Coluna Vitor Vogas
Quem era o cabeça do esquema que desviava heranças no ES
Saiba também como atuavam outros integrantes do grupo que, segundo as investigações do Gaeco, cumpriam papel-chave no esquema descoberto pela Operação Follow the Money
Por se tratar de um agente público, ainda mais do Poder Judiciário, a prisão do juiz Bruno Fritoli Almeida despertou grande atenção e se destacou no noticiário nessa quinta-feira (1º). De igual modo, a decisão que obriga outro juiz estadual de 1ª instância, Maurício Camatta Rangel, a usar tornozeleira eletrônica. Atraindo muitos holofotes, os dois estão entre os 34 alvos de mandados cumpridos na Operação Follow the Money, do Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
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Mas, segundo o próprio MPES, o verdadeiro líder da organização criminosa desmontada na operação tem outro nome: é o advogado Ricardo Nunes de Souza. Ele também seria o principal beneficiário do esquema investigado pela Follow the Money. Contra ele, também foi expedido mandado de prisão preventiva.
De acordo com as apurações do MPES, juízes de Direito, advogados e outros agentes públicos e particulares se organizaram em uma quadrilha para, reiteradamente, com um modus operandi sofisticado, roubar o dinheiro de heranças de pessoas mortas em comarcas do Espírito Santo e de todo o território nacional.
Nos termos da investigação, conduzida em segredo judicial pela Procuradoria-Geral de Justiça (por envolver autoridades com prerrogativa de foro), foram praticadas diversos crimes, como os de associação criminosa, lavagem de capitais, corrupção ativa e passiva, falsificação de documento público, particular e ideológica, sendo a prisão preventiva de alguns integrantes da quadrilha “medida imprescindível para o andamento das investigações”.
Em uma decisão do desembargador Sérgio Ricardo de Souza, relator do inquérito no Tribunal de Justiça do Estado (TJES), obtida por nossa equipe de jornalismo, o relator registra que as investigações realizadas pelo MPES fornecem indícios de que os investigados utilizavam, reiteradamente, técnicas para identificar pessoas já falecidas, sem herdeiros necessários ou interessados, com valores vultosos em contas de instituições financeiras e/ou imóveis.
Uma vez localizados esses mortos com elevado patrimônio, cheios de dinheiro “parado na conta” e sem ninguém a reclamar essas quantias, os investigados pleiteavam, perante o Poder Judiciário, o cumprimento de supostos acordos extrajudiciais, com bloqueios de contas e bens e, posteriormente, levantamento, liberação e saque de valores.
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Sempre que tinham sucesso em um novo golpe, os membros da organização passavam a realizar várias transferências bancárias entre si, a fim ocultar o aumento do patrimônio obtido por meios ilícitos.
Os autos permitem concluir que os investigados tiveram êxito em levantar a quantia de R$ 7.084.856,54, por meio de oito alvarás judiciais, identificados até o presente momento nas investigações (mas o número pode ser muito maior).
A partir desses oito alvarás obtidos pela organização, o dinheiro liberado foi depositado nas contas dos advogados Ricardo Nunes de Souza (o cabeça do esquema), José Joelson Martins de Oliveira e Veldir José Xavier, totalizando o valor acima. O desembargador Sérgio Ricardo determinou a prisão preventiva dos três, a pedido da PGJ.
Em pelo menos outros dois processo, eles tentaram garantir a obtenção de valores a partir do saque de alvarás judiciais, mas o golpe não deu certo em razão da intervenção de herdeiros autênticos que se apresentaram após a liberação dos alvarás.
“Depreende-se do caderno investigativo que, aparentemente, o advogado Ricardo Nunes de Souza, em conluio com outros advogados e partes, localizavam pessoas falecidas em todo o território nacional, sem herdeiros necessários e com valores vultosos em suas contas bancárias, e ajuizavam ações judiciais com finalidade fraudulenta, a fim de levantar valores sem a percepção por eventuais interessados”, explica o relator nos autos.
Para tanto, eles realizavam acordos extrajudiciais fraudulentos, simulando litígios com outros advogados que “representavam” a outra parte. Entre eles, estavam José Joelson Martins de Oliveira e Vicente Santório Filho (também alvo de mandado de prisão preventiva).
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Segundo o relator, sempre com base nas investigações do MPES, “os valores ilicitamente obtidos eram repassados, em grande parte, a Ricardo Nunes de Souza, o qual utilizava seu núcleo familiar para o recebimento e pulverização dos valores obtidos nas respectivas ações ajuizadas, contando ainda com a participação de servidores públicos, leiloeiro e membros do Poder Judiciário. Os referidos investigados efetivavam, ainda, transferências bancárias a outros interessados, dentre eles, advogados e terceiros, que faziam parte do esquema criminoso”.
O dinheiro, assim, ficava mais difícil de ser rastreado.
“Neste contexto, há fortes indícios de que as lides [processos, disputas jurídicas] que deram origem à tramitação dos processos nas comarcas e que culminaram com o levantamento de importâncias significativas teriam sido simuladas para a obtenção dos valores, objeto da investigação, de forma ilícita”, explana o desembargador.
“Destaque-se a complexidade e rapidez da atuação organizacional criminosa, cuja colheita de informações sobre pessoas falecidas, com grandes investimentos bancários paralisados, possui capilaridade em todo território nacional”, observa, ainda, Sérgio Ricardo.
“Quando ajuizada a ação judicial, tramita com enorme celeridade e, em poucos dias, conclui-se o seu intuito criminoso de se apropriar de valores paralisados em conta corrente bancária de vítimas já falecidas”, conclui o relator.
Assim, a organização “raspava o tacho” de falecidos com somas vultosas paradas na conta e sem herdeiro a reclamar a herança.
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Eram eles mesmos que “herdavam” tais valores, apropriando-se criminosamente do dinheiro por meio do mesmo modus operandi, baseado na simulação de disputas judiciais pelo “espólio” do morto.
RICARDO NUNES DE SOUZA
O advogado Ricardo Nunes de Souza é apontado pelos investigadores como o “líder da organização criminosa”.
Segundo o MPES, ele atuou como representante de partes nas demandas simuladas, ou recebeu, direta ou indiretamente, as quantias executadas nessas demandas, ainda que não tenha figurado como parte ou patrono. É ele quem se apresenta com o “ponto comum” em todas as demandas, pois os valores, em todos os casos, passaram por contas de Ricardo Nunes de Souza, com posteriores transferências em favor de terceiros, segundo apurado, para dificultar o rastreio e identificação da origem do numerário.
As investigações também apontam que Ricardo Nunes frequentemente realiza a troca de aparelhos celulares nas linhas das quais é titular, em curtos períodos de tempo, o que evidencia, de acordo com o MPES, a aparente tentativa de ocultação dos rastros de suas atividades, padrão também identificado em relação ao investigado Veldir Xavier.
Em uma dos processos ajuizados pela suposta organização criminosa, Ricardo Nunes de Souza não é advogado de nenhuma das partes, tampouco figurou como parte nos autos. No entanto, Veldir Xavier (autor da ação) transferiu para ele R$ 1.905.505,17, cerca de 97% dos valores creditados pela Justiça em sua conta, recebidos por meio dos dois alvarás.
Em outros termos, diz o MPES, Veldir Xavier ficou com apenas R$ 58.558,42 dos valores bloqueados/levantados da conta da executada, ou seja, apenas 2,4% do total.
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VELDIR JOSÉ XAVIER
De acordo com os elementos levantados pelo requerente, Veldir consiste em uma das peças–chave para o desenvolvimento das condutas investigadas pelo MPES, pois figurou como exequente/autor (ou como sócio-administrador de empresas exequentes) na maior parte das demandas analisadas, além de ter recebido diversos alvarás para levantamento dos valores, com posterior transferência a Ricardo Nunes de Souza, mesmo este último não figurando como advogado ou parte nos processos.
Em um dos processos, o MPES apurou que Veldir transferiu quase 100% dos valores creditados em sua conta (aproximadamente R$ 914.200,00) para Ricardo Nunes de Souza, apesar de Ricardo não ser advogado de nenhuma das partes envolvidas no processo.
JOSÉ JOELSON MARTINS DE OLIVEIRA
Atuava como intermediário nas diversas transações bancárias para dificultar o rastreio dos valores. O dinheiro passava por ele. Em uma das ações que despertaram o interesse do MPES, ele não é advogado das partes, tampouco se apresenta como parte nos autos, mas recebeu R$ 6 mil em duas transferências no dia 07/11/2023 (mesmo dia do recebimento do alvará). Em seguida, transferiu no mesmo dia R$ 3 mil para também investigado Gabriel Martins de Oliveira, suposto advogado do requerido e com escritório profissional na cidade de Campina Grande, no estado da Paraíba.
VICENTE SANTÓRIO FILHO
Figurou como procurador da pessoa residente no Rio de Janeiro/RJ, apesar de ter escritório profissional em Campo Grande, Cariacica/ES. Instrui os autos tão somente por procuração, suposto contrato e nota promissória com assinatura duvidosa do executado e com cláusula de confidencialidade e eleição do foro de Barra de São Francisco/ES, apesar de as partes e seus advogados possuírem endereços diversos: Vitória/ES, Serra/ES, Cariacica/ES e Rio de Janeiro/RJ.
Com o mesmo modus operandi, o acusado se utilizou de uma empresa para ajuizamento de inúmeras ações de execução de título extrajudicial com a finalidade de recebimento de valores em contas bancárias de pessoas falecidas.
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