Coluna Vitor Vogas
Casagrande cada vez mais refém da direita conservadora na Assembleia
Quando o projeto em discussão não toca em temas delicados, de profundo cunho ideológico, tudo passa sem problemas. Já quando envolve alguma polêmica…
Com o Palácio Anchieta novamente passando um aperto danado, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) manteve, na manhã da última quarta-feira (26), veto total do governador Renato Casagrande (PSB) a projeto de lei que visava instituir a “Política Estadual de Proteção e Defesa da Propriedade Privada e do Patrimônio Público no âmbito do Estado do Espírito Santo”.
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Se transformado em lei estadual, o projeto criaria uma série de impedimentos para “ocupantes e invasores de propriedades no Espírito Santo”. Embora não especificado na redação do projeto, apresentado pelo deputado Lucas Polese (PL) e apoiado por outros parlamentares de direita, o alvo da iniciativa eram os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Na análise do veto de Casagrande em plenário, apenas sete deputados da base votaram a favor da sua manutenção, enquanto 14 parlamentares (incluindo alguns da base) votaram pela rejeição do veto. Para derrubá-lo, eram necessários pelo menos 16 votos (maioria absoluta dos 30 deputados estaduais).
A votação do veto do projeto contrário ao MST, com esse placar apertadíssimo, reforça algumas constatações que vimos fazendo e destacando neste espaço desde o começo do atual governo, no ano passado:
1. O Parlamento Estadual é de direita
Assim como o Congresso Nacional, a Assembleia que emergiu das urnas em 2022 é, predominantemente, uma Assembleia de direita, com fortíssimo influxo do pensamento conservador em geral e, de forma mais específica e acentuada, do pensamento conservador de matriz evangélica.
Representando uma direita mais radicalizada, a bancada bolsonarista é expressiva, mas a presença da direita em plenário vai muito além do PL: engloba deputados de centro-direita ou de uma direita mais moderada, muitos dos quais fazem parte da base aliada de Casagrande.
A esquerda ideológica mesmo não passa de três deputados (Camila Valadão, do PSol; Iriny Lopes e João Coser, do PT), correspondendo a 10% dos parlamentares. Engolida pela direita, está acuada em um canto do plenário.
Nem os três deputados do PSB (Dary Pagung, Tyago Hoffmann e Janete de Sá) podem efetivamente ser considerados de esquerda, sob o prisma da identidade ideológica.
> Assembleia mantém veto de Casagrande a projeto contrário ao MST
2. A base parlamentar de Casagrande é, expressivamente, de direita
Por uma questão matemática, desde a transição de governos, no fim de 2022, o Palácio Anchieta, para formar maioria, teve de incorporar à sua base muitos deputados de direita – que não necessariamente concordam com algumas políticas e diretrizes do governo de centro-esquerda liderado pelo PSB. Casagrande e seus articuladores precisaram negociar e fazer concessões a muitos deputados divergentes do ponto de vista ideológico.
É claro que essa construção, ainda nos tempos em que o chefe da Casa Civil era Davi Diniz (agora é Juninho Abreu), foi muito facilitada pelo fato de que, neste terceiro mandato, Casagrande está à frente de um governo de ampla coalizão, herdado da grande coligação com que se reelegeu em 2022, a qual inclui alguns partidos importantes de centro-direita e direita, como o PP, o Podemos, o União Brasil e o PSDB (com forte inclinação à direita no Espírito Santo).
Hoje, tirando uma média ponderada, a base governista fica em torno de 20 dos 30 deputados, podendo oscilar um pouquinho para mais ou para menos em condições normais.
3. A base é muito fluida e, quando a pauta é ideológica, a coisa se complica
“Condições normais”, frisamos no fim do item anterior. Quando o projeto em discussão não toca em temas delicados, de profundo cunho ideológico, tudo bem, tudo passa sem problemas. Todavia, toda vez que entra em debate matéria que encerre polêmica do ponto de vista ideológico, as arestas prontamente aparecem.
Aí a maioria de Casagrande (que já não é tão ampla) se esvazia consideravelmente, e o governo precisa “rebolar” para garantir vitórias apertadas (como foi a da última quarta-feira, no veto ao projeto sobre “invasões de terra”).
Essa não é a primeira vez que o governo Casagrande passa um sufoco tremendo para conseguir assegurar, por exemplo, a manutenção de um veto a projeto que trata de tema muito caro à bancada de direita mais ideológica.
Veja-se neste caso, por exemplo, a grande quantidade de deputados de direita que compõem a base governista e geralmente votam com o governo sem piscar, mas que desta vez não hesitaram em passar para “o outo lado” e votar contra o Executivo – muito mais preocupados com a repercussão junto aos respectivos eleitorados, num momento em que muitos deles são pré-candidatos e as eleições se aproximam.
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Dos 14 deputados que votaram contra o veto de Casagrande, pelo menos seis podem ser considerados, tranquilamente, aliados do Palácio Anchieta: Bruno Resende (União Brasil), José Esmeraldo (PDT), Adilson Espíndula (PSD), Lucas Scaramussa (Podemos), Pablo Muribeca (Republicanos) e Zé Preto (PP).
Os quatro últimos são pré-candidatos a prefeito nos respectivos municípios.
Ausências em bloco: Assembleia cria “Comissão de Representação da Mesa”
Falando em “precisar rebolar”, pode ter sido só coincidência, mas na votação em questão o Governo do Estado sem dúvida foi muito favorecido pelo expressivo número de deputados ausentes: dos 30, só 23 compareceram à sessão híbrida.
Os sete faltosos foram:
- Alexandre Xambinho (Podemos)
Alan Ferreira (Podemos)
Bispo Alves (Republicanos)
Gandini (PSD)
Janete de Sá (PSB)
Raquel Lessa (PP)
Vandinho Leite (PSDB)
Nos bastidores, entre deputados interessados na derrubada do veto (derrotados na votação), chamou a atenção um fato:
Na mesma manhã, o Diário do Poder Legislativo trouxe a publicação, por ato do presidente, Marcelo Santos (Podemos) – aliado palaciano –, da criação de uma “Comissão de Representação para representar a Mesa Diretora em eventos e reuniões de interesse deste Poder Legislativo”.
A nova comissão é integrada por cinco deputados: Bispo Alves, Raquel Lessa, Vandinho Leite, Janete de Sá e Alexandre Xambinho. Os cinco fazem parte da base do Palácio Anchieta. Nenhum deles vai disputar as eleições deste ano.
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Basta cotejar a escalação com a lista de faltosos, acima, para se concluir: os cinco, sem exceção, faltaram à sessão em que foi apreciado o veto de Casagrande ao projeto de lei de Polese.
A coluna entrou em contato com os cinco deputados e respectivos assessores de imprensa.
O assessor de Bispo Alves respondeu que o deputado estava em “missão externa”, anteriormente programada, para representar Marcelo Santos, mas não soube precisar a missão.
A deputada Raquel Lessa respondeu que, a pedido de Marcelo Santos, ela foi representá-lo em reunião com produtores rurais relacionada ao programa Arranjos Produtivos, da Assembleia. “Já tínhamos marcado”, informou a parlamentar, que se disse favorável ao projeto de Polese.
A assessoria de Janete de Sá respondeu que a deputada está em agenda institucional para troca de experiências na Assembleia Legislativa do Maranhão, “em compromisso previamente agendado desde o dia 12 de junho”.
A assessoria de Alexandre Xambinho respondeu que sua ausência foi justificada: ele participou da inauguração da Igreja dos Reis Magos, na Serra. Segundo a assessoria, o deputado não esteve no evento como representante da Mesa, mas a convite do governador.
Vandinho Leite e sua assessoria não deram retorno à coluna.
Sobre a criação da Comissão de Representação da Mesa, a assessoria da Assembleia enviou a seguinte nota:
A publicação deste Ato é algo corriqueiro, mas, geralmente, se faz de forma isolada para legitimar a representatividade em nome do presidente em agendas em que este não pode estar presente. Como havia uma série de convites ao Chefe do Poder Legislativo e ele precisava se fazer presente no Plenário para a análise do veto de hoje, designou representantes, que já estariam lhe acompanhando, para representá-lo nesses compromissos externos.
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