

Das balas de fuzil à “balada” evangélica, o target da estratégia é muito claro: o voto do eleitorado conservador.

Não que Arnaldinho já não mirasse nesse público. No ano passado, por exemplo, ele já havia postado um vídeo no qual aparecia “testando” fuzis adquiridos para a Guarda Municipal de Vila Velha em um stand de tiros. Entretanto, de fevereiro para cá, algumas ações que já eram realizadas passaram a ser intensificadas, indo de situações meramente autopromocionais para publicação em suas redes sociais a um evento oficial promovido pela Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV).

O marco dessa intensificação é evidente. Entre fevereiro e abril, entraram na pré-campanha pela Prefeitura de Vila Velha dois potenciais adversários profundamente bolsonaristas. O primeiro, filiado em março ao PL, é o coronel da reserva da PMES Alexandre Ramalho, cuja pré-candidatura foi lançada oficialmente na última quinta-feira (27). O ex-secretário estadual de Segurança Pública entrou na disputa proclamando-se como único real representante da direita em Vila Velha e como o candidato de Jair Bolsonaro.

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O outro potencial concorrente é Neucimar Fraga (PP). Também bolsonarista de carteirinha, o ex-prefeito entrou no páreo, em abril, aparentemente bem entrosado com Ramalho. Em entrevista ao telejornal EStúdio 360, da TV Capixaba, ele chegou a citar, inusitadamente, não só o nome como o número de urna do pré-candidato do PL. Os dois, é lógico, têm potencial para tirar de Arnaldinho alguns votos que seguramente iriam para ele junto ao eleitorado de direita – sobretudo aquele mais permeável ao discurso bolsonarista.

Desde fevereiro, então – em reação e marcação de território –, Arnaldinho passou a publicar, regularmente, em seu Instagram, vídeos e fotos em que ele mesmo se exibe disparando com armas leves e pesadas em um stand de tiros em Vila Velha, no que sua equipe de comunicação batizou de “Café com Pólvora”. Num desses “cafés”, o prefeito recebeu ninguém menos que o atual secretário estadual de Segurança, o delegado Eugênio Ricas (sem partido), sucessor de Ramalho no cargo.

Na mesma toada, e com grande repercussão, Arnaldinho também publicou um vídeo registrando operação policial, liderada por Ricas em pessoa, realizada em certa madrugada em bairros de Vila Velha, em parceria com a Guarda Municipal. Nas instruções para a tropa, Arnaldinho e Ricas apareceram lado a lado.

Postado ainda em fevereiro, antes mesmo de Ramalho entrar oficialmente no PL, o vídeo foi uma superprodução, com direito a trilha sonora e edição de filmes de ação. O prefeito afirmou que a “integração [entre as forças] agora vai funcionar, e criminoso não vai ter sossego”. Como já observado aqui, a mensagem foi muito clara: “Você não gosta de mim. Mas seu sucessor gosta… A Sesp agora está comigo”.

Na mais recente investida nessa área, Arnaldinho fez questão de “testar” e se publicar testando o novo lote de armas de grosso calibre adquirido pela Prefeitura para a Guarda Municipal.

“Fala, pessoal! Nós estamos aqui no Clube de Tiro de Vila Velha, fazendo a entrega de cinco fuzis novos, 5.56 Nato Taurus. E agora nós vamos testar o armamento, que já foi entregue à ROMU, nossa força especial na Guarda Municipal, que vai fazer o enfrentamento da criminalidade na nossa cidade. Acompanhe”, convida o prefeito, todo paramentado, no vídeo publicado no último dia 16, também com direito a edição e trilha de filme de ação.

Na legenda, Arnaldinho registrou: “Aproveitei para dar aquela estreada [nos fuzis]. Continuo afiado, a silhueta [do alvo] sofreu”.

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Que um prefeito “precise” testar armamento pesado recém-adquirido para a força de segurança do município, é fato bastante incomum. Por óbvio, do ponto de vista técnico, não existe a menor necessidade desse “teste com as próprias mãos” (por essa lógica, ao adquirir um trator, o prefeito teria de operá-lo no primeiro canteiro de obras). Já do ponto de vista político, como marketing pessoal e eleitoral, o tiro tem um alvo certo, que vai muito além daquele alvo fixo baleado por Arnaldinho.

O prefeito, de fato, sabe atirar. Tenente da reserva do Exército, possui treinamento militar.

Arnaldinho atirando com fuzil da Guarda Municipal em stand de tiros. Foto: Reprodução Instagram

Arnaldinho atirando com fuzil da Guarda Municipal em stand de tiros. Foto: Reprodução Instagram

Com essa “habilidade extra”, ele aproveita para incorporar uma outra persona: não propriamente a do herói de filme de ação policial (personagem que cabe melhor a Ramalho, como outrora coube a Rodney Miranda), mas a do prefeito civil que, se necessário, sabe “meter bala”.

O vídeo também vem com um discurso subjacente. Não é necessariamente apologia da política armamentista que é pedra fundamental do bolsonarismo, baseada na facilitação do acesso, da posse e do porte de armas por civis – repito: Arnaldinho tem licença, treinamento e está “testando as armas” com o devido equipamento de proteção e em espaço apropriado.

Mas não fica muito longe disso.

É óbvio que, subliminarmente, um vídeo como esse flerta com a cultura armamentista e atinge em cheio os corações e mentes daquela parcela do eleitorado mais adepta do bolsonarismo. Se não foi nesses eleitores que Arnaldinho mirou (mas parece-me claro que foi), foi neles que o prefeito acertou.

Ora, se Ramalho, enquanto secretário estadual de Segurança, podia meter colete da PMES, participar de operação na linha de frente, arrombar porta com o pé em cumprimento de mandado, e tudo isso se deixando filmar para depois postar, por que Arnaldinho não pode vestir o colete da Guarda Municipal para ir disparar com fuzis num stand?

É mais ou menos essa a “disputa imagética” travada.

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Reunião com pastores

Mas a direita bolsonarista se sustenta sobre vários pilares. Se um deles é o armamentismo, um segundo é seu profundo enraizamento junto à comunidade evangélica. O prefeito também a tem em sua alça de mira.

Com o aumento exponencial de evangélicos na população brasileira e a atuação cada vez mais aberta de líderes religiosos desse segmento na política, é indiscutível a crescente influência de pastores na definição de voto dos respectivos fiéis. Basta ver a corrida frenética travada entre Casagrande (PSB) e Manato (PL) pelo apoio declarado de pastores e entidades que representam igrejas durante o 2º turno da última eleição estadual.

Nesta semana, o que fez e postou Arnaldinho? Reuniu-se com 60 pastores. Isso mesmo: nada menos que 60 de uma vez, para um café e “uma rápida prestação de contas”, segundo a assessoria de imprensa do prefeito.

Arnaldinho recebe pastores. Foto: PMVV

Arnaldinho recebe pastores. Foto: PMVV

Não diremos aqui que esse estreitamento da relação com pastores tenha “só” objetivo político. Manter bom relacionamento com esses líderes religiosos é importante para qualquer administração. Mas certamente não podemos perder de vista os possíveis dividendos eleitorais.

E aí chegamos ao último e mais forte sinal do que estamos aqui argumentando:

Louvor promovido pela própria Prefeitura: aí, não…

Em sua conta no Instagram, o próprio prefeito anunciou nesta semana o evento intitulado “Proclamação do Evangelho”, na Prainha, promovido pela própria Prefeitura, com direito à apresentação de dois cantores gospel:

“Alô, povo de Deus! Temos um encontro marcado na próxima segunda-feira, dia 1° de julho. Vamos juntos orar por nossa cidade num grande ato de fé, na Proclamação do Evangelho, no Parque da Prainha, a partir das 19h. Conosco estarão os cantores @andersonrfreireoficial e @brunakarla. Venha conosco!”

No post, curtido até a última quinta-feira (27) por quase 3 mil pessoas, o locutor também chama:

“Proclamação do Evangelho. Muito louvor, adoração e shows de Anderson Freire e Bruna Karla. […] Traga sua família e venha fazer parte desse momento de fé e louvor”.

A assessoria da PMVV confirmou que o evento em questão é organizado pela administração municipal. Perguntamos desde terça-feira (25) se o evento em questão será custeado com dinheiro público do município (isto é, dos munícipes). Até a publicação deste texto, não houve resposta oficial.

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Opinião: confusão total entre Estado e Igreja

Na opinião da coluna, dinheiro público não deve ser usado para a promoção de nenhum evento de caráter religioso: nem evangélico, nem católico, nem de religião alguma. Muito menos uma prefeitura deve usar seus canais oficiais para chamar, convidar ou convocar os cidadãos para “orar”, “louvar” ou participar de qualquer “ato de fé”, segundo a perspectiva de qualquer crença religiosa, seja ela qual for.

Trata-se de flagrante inobservância de um dos princípios basilares do regime republicano, consagrado pela Constituição Federal (o de que o Estado é laico) e da necessária separação entre Estado e igreja(s).

Ao direcionar recursos públicos da municipalidade para custear evento de caráter festivo/espiritual e ainda por cima convocar o “povo de Deus” a comparecer ao show/culto, a Prefeitura de Vila Velha privilegia uma crença religiosa em detrimento das demais, misturando-se indevidamente com ela e coadunando com a visão de mundo (ou cosmológica) sustentada por tal religião.

“Ah”, alguns hão de alegar, “mas a esmagadora maioria da população brasileira, incluindo a vilavelhense, professa a fé cristã”. Sim, é fato incontestável. Mas a estatística é irrelevante aqui. Não é uma questão de números, mas de princípios republicanos.

Para provar o que estamos argumentando, a título de exercício reflexivo, basta manter a situação concreta, mas colocando um grupo minoritário no lugar do majoritário.

Imagine-se que a Prefeitura de Vila Velha decidisse promover com recursos públicos e convocar seus cidadãos a participar de um evento de caráter religioso não de orientação evangélica (nem mesmo cristã), mas budista, hinduísta, islâmica ou de alguma religião de matriz africana. Suponha-se que o prefeito conclamasse: “Alô, povo de Alá! Temos um encontro marcado! Venham adorar o profeta Maomé conosco na Prainha!”

Imagine a grita que semelhante situação geraria entre os cidadãos de fé cristã. Dinheiro púbico gasto com isso? Prefeitura de Vila Velha promovendo algo assim? Com razão, os cristãos protestariam. Seria, de fato, errado. E por que errado seria? Por se tratar de uma religião minoritária? Não, é claro que não. Seria errado pelos mesmos motivos expostos acima: não cabe a nenhum governo se irmanar com religião alguma, tampouco promovê-la.

Então, se não é certo quando se trata de uma religião minoritária, por que haveria de ser quando se trata de qualquer outra com número bem maior de seguidores? Repito: o tamanho do “rebanho” é irrelevante.

Se houver dinheiro público, pior ainda: a festa de louvor e proclamação do texto sagrado para determinada fé está sendo paga, indiretamente, por todos os contribuintes do município, incluindo quem professa outra fé e quem não professa fé alguma.


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