Coluna Vitor Vogas
Relação esburacada: presidente da Ales bate de frente com chefe do DER-ES
Governo do Estado quer contratar empréstimo de mais de R$ 300 milhões para recuperar estradas no norte do Estado. Projeto escancarou o choque de deputados com agentes do alto escalão do governo Casagrande que disputarão as mesmas vagas nas eleições 2026

Marcelo Santos e Eustáquio de Freitas
Poderia ser só mais um projeto do Governo do Estado aprovado, como tantos outros, a toque de caixa no plenário da Assembleia Legislativa, onde o governador Renato Casagrande (PSB) desfruta de maioria folgada e do apoio do presidente, Marcelo Santos (União). Poderia. Dessa vez, um projeto de lei de Casagrande visando à recuperação de estradas no norte do Estado evidenciou uma relação acidentada, cheia de buracos e trepidações, entre deputados estaduais e agentes do alto escalão do governo que disputarão as mesmas vagas nas eleições 2026.
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Tendo como pano de fundo uma concorrência eleitoral direta, a sessão plenária da última terça-feira (8) foi marcada por uma fala duríssima (e ameaçadora) de Marcelo dirigida nominalmente ao diretor-presidente do Departamento de Edificações e Rodovias do Espírito Santo (DER-ES), o ex-deputado estadual Eustáquio de Freitas.
Afirmando que a Assembleia teria sido desrespeitada, Marcelo chegou a dar uma espécie de ultimato: “É o último apelo que faço”. Também deixou um recado sonoro, a ser ouvido pelo governador: “Não vou ficar controlando a Assembleia diante das manifestações que nos chegam [sobre o comportamento de membros do governo]. E as manifestações são muito ruins”.
Ex-líder do governo Casagrande na Assembleia Legislativa, Freitas é pré-candidato declarado a deputado federal, mesmo cargo que disputou em 2022 (quando ficou como 1º suplente do partido). Ele é uma das apostas da chapa do PSB, sigla do governador. Marcelo também é pré-candidato declarado a uma vaga na Câmara Federal, pelo União Brasil (partido da base de Casagrande).
No projeto de lei em questão, enviado por Casagrande à Assembleia no dia 16 de junho, o governador pede autorização ao Poder Legislativo para o Executivo contrair um empréstimo vultoso, de US$ 60 milhões (R$ 332 milhões, pelo câmbio do dia), junto ao Banco do Nordeste, para recuperação da malha viária de rodovias estaduais do norte do Espírito Santo inseridos na área da Sudene.
O projeto enviado à Assembleia não especifica os trechos contemplados. Diz que a operação de crédito visa à “implementação do Programa de Desenvolvimento Produtivo da Região Nordeste (Prodepro). Mas o próprio Freitas forneceu as informações à coluna (detalhadas mais abaixo). As cinco estradas estaduais a serem recuperadas atravessam os municípios de Mantenópolis, Alto Rio Novo, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, Águia Branca, Vila Pavão e Barra de São Francisco. No total, os trechos compreendem quase 170 quilômetros de asfalto.
Segundo o chefe do DER-ES, no momento, as cinco estradas incluídas no projeto encontram-se em péssimo estado e carecem urgentemente de melhorias, principalmente na parte de recuperação asfáltica, pois estão colocando em risco a vida das pessoas que trafegam por elas. Podemos dizer: estão mais esburacadas do que a relação de alguns deputados com alguns membros do alto escalão do governo (o próprio Freitas incluso).
Ainda segundo o chefe do DER-ES, se sobrarem recursos desse empréstimo (ou seja, se o governo não gastar os US$ 60 milhões para recuperar os cinco trechos previstos), o que sobrar poderá ser redirecionado. “Estamos indicando uma obra que já está contratada e já tem licença ambiental: a ES 130, do município de Pinheiros ao distrito de Vinhático, no interior de Montanha, com 27 quilômetros de extensão”.
Cumpre registrar que todos os municípios citados estão dentro do reduto político de Freitas, que é de São Mateus – cidade polo dessa região. Por outro lado, somente municípios capixabas acima do Rio Doce estão na área da Sudene e podem ser contemplados por recursos da operação de crédito com o Banco do Nordeste.
Ainda segundo Freitas, a partir da aprovação e da sanção do projeto, serão imediatamente publicados os editais dos processos licitatórios para a contratação das empresas que farão as obras – o que, segundo ele, deve ocorrer neste segundo semestre. O chefe do DER-ES calcula que, se tudo correr bem, as intervenções poderão ser iniciadas ainda este ano. No mais tardar, no começo do ano que vem.
Pouco antes do processo eleitoral.
Marcelo Santos põe o pé na porta e rasga o verbo
Curiosamente, na sessão da última segunda-feira (7), o próprio Marcelo Santos, a pedido do governo, chegou a apresentar requerimento de urgência para votação do projeto em questão, no mesmo dia, em sessão extraordinária (como tem feito rotineiramente desde que se tornou presidente, no início do atual mandato, em benefício do governo).
O pedido de urgência foi aprovado. A extraordinária foi marcada e iniciada minutos depois, com o projeto do empréstimo na pauta. Contudo, o próprio Marcelo, que presidia a sessão, comunicou aos demais sua decisão de “baixar” (retirar) o projeto de pauta, até segunda ordem. Pautar ou não um projeto é prerrogativa do presidente. Até o momento, a proposição não voltou a ser pautada.
Na sessão ordinária do dia seguinte, terça-feira (8), alguns pontos fugiram ao habitual. A sessão já começou diferente: Marcelo desceu ao plenário para realizar, ali mesmo, uma reunião improvisada com os colegas. Com os microfones fechados, falaram por quase 20 minutos. O presidente, então, reiniciou a sessão. Pouco tempo depois, fez um anúncio a respeito do projeto, em um discurso improvisado contundente, do qual se destacam três pontos:
1) Uma trombada direta e específica em Freitas (citado por Marcelo), mas também, de modo mais genérico, a secretários de Estado que, segundo ele, viriam se aproveitando do cargo ocupado no governo para colher benefícios eleitorais antecipadamente. O próprio Marcelo já havia feito uma fala nesse sentido na sessão de 2 de julho, sendo ecoado por meia dúzia de outros deputados;
2) Uma tentativa de impor respeito e autoridade, transmitindo o recado de que a Assembleia não se resignará a cumprir papel cartorial, de mera instância carimbadora e homologatória dos projetos do Poder Executivo, tampouco aceitará ser encarada dessa maneira;
3) Um gesto para botar o pé na porta, mostrar “quem é que arbitra” sobre os projetos uma vez que estes chegam à Assembleia e, mais que isso, fazer com que a Assembleia e seus membros também capitalizem politicamente a aprovação de empréstimo de quantia tão expressiva para realização de obras tão importantes e visíveis em pleno ano eleitoral. Convenhamos: nenhuma intervenção do poder é mais “concreta” que uma estrada por onde os moradores de uma comunidade sempre passam e trafegam no dia a dia. A Assembleia quer parte do crédito pelas futuras obras.
Marcelo começou sua fala anunciando a intenção de convidar prefeitos das cidades cortadas pela malha viária em questão para uma reunião na Assembleia. Só então, após ouvir os alcaides, ele tornará a pautar a matéria para votação.
“A Assembleia vai avaliar se autoriza ou não o Governo do Estado a contratar esse empréstimo junto ao Banco Interamericano [na verdade, o Banco do Nordeste]. Vale o registro de que, a partir do momento que esse projeto sai do Governo do Estado e é encaminhado ao Poder Legislativo, só compete a ele, o Poder Legislativo, às deputadas e aos deputados, fazer essa avaliação. Para tanto, estaremos convidando os prefeitos para que eles possam mostrar efetivamente essa necessidade de fazer as intervenções, tendo em vista as demandas que tem também em todo o Espírito Santo”, disse o presidente, frisando que “essa é uma ação única e exclusiva do Legislativo” e que o objetivo é “filtrar o sentimento da sociedade”.
Correligionário de Casagrande e ex-líder do governo em plenário (como Freitas), o deputado Dary Pagung sugeriu a inclusão dos representantes das Câmaras Municipais em tal reunião.
Marcelo, então, fez uma ameaça subliminar:
“Tem muito cidadão que é servidor do Estado, que ocupa chefia de pastas importantes, seja secretário, subsecretário, diretor de autarquia, e esquece que o papel desta Casa não é só de votar leis. É também de fiscalizar. E todas as ações promovidas pelos agentes políticos que são ordenadores de despesa terão aqui a apreciação das suas contas pela Assembleia Legislativa. Mas tem a fiscalização prévia”.
Em seguida, o presidente da Assembleia centrou fogo no diretor-presidente do DER-ES:
“Quero aqui deixar um registro, inclusive para o diretor do DER-ES, o Freitas: que ele respeite um bocado mais o papel do deputado!” Segundo Marcelo, “de forma pouco gentil”, Freitas andou visitando trechos das estradas contempladas sem convidar deputados da base como Raquel Lessa (PP), que é de São Gabriel da Palha, e Mazinho dos Anjos (PSDB) – de Vitória, mas bem votado em Barra de São Francisco, por causa do seu tio, o prefeito Enivaldo dos Anjos (PSB).
“Aqui a maioria esmagadora dos deputados, inclusive eu, faz parte da base do governo. E nós queremos que o governo possa fazer mais entregas e prospere. Mas fica difícil quando alguém quer dar voo solo. E sozinho ninguém chega a lugar algum. […] A Assembleia garante ao governo o equilíbrio institucional e político. E alguém tenta desarranjar. E, ao desarranjar, pode criar um problema para o governo. E não é isso que a gente quer”, disparou Marcelo, retomando o toma ameaçador.
“Estou destacando o Freitas, mas tem muitos cidadãos, mulheres e homens, que vêm criando esse problema num afã político. A eleição é somente no ano que vem. A reclamação é generalizada. E, por mais que volta e meia a gente fique olhando com cara de paisagem e até rindo para alguns, nosso sorriso não tem graça, porque a sociedade não pode pagar por isso. […] Querer fazer o não reconhecimento do papel e da atribuição de cada mulher e cada homem que compõe esta Casa é no mínimo desrespeitoso. E eu não vou tolerar.”
Aí veio o recado mais endereçado ao próprio Casagrande:
“O parlamentar, diferentemente de secretário e diretor de autarquia, não foi nomeado pelo governador. Quem o nomeou foi o povo. […] Tenho certeza que o governador não diz para os secretários fazerem o que estão fazendo. Não é só Freitas. Mulheres e homens. […] Não vou ficar controlando a Assembleia diante das manifestações que nos chegam. E as manifestações são muito ruins. É o último apelo que eu faço para que vocês possam entender e respeitar uma Casa que respeita todos os Poderes e instituições. Mas não admitiremos ser desrespeitados.”
O presidente ainda reclamou que a Assembleia aprova projetos de lei do governo em regime de urgência, mas “se esquecem de convidar” deputados para os atos solenes de sanção da lei. Assim, os parlamentares ficam sem “dividir o resultado dessa ação”. “Isso é muito feio. E acontece. Mas não vamos permitir que aconteça mais.”
As rodovias estaduais contempladas pelo empréstimo junto ao Banco do Nordeste
. ES 164, de Mantenópolis até Alto Rio Novo: 33,05 km
. ES 245, de Rancho Fundo (comunidade de São Domingos do Norte), no entroncamento da ES 080, até São Jorge de Tiradentes (distrito de Rio Bananal): 43,60 km
. ES 137, do entroncamento da ES 080, em São Domingos do Norte, até São Gabriel da Palha: 15,26 km
. ES 080, de São Domingos do Norte até o entroncamento com a ES 381, em Águia Branca: 40,77 km
. ES 220, do entroncamento da BR-342, EM Vila Pavão, até o distrito de Vila Paulista, em Barra de São Francisco: 36,80 km
