Coluna Vitor Vogas
Análise: onde está Arnaldinho Borgo no debate ideológico?
Como classificar o prefeito do ponto de vista ideológico? Como ele mesmo se classifica? O ensaio da estratégia e do discurso de campanha à reeleição
A coluna perguntou ao prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (Podemos): como ele mesmo se define do ponto de vista ideológico? Era uma grande curiosidade minha. E a resposta me causou relativa surpresa. Eu não hesitaria em classificá-lo como político de direita, ou, no mínimo, centro-direita. Arnaldinho tem uma autoimagem diferente. Prefere se classificar de outra forma:
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“Eu sou centro. Eu sou um cara equilibrado. Eu faço políticas da esquerda, políticas da direita. Eu atendo a toda a classe. A gente não fecha a porta para ninguém. Nós queremos a união da cidade. O momento de briga da cidade acabou. A cidade de Vila Velha, se você fizer uma retrospectiva, vai perceber que todos que tiveram a oportunidade que eu tive de ser prefeito brigaram com todo mundo, e não vinham investimentos para Vila Velha. Nós queremos agregar, unir forças. Uma sociedade é construída no plural e não no singular. E nós queremos todos no nosso projeto, seja da esquerda, seja da direita. Nós somos povo. Minha maior missão é cuidar das pessoas, e é isso que vou fazer, com várias mãos.”
Em 2022, priorizando os investimentos citados por ele e o ótimo relacionamento político e administrativo com o governo Casagrande (PSB), Arnaldinho apoiou a reeleição do governador, entrando forte (e decisivamente) na campanha. Por outro lado, embora de maneira mais discreta, apoiou a reeleição do então presidente Jair Bolsonaro (PL), exemplificando uma hibridez muito presente entre aliados de Casagrande no Estado – justamente aqueles mais posicionados à direita. Perguntei ao prefeito sobre isso. Ele frisou que o que busca, acima de tudo, é ser um prefeito equilibrado:
“A eleição eu fiz para o governador Renato Casagrande. A questão presidencial nós não entramos muito no detalhe. Eu me identifico muito com a política que faz o bem para as pessoas, a política pela qual você muda a vida das pessoas. O único propósito de eu ser prefeito é que eu tenho a oportunidade de mudar a vida das pessoas. E é isso que eu estou buscando na cidade todos os dias, seja com a direita, seja com a esquerda. O meu papel é ser equilibrado. Se tiver um líder da cidade equilibrado, a cidade vai se equilibrar e vai ser uma cidade com uma boa governança.”
Um líder equilibrado e, ao mesmo tempo, “equilibrista”. Para não desagradar a eleitores de nenhum lado, Arnaldinho se equilibra na corda bamba do centro político. São respostas breves, mas repletas de elementos que merecem uma análise detida.
Em seu discurso, o prefeito procura fugir da “dividida” das classificações e das polêmicas ideológicas, transferindo toda a ênfase para as entregas da sua gestão. Assim, busca consolidar a imagem de um prefeito muito mais preocupado com a administração da cidade do que com as querelas de fundo ideológico entre esquerda e direita; quer fixar a imagem de um gestor público focado em realizações que melhorem a vida de todos os cidadãos independentemente das preferências político-ideológicas dele mesmo e dos próprios munícipes. Com essa determinação, é de fato mais cômodo para ele trafegar pela pista do centro.
Esse parece o ensaio do discurso que Arnaldinho pretende levar para o palanque e os debates na corrida pela reeleição, fugindo de rótulos, de disputas ideológicas e adotando uma linha 100% pragmática: falar da cidade, de sua cartela de entregas no atual governo e de compromissos para um segundo mandato.
Ainda que seja essa sua inclinação pessoal, ele não tem por que se declarar um político de direita, muito menos um “prefeito de direita” e menos ainda um “político bolsonarista” ou que nutra simpatia pelo ex-presidente. Fazendo isso, correria o risco de prejudicar a si mesmo, limitando o seu campo de atuação e confinando-se a um segmento específico do espectro político, que só agrada a uma parte do eleitorado. Mesmo que em Vila Velha essa “parte” seja bem expressiva, existe toda aquela outra massa de eleitores não identificada com a direita, muito menos com Bolsonaro, e que Arnaldinho não quer (nem tem por que) contrariar.
Ao mesmo tempo, se não mergulha de cabeça no bolsonarismo, o prefeito não deixa de molhar os pés nessa água e de fazer acenos a esse estrato do eleitorado – o qual, repita-se, é numericamente expressivo em Vila Velha, como provou a eleição de 2022.
Acena, por exemplo, por meio de algumas medidas de governo e ações de marketing político, como a ênfase dada à aquisição de fuzis para a Guarda Municipal da cidade e o recente post em que o prefeito em pessoa aparece atirando com uma arma pesada, do mesmo modelo, em um stand de tiros, a pretexto de testar o equipamento – mensagem com endereço certo e que cala fundo no coração armamentista de eleitores bolsonaristas.
Segundo um colaborador do prefeito, esse nem teria sido propriamente o alvo do referido post, pois Arnaldinho pratica esse tipo de exercício de maneira natural: tenente da reserva do Exército, ele costuma, segundo a mesma fonte, reunir-se com colegas em alguns fins de semana para dar os seus disparos no quartel. Ok, mas, tendo ou não feito pontaria nesse público-alvo, o prefeito de todo modo atinge (no bom sentido) o coração bolsonarista com esse tipo de demonstração.
Falando em quartel, também não se pode perder de vista a leniência com que a Prefeitura de Vila Velha – especificamente, a Guarda Municipal, subordinada a Arnaldinho – tratou o acampamento golpista montado por mais de dois meses no sítio histórico da Prainha, em frente ao 38º BI, com autodeclarados “patriotas” a clamar dia, noite e madrugada adentro (em alto volume) por um golpe de Estado por parte das Forças Armadas.
Neste caso, justiça seja feita, não foi só a Prefeitura de Vila Velha; tirando o MPES, as autoridades públicas capixabas em geral mostraram uma complacência inacreditável com esse movimento – e deu no que deu. Restou muito evidente que o prefeito, assim como outras autoridades, julgou mais prudente não bater de frente com os bolsonaristas mais radicais e com os não tão radicais que poderiam tomar-lhes as dores. Em entrevista à rádio CBN, às vésperas do réveillon, Arnaldinho chegou a chamar tal movimento de “ordeiro”.
Direita bolsonarista está ou não com Arnaldinho?
Alguns agentes políticos de Vila Velha opinam que a “direita conservadora” da cidade – representada, no mapa partidário, por PL, Republicanos e outras siglas – “não está com Arnaldinho”, por considerar que ele não os representa. Evocam, principalmente, o fato de ele ter apoiado a reeleição do “governador socialista” Casagrande em 2022.
Tenho cá minhas dúvidas de que esse argumento “pegue”. Os acenos de Arnaldinho à direita identificada com Bolsonaro ajudam a amortecer tal discurso.
É claro que o PL pode lançar candidatura própria a prefeito da cidade, bem mais à direita que Arnaldinho – o próprio senador Magno Malta afirmou à coluna que o partido quer ser cabeça de chapa em todas as maiores cidades capixabas.
Hoje, porém, mesmo figuras de destaque do partido de Bolsonaro parecem muito entrosadas com Arnaldinho. Na Câmara de Vila Velha, o vereador do PL, Devacir Rabello, está bem longe de fazer oposição ao prefeito. E até o Capitão Assumção, mais radical bolsonarista entre os radicais bolsonaristas no Espírito Santo, andou elogiando Arnaldinho, na semana passada, no plenário da Assembleia: “Está fazendo uma excelente gestão”.
Eleições municipais: voto mais pragmático
Além disso, é preciso sempre relativizar o peso exercido pelos critérios ideológicos na definição de voto do eleitor em disputas municipais – as quais costumam ser bem menos influenciadas por esses fatores do que eleições gerais. Isso ficou evidente nos últimos processos.
Diferentemente do que se experimentou em 2018 e se repetiu no ano passado, as últimas eleições municipais, realizadas entre ambas, até foram atravessadas pela polarização ideológica (no Espírito Santo, isso ficou mais patente em Vitória), mas só até certo ponto.
Para repetir uma antiga máxima, “é na cidade que vive o cidadão”. Hastear a bandeira do Brasil, proclamar-se “patriota”, fazer o L ou declarar amor a Lula pode contar muito menos que tratar do posto de saúde, da iluminação da rua, da coleta de lixo…
Nesse aspecto, para Arnaldinho, marcar posições de direita e defender causas caras a esse campo têm muito menor valor que marcar seu nome, por exemplo, em placas de praças públicas reformadas ou inauguradas… Assumir um lado declaradamente pode fazê-lo perder mais do que ganhar – não só em 2024, mas, principalmente, tendo em vista uma possível candidatura ao Palácio Anchieta em 2026. E isso na certa está presente em seu cálculo, traduzido no discurso eleitoral que o prefeito já está a calibrar.
Em tempo…
O Podemos é um partido de centro-direita. Na mesma entrevista à coluna, Arnaldinho afiançou que não sairá da legenda.
Em seus tempos de vereador, ele exerceu seus dois mandatos na Câmara (2013-2020) pelo MDB, partido de centro, até ser praticamente forçado a migrar para o Podemos em 2020 para poder concorrer ao cargo de prefeito, já que o MDB não lhe deu legenda – e acabou não lançando Hércules Silveira, numa verdadeira barbeiragem eleitoral.
Na administração Rodney Miranda (20213-2016), político de direita, Arnaldinho foi secretário municipal de Assistência Social.
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