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Coluna Vitor Vogas

Câmara de Vitória rejeita projeto que “vetava” pessoas em situação de rua

Iniciativa controversa foi derrubada em votação no plenário em “urgência urgentíssima”, a partir de operação da base de Pazolini e por orientação da prefeitura. Como demonstrado aqui, prefeito não queria a aprovação do projeto, que seria um problemão político para ele. Saiba por quê

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O polêmico projeto de lei do vereador Luiz Emanuel (Republicanos) que barrava a presença de pessoas em situação de rua nos logradouros públicos de Vitória foi rejeitado na manhã desta terça-feira (12), em votação realizada durante a sessão ordinária da Câmara de Vitória. O PL 57/2023 foi derrubado pelo placar de 11 a 2, contando com voto favorável apenas do autor do projeto e do vereador Davi Esmael, também do Republicanos.

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Luiz Emanuel e Davi são justamente os dois únicos vereadores do partido do prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini. Entretanto, a grande maioria dos vereadores da base votou contra o projeto de lei. Além dos votos contrários dos três vereadores de oposição – André Moreira (PSol), Karla Coser (PT) e Vinicius Simões (PSB) –, oito aliados de Pazolini se posicionaram dessa forma. Como demonstrado aqui antes da votação, o prefeito e sua equipe não tinham o menor interesse na aprovação da matéria.

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Nos bastidores, emissários do prefeito trabalharam fortemente para que o projeto “morresse” ali mesmo no plenário, sendo rejeitado na Câmara (como, de fato, foi), para que a batata quente política não seguisse para as mãos de Pazolini.

A votação e a rejeição do projeto nesta terça resultaram exatamente dessa operação, que já havia sido ensaiada na véspera por vereadores da base. Na sessão de ontem (11), aliados de Pazolini tentaram votar a proposição de Luiz Emanuel em “regime de urgência urgentíssima” (dispositivo previsto no Regimento Interno da Câmara). Mas essa primeira tentativa falhou, pois o próprio Luiz Emanuel, autor da iniciativa, não se encontrava em plenário, o que impediu que o projeto pudesse ser votado ontem mesmo.

Na sessão desta terça-feira (12), a operação se repetiu, mas com uma diferença fundamental: a presença de Luiz Emanuel em plenário – sinalizando que ele estava ciente da orientação da prefeitura à base, e que houve algum entendimento entre as partes.

Na Câmara de Vitória, o Regimento Interno prevê que um projeto de lei não incluído na ordem do dia pode ser votado na mesma sessão, se cumpridas duas condições: o requerimento de urgência deve ser apresentado ao presidente da sessão por, pelo menos, cinco dos 15 vereadores e aprovado em plenário por, pelo menos, 10 parlamentares. Foi exatamente o que aconteceu.

Assinado por cinco vereadores da base, o requerimento de urgência foi aprovado por mais de 10 parlamentares, com apenas dois votos contrários, de Karla Coser e André Moreira. Os dois vereadores de oposição preferiam que o projeto fosse votado nesta quarta-feira (13) – como estava previsto e combinado até então. Eles haviam mobilizado suas bases para acompanhar a votação nas galerias, o que não foi possível com a antecipação.

O projeto de Luiz Emanuel foi a votação depois de longo embate e discursos do autor da matéria, em defesa de sua iniciativa, e de vereadores contrários ao projeto.

Nas últimas semanas, o PL 57/2023 despertou grande resistência não só por parte de vereadores de oposição e da base, mas também de segmentos sociais e até da Igreja Católica, representada no caso pela Arquidiocese de Vitória. No último sábado (9), o arcebispo de Vitória, Dom Dario Campos, emitiu uma nota pública condenando de maneira veemente o projeto de lei, classificado pela autoridade máxima dos católicos no Espírito Santo como uma “prática higienista que, ao invés de promover soluções dignas, reforça a marginalização e o preconceito”.

O teor do projeto do aliado de Pazolini é reproduzido abaixo nesta coluna. Mas, naquilo que é essencial, a redação do projeto “veda [isto é, proíbe] a ocupação, por qualquer pessoa, para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória”.

Não cabe outra interpretação: se o projeto fosse aprovado e sancionado por Pazolini, virando lei municipal, pessoas em situação de rua que ocupam esses espaços públicos (ruas, praças, calçadas) não poderiam ali permanecer; teriam de ser retiradas compulsoriamente pelo poder público. Moradores em situação de rua, usuários de drogas ou não, ficariam impedidos de dormir, cozinhar, entre outras “atividades habituais”, nos logradouros municipais. O texto ainda previa penalidades a essas pessoas em caso de infrações.

O projeto, porém, como fartamente demonstrado aqui, era muito problemático – principalmente para o próprio prefeito. O texto é sumário: tem apenas três artigos; a justificativa oficial, por demais confusa.
Além de muitas fragilidades técnicas – como possível vício de iniciativa, por criar obrigações ao Executivo Municipal –, o projeto poderia ser considerado flagrantemente inconstitucional, pois colide com alguns direitos fundamentais de todo cidadão em solo brasileiro (incluindo as calçadas de Vitória), consagrados pela Constituição Federal de 1988. O mais elementar é o próprio direito de ir e vir, ou, mais especificamente, o de se locomover por vias públicas.

Como votou cada vereador

Contra (11)

. Aloísio Varejão (PSB)

. Anderson Goggi (PP)

. André Brandino (Podemos)

. André Moreira (PSol)

. Chico Hosken (Podemos)

. Dalto Neves (Solidariedade)

. Duda Brasil (PRD)

. Karla Coser (PT)

. Luiz Paulo Amorim (PV)

. Mauricio Leite (PRD)

. Vinicius Simões (PSB)

A favor (2)

. Davi Esmael (Repubicanos)

. Luiz Emanuel (Republicanos)

Obs: O presidente Leandro Piquet (PP) não precisou votar, enquanto Leonardo Monjardim (Novo) não participou da sessão.

Os problemas técnicos

Em leitura preliminar – sumária como o próprio projeto –, se a iniciativa virasse lei municipal, essas pessoas hoje em situação de rua simplesmente teriam negado o direito de, simplesmente, estar ali. Na prática, a presença desses indivíduos em logradouros públicos seria vetada pelo poder público municipal, o que evidentemente se choca com o arcabouço legal federal.

Ainda do ponto de vista técnico, havia aparente vício de iniciativa: o projeto obviamente cria obrigações para o Poder Executivo Municipal, que deveria assegurar o cumprimento da lei, o que aliás nos remete a outro grande problema cuja solução não se encontra nas linhas da propositura: quem ficaria encarregado de dar cumprimento à lei e, o que é mais importante, como isso seria feito?

Se essas pessoas fossem sumariamente retiradas dali, para onde seriam levadas? E se elas quisessem retornar? E se não houvesse vagas em abrigos? E se outras surgissem no lugar? “O projeto não resolve o problema e cria outros três”, resumiu, na véspera da votação, uma fonte do Executivo Municipal ouvida pela coluna, sob anonimato. Poderíamos acrescentar: sugeria uma solução simples demais (logo, ilusória) para um problema por demais complexo e multifacetado.

Nos corredores jurídicos e administrativos da Prefeitura de Vitória, a percepção predominante era mesmo a de que o projeto era “inconstitucional”, além de “mal elaborado”.

Bem, isso do ponto de vista mais técnico. Mas voltemos à análise política.

O problemão para Pazolini

Se o PL tivesse sido aprovado em plenário, seguiria para a análise de Pazolini, que teria diante de si três opções: vetar o projeto, sancioná-lo ou deixar transcorrer o prazo legal e devolvê-lo à Câmara sem se posicionar (o que corresponde à chamada “sanção tácita”).

A priori, seguindo um muito provável parecer da Procuradoria Municipal com esta recomendação, Pazolini não teria escolha senão vetá-lo por motivos técnicos (de novo: como é que um ente público pode proibir um cidadão, quem quer que seja, de estar num logradouro público, e qual procurador que se preze deixaria de apontar os vícios e inconsistências legais de tal iniciativa?).

Porém, se vetasse o projeto, Pazolini ficaria com o ônus político do veto, pois seria cobrado pelas pessoas de classe média e alta de Vitória que, com fundada indignação, não aguentam mais a presença de moradores em situação de rua nas praças, esquinas e calçadas bem em frente a suas residências. Noutras palavras, se assim fizesse, o prefeito contrariaria boa parte do seu eleitorado, sequioso por uma “solução urgente”.

Por outro lado, se sancionasse o projeto (ainda que tacitamente), além de fazer vista grossa para prováveis ilegalidades da proposta, o prefeito bateria de frente até com a Igreja Católica, que entrou pesadamente no debate, podendo receber a pecha de “higienista” e “discriminatório”…

Isso, é bom lembrar, pouco tempo após ter saído vitorioso de uma campanha à reeleição na qual pregou uma “Vitória da paz e da união” e repetiu à exaustão o discurso de que, no atual governo, construiu uma cidade mais igual, “derrubou muros” e reduziu desigualdades entre as várias regiões da Capital.

Alguém poderia lhe questionar: esse tão propalada “união” não alcança os moradores de mais baixa renda e em situação de rua? Como a “derrubada de muros” se coaduna com a expulsão de pessoas que dormem debaixo de marquises? Reduzir as diferenças entre os morros e o asfalto por acaso exclui as calçadas? De maneira gritante, o discurso ainda fresco de campanha não combinaria nem um pouco com a ação de governo, neste caso.

Por tudo isso, esse PL era um abacaxi político para Pazolini e equipe, que, exatamente por isso, preferiram descascá-lo ali na Câmara mesmo, onde a atual administração goza de ampla maioria.

Vale dizer: o governo Pazolini agiu para que o controverso projeto fosse sepultado no plenário, mesmo que, para isso, tenha precisado contrariar os dois vereadores do partido do prefeito (Luiz Emanuel e Davi Esmael, autores dos dois únicos votos favoráveis à matéria).

Projeto de André Moreira também foi rejeitado

Como tratava do mesmo tema, projeto de autoria de André Moreira foi apensado ao de Luiz Emanuel. Também foi votado e rejeitado na sessão desta terça-feira, logo depois da votação do projeto do vereador da base.

Embora tratasse de tema afim, o projeto de Moreira era bem diferente: com 45 artigos, propunha uma política pública muito mais abrangente para o município lidar com a questão da população em situação de rua. Foi rejeitado de todo modo, pelo placar de 10 a 3.

Além do próprio Moreira, só votaram a favor os outros dois vereadores de oposição: Karla Coser e Vinicius Simões.

O que dizia exatamente o projeto de Luiz Emanuel

Dispõe sobre o uso adequado das praças e vias públicas de Vitória e garante segurança nesses locais.

Art. 1º É vedada a ocupação, por qualquer pessoa, para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória.

§ 1º Considera-se atividades habituais todas aquelas congregadas ao cotidiano humano, tais como culinária, higienização e necessidades fisiológicas, dentre outras que incorrem na constante usurpação dos bens públicos de uso comum do povo e na liberdade, tranquilidade e vida privada da população.

§ 2º Considera-se assistência social qualquer mecanismo propício a ressocializar as pessoas, de forma que estas não se encontrem em posição de marginalidade e tampouco se sujeitem a praticar infortúnios aos(às) demais munícipes, a contemplar abrigos para moradia, tais quais munidos de condições de habitação, alimentação, higienização, dentre todos os recursos essenciais para a subsistência humana.

Art. 2º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas nas Leis 8.696, de 29 de julho de 2014 e 6.080, de 29 de dezembro de 2003, quando couber, o infrator é obrigado a indenizar ou recuperar os danos causados ao meio ambiente e aos bens de uso comum do povo, afetados por sua atividade.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A justificativa oficial do projeto

Abaixo, reproduzimos a íntegra da justificativa, tal como protocolada no dia 27 de março de 2023:

Almejamos coadunar a ressocialização das pessoas em situação de rua à segurança pública da população de modo generalizado, ou seja, não se trata de nenhuma prática de discriminação, exterminação ou marginalização dessa classe.

Isso porque, o nosso escopo primário é verificar se há abrigamento a ser oferecido perante a municipalidade, o que, em caso negativo, fomentamos o afastamento dos sujeitos que se apresentam desabrigados, por estarem estes, incorrendo em abuso de direito excedendo manifestamente os fins sociais conforme reza o artigo 187 do Código Civil, à medida que, ao efetuarem práticas cotidianas cerceiam a liberdade de ir e vir e a integridade moral das pessoas que habitam e trafegam nos ambientes usurpados pela coletividade em comento, ante o fato de a marginalização desta propender a prática de ilícitos penais como já ocorre em diversas comunidades do município.

Outrossim, cumpre aludir que a moradia e prática de atos diários em tais bens imputados como de uso comum do povo, enseja uma farta lesão ao meio ambiente, à saúde e à incolumidade pública, na medida em que se observa a cada dia, tornado os espaços urbanos em más condições de salubridade propiciando o aparecimento de doenças, até mesmo, uma epidemia e, em decorrência disso, a redução da expectativa de vida populacional.

Portanto não há outra iniciativa, além desta proposição, sob o fito de sanar ou atenuar todo esse descompasso social que assola exorbitantemente o ambiente urbano e os(as) habitantes da capital do Espírito Santo. Razão pela qual, suplico, respeitosamente aos meus eminentes pares, a aprovação deste projeto.


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