Coluna Vitor Vogas
Arnaldinho reage à “operação” do Coronel Ramalho em Vila Velha
Quando cotejamos os mais recentes passos políticos de Ramalho com os últimos passos administrativos de Arnaldinho, as “coincidências” impressionam
Coincidências existem? Existem. Porém, quanto maior a sua vivência na política, menos você tende a acreditar que elas existam de verdade nesse meio.
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Nos últimos dias, o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (Podemos), tomou e anunciou algumas medidas administrativas importantes nas áreas da educação municipal e da segurança pública.
Na quarta-feira (21), sancionou a lei municipal de sua autoria que institui o programa de escolas cívico-militares em Vila Velha. Na manhã de sexta-feira (23), com estardalhaço nas redes sociais, divulgou a realização, naquela madrugada, de uma espetacular operação policial integrada de combate ao crime na cidade, com o envolvimento da Guarda Municipal e das forças estaduais de segurança agora sob o comando do delegado federal Eugênio Ricas. À noite, com a presença do próprio Ricas, celebrou a formatura de 65 guardas municipais que passarão a reforçar o trabalho da corporação nas ruas.
São medidas legítimas que visam ao bem da população canela-verde, baseadas em determinadas concepções de educação e de combate à violência em que o governo Arnaldinho acredita e em cujo mérito não entraremos aqui.
Do ponto de vista político, o que queremos destacar é o timing da adoção dessas medidas e de toda a propaganda realizada em torno delas, concomitantes (ou perfeitamente “coincidentes”) com os últimos movimentos políticos feitos pelo ex-secretário estadual de Segurança Pública Alexandre Ramalho, preparatórios, ao que tudo indica, para o lançamento de sua candidatura a prefeito de Vila Velha.
Quando cotejamos os mais recentes passos políticos de Ramalho com os mais recentes passos administrativos de Arnaldinho, essas “coincidências” impressionam.
Por esse prisma, mais que evidentes acenos ao eleitorado de direita de Vila Velha e autoafirmação como homem público pertencente a esse campo, os movimentos do prefeito podem ser lidos como reação política à “invasão eleitoral” do coronel a seu território. Recapitulemos:
No dia 16 de fevereiro, por volta das 16h30, Ramalho anunciou à imprensa sua decisão de se desfiliar do Podemos, partido de Arnaldinho, pelo qual o prefeito disputará a reeleição. Foi o mais forte sinal, até então, de que o ex-secretário estadual de Segurança vai mesmo desafiá-lo nas urnas em Vila Velha, por outra sigla.
Menos de duas horas depois, às 18h10, a Prefeitura de Vila Velha (PMVV) protocolou na Câmara o projeto de lei que institui o programa municipal das escolas cívico-militares. O projeto foi votado e aprovado às pressas pelos vereadores na última segunda-feira (19), sancionado por Arnaldinho no dia seguinte (20) e publicado na quarta-feira (21) no Diário Oficial de Vila Velha.
Na tarde de quinta (22), Ramalho enviou ao presidente municipal do Podemos, Bruno Lorenzutti (aliado de Arnaldinho), sua “Carta de Desfiliação”, oficializando sua saída do partido. Na madrugada de sexta (23), tivemos a operação integrada da Guarda Municipal com a Polícia Militar (PMES) e a Polícia Civil em Vila Velha. De noite, o prefeito prestigiou a formatura dos novos guardas municipais. De terno e gravata, chegou a fazer flexões no chão com os calouros (lembrando um certo político…). E não foi a única coisa flexionada por ele nesses dias.
“Vagabundos no cofre”: o discurso de Arnaldinho e sua inflexão política
Para além do timing das medidas, o que mais chama a atenção é o discurso assumido pelo prefeito, em especial nas publicações relacionadas à área de segurança pública: o da formatura dos guardas municipais e, acima de tudo, o da operação policial integrada.
Na manhã de sexta-feira (23), em sua conta pessoal no Instagram (não na oficial da prefeitura), Arnaldinho publicou um vídeo acerca da operação, com direito a toques cinematográficos: edição profissional, com estética de filme de ação, incluindo a música de fundo: um rock’n’roll instrumental, “harmonizando” com as sirenes das viaturas.
No briefing da operação, falando aos agentes de segurança na sede da PMVV, aparecem o próprio Arnaldinho, Eugênio Ricas – nomeado oficialmente secretário na última quarta-feira (21) – e o comandante-geral da PMES, coronel Douglas Caus. Os dois últimos publicaram vídeos similares nas respectivas contas. O prefeito diz aos guardas e policiais envolvidos:
“Nós queremos que, de fato, essa integração aconteça. Não tenham dúvida de que essas ações vão ser constantes na cidade de Vila Velha. Nosso objetivo é único: enfrentar a criminalidade. Nosso objetivo é ordenar a cidade. Se depender do prefeito Arnaldinho, nós estaremos à disposição para fazer as intervenções necessárias. Vão e vençam e contem com a prefeitura! Obrigado!”
Sucedem-se imagens da operação propriamente dita, com um preso não identificado sendo algemado, suspeitos com as mãos na parede, cães farejadores em ação, um policial exibindo a droga apreendida, policiais correndo com pistola em punho e outros em formação, ostentando armamento pesado.
Já na legenda do post de Arnaldinho, lê-se, textualmente:
“A ordem foi dada, é trabalho integrado, vagabundo no cofre e cidadão de bem em paz. Por isso a nossa Guarda, as polícias Militar e Civil, com dados de inteligência, uso de tecnologias e armamentos modernos, vão saturar Vila Velha. Resultado dessa madrugada foi foragido recapturado, drogas apreendidas e recado para a sociedade: nossas forças estão nas ruas. A integração agora vai funcionar e criminoso não vai ter sossego. Vão e vençam!”
Análise do discurso
Tanto o movimento quanto o discurso de Arnaldinho podem ser interpretados como uma reação do prefeito à entrada para valer de Ramalho no jogo eleitoral em Vila Velha, com seu discurso sabidamente linha dura na segurança, militarista e declaradamente de direita. Em 2022, Ramalho foi um dos expoentes do “voto Casanaro” e, em sua primeira campanha eleitoral, ao cargo de deputado federal, declarou-se representante da “direita moderada”.
Arnaldinho, até então (apesar de todos os sinais de também ser um político de direita), vinha buscando se equilibrar no centro. Em maio passado, instado a se definir do ponto de vista ideológico, classificou-se como um “político de centro”, em entrevista concedida a este espaço durante o desfile cívico-militar do dia 23 de maio, no Centro de Vila Velha.
Um político de centro sempre aberto ao diálogo com todas as forças políticas da cidade, disse o prefeito na oportunidade, buscando governar para todos e visando ao bem comum do povo de Vila Velha, independentemente de questões e matizes ideológicos.
Como prefeito, essa estratégia e esse discurso podiam convir ao prefeito, agregando de fato aliados de todos os lados e facilitando o seu trabalho de governar a cidade. Como candidato à reeleição, podem já não lhe ser tão interessantes, caso ele tenha mesmo pela frente um oponente como o Coronel Ramalho.
Como se provou nos últimos pleitos, Vila Velha é um dos colégios eleitorais mais “endireitados” do Espírito Santo. Em 2022, no 2º turno contra Lula (PT), Bolsonaro alcançou 60,9% dos votos válidos na cidade. E teria sido eleito no 1º turno, com 54,8%.
Por isso, com os sinais de iminente entrada de Ramalho na corrida, Arnaldinho parece já ter começado a adaptar um pouco estratégia e discurso. Primeiro, veio a lei que institui o programa de escolas cívico-militares na cidade.
Dois dias depois, o anúncio da “(re)inauguração” da série de operações integradas de segurança previstas contra os “vagabundos”, com discurso bem na linha “mundo cão” e “tolerância zero com a bandidagem”. Parecem-nos acenos evidentes para o eleitorado de direita de Vila Velha, que é imenso e, em tese, pode ser “capturado” em grande parte por Ramalho, numa ameaça à soberania do prefeito junto a esse estrato eleitoral.
Chamam a atenção, particularmente, as expressões utilizadas na legenda do vídeo, como que retiradas diretamente de programas policialescos da hora do almoço, como “bandido entocado”, “vagabundo no cofre e cidadão de bem em paz” e “criminoso não vai ter sossego”. É um discurso consoante ao de Ramalho, se bem que ainda mais “policialesco” que o do ex-secretário.
O eleitor “atingido em cheio” por esse tipo de retórica, é o mesmo que se identifica com Ramalho e o aplaude justamente por essa forma de abordagem do problema da criminalidade.
Por último, mas não menos importante, não podemos deixar passar a evidente alfinetada de Arnaldinho em Ramalho no fim da legenda, quando ele diz que “a integração agora vai funcionar” (o grifo é nosso). Para bom entendedor: “agora que mudou o secretário”, “agora que Ramalho não está mais lá e foi substituído por Ricas”… Só faltou pôr em negrito ou em maiúsculas o advérbio de tempo.
Sublinhem-se, ainda, trechos da fala de Arnaldinho aos guardas e policiais (grifos nossos): “Nós queremos que, de fato, essa integração aconteça” (leia-se: antes não acontecia de fato). “Não tenham dúvida de que essas ações vão ser constantes na cidade de Vila Velha” (leia-se: até então, não eram).
A contrarreação de Ramalho: “Lamentável”
Não chegamos a demandar a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) para checar se operações desse tipo, integradas, vinham sendo ou não realizadas no município de Vila Velha e, em caso afirmativo, com qual frequência vinham sendo.
Mas, procurado pela coluna para comentar a publicação de Arnaldinho e o teor do que sugere a legenda, o próprio Ramalho posicionou-se. E o fez de maneira veemente:
“Até a minha permanência na Sesp, tínhamos a operação denominada Estado Presente. Fizemos inúmeras em Vila Velha e demais municípios no ano passado. A operação integrava as nossas forças de segurança, a Guarda Municipal dos municípios que tinham e os fiscais da prefeitura. Revezávamos os municípios da Grande Vitória e, por vezes, do interior. Toda semana tinha operação.”
Ele aponta ausência de Arnaldinho:
“No final do ano passado, antes da Operação Verão, fizemos a última operação em Vila Velha. Todos nos reunimos no 38º BI e contou inclusive com a presença do governador, que transmitiu uma mensagem de agradecimento aos operadores de segurança pública. Nunca teve a presença do prefeito. Lamentável transparecer para a população que não tinha integração na minha gestão. Isso eu busquei o tempo todo enquanto secretário. Todos sabem disso.”
A Sesp com Arnaldinho
Independentemente da realização ou não de operações integradas em Vila Velha durante a passagem de Ramalho pela Sesp, o fato é que a relação política entre o então secretário e o prefeito não era boa, inclusive dentro do Podemos.
Agora, chama a atenção a presença do sucessor de Ramalho no cargo, Eugênio Ricas, tanto no briefing da operação da madrugada de sexta em Vila Velha como na formatura dos novos guardas civis da cidade, realizada no mesmo dia. Simbolicamente, isso indica duas coisas:
1) Com a troca no comando da secretaria, a relação da Sesp com a PMVV subiu para outro patamar;
2) Não é só Ricas, nova face da Sesp, quem está com Arnaldinho. É a Sesp quem está com o prefeito. Por extensão, é o governo Casagrande presente, ao lado dele. O governador, como todo mundo sabe, tem o compromisso de apoiar a reeleição de Arnaldinho e não abre mão disso. O próprio Casagrande já declarou isso à imprensa e disse que Ramalho sabe bem do seu compromisso.
Em tempo, ao comparecer ao briefing da operação poucos dias após iniciar os trabalhos na Sesp, Ricas fez algo que nos disse que raramente faria como secretário, no dia em que foi anunciado no cargo: participar pessoalmente das operações policiais.
É mais um indício forte da importância dada a esse momento pelas duas partes: a administração de Arnaldinho e o governo Casagrande.
Disputa pode ficar circunscrita à direita
Arnaldinho pode mudar a estratégia indo mais para a direita até porque, no fim das contas, a disputa em Vila Velha pode acabar resumida a uma eleição entre candidatos de direita disputando os votos de um eleitorado majoritariamente desse campo.
Além da possível postulação de Ramalho, haverá o candidato do PL (no momento, indefinido). Num outro flanco, o ex-prefeito Max Filho tem ensaiado candidatura pelo PDT, de centro-esquerda, enquanto a federação encabeçada pelo PT também cogita lançar um candidato. Mas são movimentos, por ora, incipientes.
Casagrande “já deu o exemplo”
Em caso de extrema necessidade, não é raro políticos, mesmo aqueles mais moderados, apelarem para um discurso mais “linha dura” e “tolerância zero” com o crime. Um exemplo vem do próprio Casagrande.
No auge do 2º turno em 2022, num momento delicado para ele, uma crise na segurança pública coincidiu com o sufoco eleitoral que ele então passava contra Manato (PL). No dia 11 de outubro, alguns ônibus foram incendiados nas ruas de Vitória e da Serra. No início da noite, Casagrande convocou uma coletiva de imprensa e, fugindo ao seu tom habitual, deu o recado: “Bandido não vai se criar aqui. Vamos pra cima!”
Diga-se de passagem, os ataques ao longo daquele dia foram explorados nas redes sociais por Pazolini, Armandinho Fontoura, Magno Malta e até pelo então ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres – que colocou à disposição forças federais não solicitadas pelo Governo do Estado.
“Cidadãos de bem”: breves considerações
Na legenda do post em seu perfil no Instagram sobre a formatura dos guardas municipais, Arnaldinho publicou: “Atenção, Vila Velha! Entregamos a vocês 65 novos guardas que aumentarão nosso efetivo. Para patrulhar ruas, ordenar a cidade, mas, acima de tudo, cuidar das pessoas de bem”.
Registre-se o uso reiterado da expressão “pessoa(s) de bem” ou “cidadão(s) de bem” por parte do prefeito. É um clássico da retórica da direita – em específico, da direita bolsonarista. A expressão cala na alma das pessoas que em geral, justificadamente, não aguentam mais conviver com a criminalidade a céu aberto no dia a dia.
Mas, sempre que se para pensar, é uma expressão deveras discutível… Primeiro porque ninguém, absolutamente ninguém, nem mesmo o pior criminoso do colarinho branco, considera a si mesmo um “cidadão do mal”. Segundo porque estamos cansados de ver por aí um monte de “cidadãos de bem” que são “cidadãos de bem”… até que deixam de ser. Ou até que descobrimos que não o são.
O Tenente Arnaldinho
Arnaldinho é tenente da reserva do Exército. Mesmo como vereador, sempre teve um viés muito mais de direita, atenuado quando se tornou prefeito. Mas vira e mexe ele faz alguns gestos à direita, inclusive a mais bolsonarista, como quando postou seus exercícios disparando em um stand de tiros com um fuzil do modelo adquirido para a Guarda Municipal.
O timing da implantação das escolas militares
À reportagem do Portal ES360, a PMVV informou que a nova lei municipal que institui o programa de escolas cívico-militares na cidade “teve como objetivo instituir e regulamentar a própria legislação para essa modalidade de ensino, haja vista o fim do programa por parte do Governo Federal”.
De fato, o programa federal, mantido pelo MEC durante o governo Bolsonaro, foi extinto com o retorno do PT ao poder no terceiro governo de Lula. Mas vejam bem: o programa foi extinto pelo MEC em julho de 2023.
Hoje, o programa municipal só funciona em uma escola de ensino fundamental da rede, situada no bairro Ulisses Guimarães, na Grande Terra Vermelha. A prefeitura não informou se pretende implantar esse modelo escolar em outras unidades, mas é a única dedução possível, já que foi aberto crédito suplementar de R$ 5 milhões destinados ao programa este ano.
Adendo
Após a publicação desta coluna, a assessoria do prefeito Arnaldinho Borgo entrou em contato e informou que o programa federal de escolas cívico-militares foi encerrado efetivamente em dezembro, com o fim do ano letivo e dos repasses federais. Entretanto, o decreto estabelecendo o encerramento do programa foi publicado em julho no Diário Oficial da União.
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