Coluna Vitor Vogas
Marcos do Val vai tirar licença do mandato no Senado
Ato contínuo à decisão do senador, Moraes revogou a maior parte das medidas que pesavam contra ele, como o uso de tornozeleira eletrônica

Marcos do Val estava com passaporte bloqueado, mas viajou para os EUA. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) vai tirar licença do mandato, para tratamento de saúde. A licença será de 119 dias, assim a sua suplente, a pedagoga Rosa Foerste (Cidadania), não será convocada a assumir durante esse período. Pelo Regimento Interno do Senado, a convocação só ocorre quando a licença do titular do mandato supera 120 dias. O requerimento de Do Val já foi entregue à Mesa Diretora do Senado, presidida por Davi Alcolumbre (União-AP). O pedido é acompanhado de um laudo médico indicando a necessidade do tratamento de saúde.
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Em conexão direta com a licença, nessa sexta-feira (29), o ministro do STF Alexandre de Moraes retirou algumas das medidas cautelares que havia imposto contra o senador capixaba no início de agosto. Agora, Do Val não precisa mais usar tornozeleira eletrônica para monitoramento dos seus passos.
Moraes também revogou a proibição do uso de redes sociais, o bloqueio de contas bancárias e chaves Pix, o recolhimento domiciliar noturno e a suspensão do salário e de verbas do senador.
Por outro lado, Do Val continua com os passaportes apreendidos (tanto o comum como o diplomático) e proibido de sair do país sem autorização da Suprema Corte.
Os dois fatos guardam relação direta. A licença de Do Val é parte de um acordo costurado nos bastidores entre a presidência do Senado, Moraes e outros ministros do STF, para minorar o desgaste na relação entre os Poderes da República. O relaxamento das cautelares que pesavam contra Do Val foi condicionado à licença do mandato do senador.
A partir do requerimento formal de licença, o Senado apresentou recurso ao STF nesta semana, pedindo a suspensão do uso da tornozeleira eletrônica e outras cautelares determinadas em face do senador capixaba. Cópia do pedido de licença protocolado por Do Val foi anexada pela advocacia do Senado ao recurso encaminhado a Moraes. O ministro atendeu ao recurso. O pedido de licença, inclusive, é citado no despacho de Moraes, como um dos argumentos para a decisão de afrouxar as medidas.
“A petição apresentada pela advocacia do Senado Federal veio acompanhada de cópia do pedido de licença que Marcos do Val encaminhou ao presidente do Senado Federal, salientando a incapacidade temporária para exercer o mandato de senador da República e externando seu respeito ao Estado Democrático de Direito e às instituições democráticas”, diz Moraes na decisão.
No dia 6 de agosto, no auge da “rebelião” de senadores bolsonaristas – devido à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) –, a colunista Malu Gaspar, de O Globo, publicou a informação de que senadores influentes e ministros do STF já buscavam costurar um acordo a fim de aliviar a tensão.
O entendimento de senadores era que as medidas decretadas contra Do Val deveriam ter sido submetidas ao crivo do Senado e, se assim o fossem, naquele clima político, Moraes corria o risco de sofrer uma constrangedora derrota no plenário da Casa. Chegou-se a aventar a hipótese de uma contrapartida mais dura para Do Val: em troca do relaxamento das cautelares, o presidente Alcolumbre pediria a suspensão do mandato do senador capixaba por 180 dias. A solução encontrada e aplicada foi a da licença médica voluntária, mais branda.
Fato é que Do Val agora pode voltar a circular sem tornozeleira, publicar em redes sociais, chegar e sair de casa na hora que quiser e movimentar normalmente seus ativos bancários. O senador deve retirar a tornozeleira eletrônica nos próximos dias. Ele estava usando o equipamento desde 4 de agosto, por ter viajado para os Estados Unidos com passaporte diplomático, mesmo proibido de sair do país sem autorização judicial.
“Assim, verifica-se a possibilidade da revogação de várias das medidas cautelares impostas, considerado o retorno de Marcos Ribeiro do Val ao território nacional, a apreensão de seus passaportes e seu afastamento do exercício do mandato de senador da República, bem como as declarações de respeito ao Estado Democrático de Direito”, escreveu Moraes, na decisão.
Entretanto, se voltar a fazer postagens com ataques ao Estado de Direito, Do Val estará sujeito a uma multa de R$ 20 mil por dia. Conforme a decisão de Moraes, “nas hipóteses de reiteração de publicação, promoção, replicação e/ou compartilhamento com conteúdo análogo àquele que ensejou a decisão judicial, por caracterizar grave e ilícita desinformação e discursos de ódio, atentando contra as Instituições, Poderes de Estado e, principalmente, contra o Estado Democrático de direito, fixo multa diária de R$ 20 mil por perfis/canais/contas acima listados”.
Na semana passada, desafiando Moraes, o senador capixaba publicou um vídeo de mais de uma hora com ataques ao STF, ao próprio ministro e a outras autoridades. Ele estava proibido de postar nas redes sociais.
Na live, o senador mostrou a tornozeleira eletrônica e fez acusações a Moraes. Afirmou que sofre perseguição política, abuso de autoridade e crimes contra a humanidade, além de argumentar que nunca foi denunciado ou condenado.
O pedido de licença de Do Val
“Inicialmente, quero externar o meu respeito ao Estado Democrático de Direito e às instituições brasileiras de todos os Poderes da República. Sempre acreditei, e continuo acreditando, que a Constituição é, e deve ser, o norte que orienta a atuação dos homens públicos”, escreveu Do Val, no requerimento de licença apresentado à presidência do Senado Federal.
“Quero, também, externar o respeito e o apreço que tenho pela minha Casa, o Senado Federal, e por esta presidência, na pessoa de seu presidente, o senador Davi Alcolumbre, que com muita sabedoria e responsabilidade tem conduzido o Poder Legislativo Federal em momento histórico tão complexo e desafiador.”
Essa não é a primeira vez que Do Val tira licença do mandato por razões médicas.
O caso Marcos do Val: “Vale Tudo” em “Vale a pena ver de novo”
Eleito em 2018 pelo partido Cidadania (então Partido Popular Socialista/PPS), Marcos do Val é investigado em dois inquéritos sigilosos que tramitam no STF, sob a relatoria de Alexandre de Moraes. Num deles, o senador é suspeito de envolvimento em suposto plano golpista com o objetivo de reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022.
No segundo, ele é investigado por suposta participação em organização que realizava ataques sistemáticos ao STF, à Polícia Federal e, especificamente, a policiais federais que participaram das apurações de supostos crimes praticados por Jair Bolsonaro e apoiadores, como o de golpe de Estado, visando intimidar tais autoridades.
Foi esse segundo inquérito que levou Moraes a determinar a apreensão dos passaportes de Do Val, em agosto de 2024, além do bloqueio de R$ 50 milhões em suas contas bancárias e de nova suspensão de suas redes sociais (medida que o senador já havia sofrido, de junho de 2023 a maio de 2024). As cautelares foram referendadas pela Primeira Turma do STF.
O passaporte “normal” de Do Val, comum a todo cidadão brasileiro, foi entregue por ele à Polícia Federal em agosto de 2024, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão autorizado por Moraes. Mas ele não chegou a entregar o passaporte diplomático, conferido pelo Itamaraty a autoridades como senadores da República.
No dia 23 de julho deste ano, descumprindo a proibição judicial, Do Val viajou com a família, de férias, para o estado da Florida, nos Estados Unidos, e passou dias a passear por parques temáticos na cidade de Orlando. O senador conseguiu embarcar usando seu passaporte diplomático, que havia ficado com ele. Antes de embarcar, ele pediu autorização a Moraes para realizar a viagem. A solicitação, porém, foi negada pelo ministro, sob o argumento de que o senador é que deveria se adequar às cautelares, não o contrário.
Diante do descumprimento da ordem judicial, enquanto Do Val ainda se encontrava em solo estrangeiro, Moraes determinou o bloqueio total de suas contas bancárias, seus cartões de crédito, suas chaves Pix e todos os seus ativos financeiros.
No manhã do dia 4 de agosto, ao desembarcar no aeroporto de Brasília, Do Val foi abordado por policiais federais. O senador do Espírito Santo foi obrigado a entregar seu passaporte diplomático e passou a usar tornozeleira eletrônica, com monitoramento permanente dos seus passos, por decisão de Moraes.
O ministro do STF ainda determinou o bloqueio integral de todas as contas, imóveis, veículos, embarcações e aeronaves em nome do senador, bem como de investimentos e ativos em seu nome, de seu salário e das verbas de gabinete relativas ao mandato.
Do Val também ficou obrigado a cumprir um toque de recolher: ele passou quase um mês proibido de deixar sua residência à noite de segunda a sexta-feira (das 19h às 6h, salvo nos dias em que houvesse sessões e votações no Senado) e a qualquer hora nos fins de semana, feriados e dias de folga. Moraes ainda reiterou a proibição do uso de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros.
Nessa decisão, cumprida no dia 4 de agosto, o ministro tomou a atitude do senador como “uma absoluta afronta” e ressaltou o “completo desprezo” manifestado por ele em relação ao Poder Judiciário brasileiro, ao descumprir decisão judicial editada pela Suprema Corte do país:
“A conduta do investigado demonstra uma absoluta afronta à determinação do Poder Judiciário, uma vez que Marcos Ribeiro do Val requereu autorização para viajar ao exterior, tendo sido indeferido o pedido, e claramente burlou as medidas cautelares impostas”.
O ministro afirmou que, ao viajar para os Estados Unidos, o senador “deliberadamente descumpriu a imposição das medidas cautelares em claro desrespeito às decisões proferidas por este Supremo”.
Moraes ainda ameaçou prender Do Val em caso de novo descumprimento das medidas cautelares impostas pelo STF. Segundo o ministro, o parlamentar capixaba é investigado por “gravíssimos fatos”, como ataque institucional ao Supremo e à Polícia Federal, com divulgação de dados pessoais de delegados que atuam em investigações no STF.
“As circunstâncias indicam, portanto, a necessidade de adoção de medidas para minimizar os prejuízos e assegurar as responsabilidades civil e penal pelos atos criminosos, sob pena de desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”, justificou Moraes na ocasião, para concluir:
“Assim, se torna necessário, adequado e urgente o bloqueio de contas bancárias, do salário e de todas as verbas de gabinete do senador Marcos Ribeiro do Val, diante da possibilidade de utilização de recursos para a prática das condutas delitivas apuradas”.
Agora, como informado na abertura deste texto, a maior parte das medidas foi revogada por Moraes, seguindo em vigor somente a apreensão dos passaportes e a proibição de deixar o território nacional.
