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Coluna Vitor Vogas

Como funcionava esquema milionário envolvendo juízes e advogados

Organização criminosa fraudava documentos e simulava disputas judiciais para roubar herança de pessoas mortas

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MPES faz operação contra juízes e advogados suspeitos de fraude

Juiz é levado para presídio da PM durante operação do MPES. Foto: divulgação / MPES

Juízes de Direito, advogados e outros agentes públicos e particulares se organizaram em uma quadrilha para, reiteradamente, com um modus operandi sofisticado, roubar o dinheiro de heranças de pessoas mortas em comarcas do Espírito Santo e do Brasil inteiro. Dizendo-o da maneira mais simples, foi esse o esquema milionário desbaratado, nesta quinta-feira (1º), pelo Ministério Público Estadual (MPES), por meio da Operação Follow the Money (“siga o dinheiro”, em inglês).

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Na operação, o juiz Bruno Fritoli Almeida e outras seis pessoas foram presas preventivamente. Também foram cumpridos mandados de busca e apreensão, afastamento funcional e aplicação de medidas cautelares contra outros investigados, entre os quais o juiz Maurício Camatta Rangel, obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Segundo o MPES, 34 pessoas estariam envolvidas no esquema.

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Por meio das práticas criminosas, nos termos das apurações do MPES, os envolvidos conseguiram levantar e embolsar a quantia de R$ 7.084.856,54.

Segundo a investigação, conduzida em segredo judicial pela Procuradoria-Geral de Justiça (por envolver autoridades com prerrogativa de foro), foram praticadas diversas infrações penais, como os crimes de associação criminosa, lavagem de capitais, corrupção ativa e passiva, falsificação de documento público, particular e ideológica, sendo a prisão preventiva de alguns integrantes da quadrilha “medida imprescindível para o andamento das investigações”.

Em petição assinada pelo procurador-geral de Justiça, Francisco Martínez Berdeal, ao desembargador Sérgio Ricardo de Souza, relator do inquérito no Tribunal de Justiça do Estado (TJES), o chefe do MPES afirma que “os investigados formaram uma organização criminosa, com tarefas e atividades delimitadas, em dinâmica caracterizada pelo ‘padrão’ de mecanismos fraudulentos quando do ajuizamento de ações judiciais”.

Para esclarecer os fatos narrados, a Procuradoria-Geral de Justiça dividiu as condutas dos investigados em quatro núcleos de investigação:

Núcleo 1 (FAMILIARES): responsável pela lavagem dos valores com altas transferências entre si e pagamento dos demais integrantes da organização.

Núcleo 2 (PARTES/ADVOGADOS): responsável pelo ingresso das ações fraudulentas simulando os litígios na Justiça.

Núcleo 3 (TERCEIROS ENVOLVIDOS): destaca-se pelos altos valores em movimentação bancária, para dificultar o rastreio do dinheiro de origem ilícita (daí o nome da operação).

Núcleo 4 (JUDICIÁRIO): destaca-se pela atuação imprescindível de colaboradores da Justiça e integrantes do Poder Judiciário capixaba.

Como funcionava?

Em uma decisão do desembargador Sérgio Ricardo no processo, datada de 19 de julho e obtida por nossa equipe de jornalismo, o relator registra que as investigações realizadas pelo MPES fornecem indícios de que os investigados utilizavam, reiteradamente, técnicas para identificar pessoas já falecidas, sem herdeiros necessários ou interessados, com valores vultosos em contas de instituições financeiras e/ou imóveis.

Uma vez localizados esses mortos com elevado patrimônio, cheios de dinheiro “parado na conta” e sem ninguém a reclamar essas quantias, os investigados pleiteavam, perante o Poder Judiciário, o cumprimento de supostos acordos extrajudiciais, com bloqueios de contas e bens e, posteriormente, levantamento, liberação e saque dos referidos valores.

“Há fartos elementos documentais que atestam, ao menos em juízo provisório, os indícios de ação orquestrada entre os investigados para a obtenção de fins ilícitos, restando demonstrado o padrão de atuação descrito pelo Ministério Público Estadual. As quebras de sigilo bancário já realizadas revelaram que os valores obtidos com as demandas fraudulentas foram aspergidos [repassados a conta-gotas] em diversas transferências bancárias, muitas das quais envolvendo mais de um investigado, evidenciando a tentativa de dificultar o rastreio e a identificação da origem dos numerários”, escreveu o relator, em seu despacho.

Em outras palavras, uma vez bem-sucedido mais um golpe, os membros da organização passavam a realizar várias transferências financeiras entre si, a fim ocultar o aumento do patrimônio obtido por meios ilícitos.

Os autos permitem concluir que os investigados tiveram êxito em levantar a quantia de mais R$ 7 milhões, por meio de oito alvarás judiciais, identificados até o presente momento nas investigações (mas o número pode ser superior).

A partir desses oito alvarás obtidos pela organização, o dinheiro liberado foi depositado nas contas dos advogados Ricardo Nunes de Souza (considerado o cabeça do esquema), José Joelson Martins de Oliveira e Veldir José Xavier, totalizando o valor acima. O desembargador Sérgio Ricardo determinou a prisão preventiva dos três, a pedido da PGJ.

Em pelo menos outros dois processos, eles tentaram garantir a obtenção de valores a partir do saque de alvarás judiciais, mas o golpe não deu certo em razão da intervenção de herdeiros autênticos que se apresentaram após a liberação dos alvarás.

“Depreende-se do caderno investigativo que, aparentemente, o advogado Ricardo Nunes de Souza, em conluio com outros advogados e partes, localizavam pessoas falecidas em todo o território nacional, sem herdeiros necessários e com valores vultosos em suas contas bancárias, e ajuizavam ações judiciais com finalidade fraudulenta, a fim de levantar valores sem a percepção por eventuais interessados”, explica o relator, nos autos.

Para tanto, eles realizavam acordos extrajudiciais fraudulentos, simulando litígios com outros advogados que “representavam” a outra parte (“representar”, neste caso, no sentido teatral do termo, de “interpretar” a outra parte na falsa contenda judicial). Entre eles, estavam José Joelson Martins de Oliveira e Vicente Santório Filho.

Segundo o relator, sempre com base nas investigações do MPES, “os valores ilicitamente obtidos eram repassados, em grande parte, a Ricardo Nunes de Souza, o qual utilizava seu núcleo familiar para o recebimento e pulverização dos valores obtidos nas respectivas ações ajuizadas, contando ainda com a participação de servidores públicos, leiloeiro e membros do Poder Judiciário. Os referidos investigados efetivavam, ainda, transferências bancárias a outros interessados, dentre eles advogados e terceiros, que faziam parte do esquema criminoso”.

O dinheiro, assim, ficava mais difícil de ser rastreado, assim como a sua origem ilícita.

“Neste contexto, há fortes indícios de que as lides [processos, disputas jurídicas] que deram origem à tramitação dos processos nas comarcas e que culminaram com o levantamento de importâncias significativas teriam sido simuladas para a obtenção dos valores, objeto da investigação, de forma ilícita”, explana o desembargador.

“Ressalta-se a complexidade e rapidez da atuação organizacional criminosa, cuja colheita de informações sobre pessoas falecidas, com grandes investimentos bancários paralisados, possui capilaridade em todo [o] território nacional”, observa, ainda, Sérgio Ricardo.

“Quando ajuizada a ação judicial, tramita com enorme celeridade e, em poucos dias, conclui-se o seu intuito criminoso de se apropriar de valores paralisados em conta corrente bancária de vítimas já falecidas”, conclui o relator.

Assim, a organização “raspava o tacho” de falecidos com somas vultosas paradas na conta e sem herdeiro a reclamar a herança.

Eram eles mesmos que “herdavam” tais valores, apropriando-se criminosamente do dinheiro por meio do mesmo modus operandi, baseado na simulação de disputas judiciais pelo “espólio” do morto.


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