Coluna Inovação
Confusão generalizada no mundo do trabalho
O debate sobre a CLT expõe transformações no mercado de trabalho, marcado pelo embate entre estabilidade e flexibilidade na era da inovação e da inteligência artificial

A visão da geração Z sobre a CLT revela um choque de valores no mercado de trabalho, em que estabilidade e regras fixas perdem espaço para flexibilidade, inovação e novas formas de gerar renda. Foto: Freepik
O mais novo xingamento no meio estudantil é chamar o desafeto de CLT. Procurar emprego é sinal de acomodação, seguir regras, ter chefe e horários fixos. Uma motorista de Uber dizia no rádio que trabalha no horário que quer, pode faltar sem precisar de atestado, pode tirar dia para ir à escola do filho, pode estabelecer a meta de faturamento do dia e parar quando a meta for alcançada. Quero ver quem vai pagar a aposentadoria desses empresários meia boca daqui a alguns anos.
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Enquanto isso, empresários raiz reclamam que a geração Z não se adapta no trabalho, quer decidir se trabalha presencial ou de home office, reclama se não puder usar o celular e não tem compromisso com a empresa.
Há uma falta generalizada de gente para trabalhar em todos os setores e em todos os níveis e o diagnóstico é confuso mesmo. As plataformas oferecem oportunidade de conexão entre quem procura trabalho e quem oferece trabalho, sem compromissos prolongados. Os longos cinco anos para se formar em uma universidade são considerados uma eternidade e desprezados no início ou abandonados no meio. Muitos empregadores já não pedem uma formação universitária, apenas se a pessoa é capaz de executar as atividades necessárias. A pandemia criou um pandemônio nas relações trabalhistas. A pandemia ou a coincidência da época e da tecnologia. Sindicatos, trabalho 9 to 5, presencial, vestir a camisa da empresa, lealdade e compromisso estão em baixa.
Com a falta de gente para trabalhar, a solução é mais tecnologia e mais inovação. A inteligência artificial com seus agentes e assistentes substitui principalmente os níveis iniciais. Notícias de jornal dão conta de IA substituindo estagiários.
Diferentemente de China e outros países desenvolvidos, o Brasil forma cada vez menos engenheiros. O diagnóstico passa por deficiência de matemática que vem do ensino fundamental levando a uma evasão imensa nas universidades. Enquanto isso, o governo insiste em criar novos campi das universidades enquanto o ensino técnico fica desprezado e a qualidade do ensino fundamental não sobe. Ouvimos que nos países asiáticos os professores ganham bem e são reverenciados, enquanto aqui ficam correndo de uma escola para outra para compor o salário. As empresas reclamam que não acham engenheiros para contratar, o país não forma engenheiros, prefere formar administradores e advogados. Engenheiros recém formados reclamam que as empresas contratam engenheiros com outros cargos para não pagar o piso.
Na recessão dos anos 1980, Odil Garcez Filho, desempregado, abriu a lanchonete “O Engenheiro que Virou Suco” na Avenida Paulista, em São Paulo. Hoje muitos viraram Uber. A falta de engenheiros também é explicada pela falta de empresas que desenvolvam tecnologia. Tem mais gente comercializando a tecnologia que vem de fora do que desenvolvendo e nesse caso não precisam muito de engenheiros, ou pelo menos aqueles capazes de projetar equipamentos. Temos as exceções no Brasil: uma Embraer, uma WEG e algumas outras que não só desenvolvem como vão enfrentar a concorrência no mundo. Antigamente, na época das caravelas, muita gente achava que a Terra era plana(muitos ainda acham) e que os navios fossem muito longe cairiam da borda. Muitos empresários têm medo de se aventurar fora da sua base confortável, acham que o mundo acaba logo ali. O Brasil detém 1% do mercado mundial, os outros 99% estão lá fora e o pessoal não vai atrás. Tudo bem, as taxas de juros não colaboram, a insegurança jurídica, o caos tributário e toda uma lenga lenga de desculpas, mas a Embraer e a WEG não caem nessa, assim como algumas outras que sabem que a Terra é redonda.
Pelo menos vemos hoje uma grande mobilização pela inovação com a turma que resiste à CLT fazendo suas startups, muitas incentivadas pela inovação aberta das grandes empresas que descobriram que é mais proveitoso usar essa força de fora do que ficar aumentando o backlog de problemas internos a resolver.
Não sei se esse texto ficou confuso, mas acho que a confusão não é minha. É da situação mesmo que vivemos. Quem for xingado de CLT que se resolva.
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