Coluna Vitor Vogas
Autor defende “Lei Antigênero” e cobra Casagrande: “Lei de vanguarda”
Na primeira sessão plenária da Assembleia após o recesso parlamentar, Alcântaro Filho apresenta abaixo-assinado de pastores

Deputado Alcântaro Filho. Foto: Kamyla Passos/Ales
O deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos), autor da Lei Estadual 12.479/2025 – aqui denominada “Lei Antigênero” –, apresentou uma carta assinada por 22 pastores evangélicos em atividade no Espírito Santo, em defesa da manutenção da nova legislação, contestada na Justiça por meio de ações diretas de inconstitucionalidade. Em discurso na tribuna da Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (4), na primeira sessão plenária após o recesso parlamentar, Alcântaro classificou sua iniciativa como uma “lei de vanguarda no país” e cobrou do governador Renato Casagrande (PSB) um posicionamento firme em favor da normativa, tacitamente sancionada pelo próprio chefe do Executivo Estadual. O deputado ainda afirmou que sua lei está sendo alvo de fake news.
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Originada de um projeto apresentado em 2023 por Alcântaro, a lei em questão impede educadores, em todas as escolas do Espírito Santo, tanto públicas como privadas, de realizar “atividades pedagógicas de gênero” – nos termos da lei, “aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, à orientação sexual, à diversidade sexual, à igualdade de gênero e a outros assuntos similares” –, a menos que tenham autorização prévia por escrito dos pais ou responsáveis pelos alunos.
Na prática, a escola só poderá abordar um dos temas especificados na redação da lei, ou “outros assuntos similares”, após autorização expressa dos pais dos estudantes, “sob pena de serem responsabilizadas civil e penalmente, conforme o caso”.
Dizendo estar ao lado dos “representantes do povo cristão evangélico do Estado do Espírito Santo”, Alcântaro defendeu sua proposta usando a expressão “ideologia de gênero”. Disse que a lei tem sido distorcida e que ela dá aos pais o direito de decidirem sobre a participação ou não dos filhos em “atividades de cunho sexual dentro da sala de aula”.
“A lei não proíbe ideologia de gênero. Essa é uma fake news, uma mentira que estão usando para distorcer o nosso projeto. O nosso projeto não altera a Lei de Diretrizes e Bases da educação no Brasil, porque isso é uma lei federal.”
“A nossa lei dá aos pais o direito de decidirem se os seus filhos participam ou não de ideologias de gênero, de atividades de cunho sexual dentro da sala de aula. E a nossa lei é uma lei de vanguarda. Essa lei, que está em vigor, é a primeira lei do Brasil que dá aos pais o direito de decidirem e de participarem da educação dos seus filhos.”
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Durante a tramitação do projeto de Alcântaro na Assembleia, todos os procuradores da Casa que examinaram a proposição do ponto de vista jurídico apontaram vícios formais na iniciativa e a avaliaram como inconstitucional, recomendando seu arquivamento. Ao todo, foram três pareceres técnicos nesse sentido. Mesmo assim, no fim de junho, o projeto foi aprovado em plenário, em regime de urgência, por votação simbólica.
A matéria seguiu para análise do governador, que poderia sancionar o projeto ou devolvê-lo à Assembleia com veto. A Secretaria de Estado da Educação opinou contrariamente à sanção. O governador, contudo, preferiu deixar vencer o prazo de 15 dias sem se manifestar sobre a matéria, o que configura sanção tácita, conforme a Constituição Estadual. Segundo Casagrande, ele assim procedeu por orientação da Secretaria da Casa Civil, pasta que cuida das articulações políticas do Governo do Estado com a classe política, notadamente com os deputados estaduais.
Assim, o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União), promulgou a nova lei, publicada no Diário Oficial do Estado no dia 21 de julho. Desde então, ela está oficialmente em vigor, ante protestos de professores e organizações da sociedade civil. Conforme a redação, o Governo do Estado tem 90 dias, a contar da publicação, para regulamentar a lei e estabelecer as punições cabíveis em caso de descumprimento da nova exigência.
A lei também tem sido alvo de contestações judiciais. As ONGs Aliança Nacional LGBTI+, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas e Fonatrans ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Na última quarta-feira (30), a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação no Supremo, deu ao Governo do Estado e à Assembleia Legislativa cinco dias para se manifestarem sobre a lei.
Os partidos PSol e PT também entraram com ADIs, mas no Tribunal de Justiça do Estado (TJES). E até o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) pediu a concessão de medida cautelar ao Tribunal de Contas do Estado (TCES) para suspender os efeitos da lei. O processo está sob a relatoria do conselheiro Rodrigo Chamoun.
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“Poste mijando no cachorro”: os argumentos do autor
Evangélico e conservador de direita, Alcântaro usou o fato de a lei ter sido contestada no Judiciário por partidos de esquerda (PSol e PT) como um argumento a favor da iniciativa. “O que isso significa, deputado Lucas Polese? Que a lei é boa”, discursou da tribuna, levantando os dois polegares.
O deputado refutou que a lei tenha qualquer inconstitucionalidade. Disse que, ao contrário, ela está em consonância com a Constituição Federal (1988), com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e com a Lei de Diretrizes e Bases (1996).
“É uma lei que é de acordo com a Constituição Federal, que no artigo 226 diz que família é a base da sociedade, uma lei que está de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a LDB, que no artigo 12, VI, diz que a família tem que ser incentivada a participar da formação dos filhos, e está de acordo com o Tratado Interamericano de Direitos Humanos, que diz que a formação moral e religiosa dos filhos cabe aos pais e é direito dos pais”, enumerou o deputado.
O autor da lei criticou o fato de o MPC-ES, órgão que zela precipuamente pelo bom uso do dinheiro público, também ter questionado a lei, junto ao TCES.
“Pasmem, deputados e deputadas! O Ministério Público de Contas agora quer determinar o que é constitucional ou não! Um projeto que foi aprovado por 27 deputados nesta Casa. Isso é uma aberração. Com todo o respeito que tenho ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público de Contas, mas isso é o poste mijando no cachorro.”
Alcântaro defendeu a autonomia da Assembleia para legislar e decidir. “Nós definimos de maneira soberana. Essa é a Casa de Leis, é a Casa do povo capixaba. E agora vem o Ministério Público de Contas, com uma canetada, querer dizer o que é constitucional e o que não é. Me poupem!”
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Antecipando a resposta de Marcelo Santos ao questionamento do STF, o parlamentar afirmou que o presidente da Assembleia se manifestará em defesa da soberania da Casa para decidir sobre a matéria.
“A ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI, intimou o governador e o presidente da Assembleia para dizer se essa lei que está em vigor é constitucional ou não. O presidente da Assembleia já disse que o parecer e a posição desta Casa é firme no sentido de que o plenário é soberano. O presidente Marcelo Santos mais uma vez com hombridade, a mesma que nos oportunizou votarmos pela soltura do deputado Capitão Assumção [em março de 2024, após prisão decretada por Alexandre de Moraes]. Agora ele se posiciona em favor das famílias capixabas e em favor da legalidade de uma lei que em nada, em absolutamente nada, é inconstitucional.”
Dando à questão um fundo político-eleitoral, Alcântaro – aliado do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) – cobrou de Casagrande um posicionamento contrário à participação dos alunos em “ideologia de gênero” nas escolas. E arrastou até o vice-governador Ricardo Ferraço (MDB) para o meio da fogueira.
“Portanto, a pergunta que fica é: governador Casagrande, que quer ser senador no ano que vem, é a favor ou é contra o direito dos pais de impedir os seus filhos de participar de ideologia de gênero nas escolas? E o vice-governador Ricardo Ferraço, que quer ser governador? Fica aí andando com a camisa do Brasil pra cima e pra baixo e postando versículos no seu Instagram, se posicione a favor ou contra, porque nós, cristão do Estado do Espírito Santo, estamos de olho. E nós exigimos respeito às famílias e às nossas crianças. Nós não nos calaremos e iremos ao STF e aonde for necessário, para que a lei se faça valer!”, encerrou o deputado, dobrando a aposta.
Em tempo: Ricardo é o pré-candidato preferencial de Casagrande à sua sucessão em 2026. Pazolini é o pré-candidato do Republicanos a governador, em um bloco de oposição.
Assembleia pede extinção da ADI no Supremo
Alcântaro tinha razão quanto ao posicionamento do presidente da Assembleia. Nesta segunda-feira (4), a Ales respondeu oficialmente ao questionamento do STF no âmbito da ADI proposta por ONGs que representam minorias.
O Poder Legislativo Estadual contestou a legitimidade das organizações para apresentar a ADI e pediu à ministra Cármen Lúcia a extinção da ação. Pediu, ainda, que a Lei 12.479/2025 não tenha seus efeitos suspensos, como postulam os autores da ação, e que, ao fim do julgamento de mérito, o STF reconheça a constitucionalidade da lei estadual sub judice.
“Ante o exposto, estas são as informações as quais compete prestar na forma do art. 10 da Lei nº 9.868/1999, pugnando-se pela extinção da ação direta de inconstitucionalidade em razão da ilegitimidade das associações requerentes, pelo indeferimento da medida cautelar e pela improcedência desta ADI, com declaração de
constitucionalidade dos dispositivos impugnados em todos os seus termos.”
Além de Marcelo Santos, a peça é assinada pelo procurador-geral da Ales, Anderson Sant’Ana Pedra, e pelo subprocurador-geral administrativo da Casa, Ricardo Benetti Fernandes Moça.
Em nota à imprensa assinada pela Procuradoria-Geral da Casa, a Ales defende que cumpriu seu papel institucional:
“No referido documento [a resposta ao STF], a Assembleia reafirmou o cumprimento rigoroso de seu papel institucional considerando a aprovação, por ampla maioria e observando o devido processo legislativo, da Lei Estadual nº 12.479/2025, que assegura aos pais e responsáveis o direito de autorizar a participação de seus filhos em atividades pedagógicas de gênero”.
Na mesma nota, a Assembleia sai em defesa do mérito da lei, argumentando que ela promove “um diálogo democrático entre escola e família”, visando a uma “formação pedagógica plural e participativa”.
A Ales destaca que a norma em questão não proíbe qualquer conteúdo educacional, mas estabelece um procedimento de autorização, promovendo um diálogo democrático entre escola e família, com vistas à formação pedagógica plural e participativa.
Opinião do colunista
A quem interessar possa, os muitos problemas contidos na Lei Estadual 12.479/2025, tanto legais como educacionais, já foram largamente detalhados aqui, sob a ótica deste colunista.
Data maxima venia ao autor do projeto e (agora) à Procuradoria-Geral da Ales, o que faz a lei em questão é precisamente o contrário de promover “um diálogo democrático entre escola e família” e “uma educação plural e participativa”. É rigorosamente o contrário.
Do mesmo modo, no artigo 12, VI, citado em discurso por Alcântaro, a LDB de fato dispõe que as escolas devem “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola”. Mas o que faz esse projeto transformado em lei é exatamente o oposto de integrar a sociedade (famílias) com a escola. É tudo menos isso. Demoniza professores. Potencializa desconfianças desnecessárias. Aumenta o abismo entre pais e mestres, na medida em que toma estes últimos como ameaça em vez de solução, inimigos em vez de aliados.
Mais uma vez, profissionais da educação são colocados no lugar de seres nocivos, sempre prontos a “doutrinar” e “corromper” nosso filhos com a chamada “ideologia de gênero” e desviá-los da educação moral e religiosa incutida no seio da família.
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