Coluna André Andrès
Uma ideia radical para combater a crise da Malbec
Números do mercado apontam para uma sensível queda de interesse pela uva mais usada nos tintos franceses. Guia chileno propõe saída para a crise da Malbec
Uma das dificuldades encontradas pelo consumidor pouco habituado a tomar vinhos franceses é o número limitado de informações de seus rótulos. Os produtores tradicionais não facilitam a vida de quem está entrando no mundo dos tintos e brancos da Borgonha, de Bordeaux etc. Os vinhos produzidos pelas casas mais conservadoras não trazem, por exemplo, nenhuma informação sobre as uvas usadas por eles. Os donos das vinícolas consideram quase uma obrigação a pessoa saber quais as castas usadas em Borgonha (Pinot Noir para tintos, Chardonnay para brancos) ou com quais uvas se fazem os cortes da margem esquerda e direita do rio Gironde, em Bordeaux. Por isso os rótulos trazem quase sempre em destaque a região onde o vinho é produzido. E essa opção está sendo apontada como uma saída para a já denominada crise da Malbec.
Se ainda não é algo alarmante, a queda na comercialização da Malbec no mercado internacional é incontestável. Segundo informações do Descorchados, o mais importante guia de vinhos da América Latina, em 2015 foram exportados cerca de 106 milhões de litros de Malbec (engarrafados) para o mundo. Em 2022, foram exportados 111 milhões. Em 2023, houve uma queda significativa para 89 milhões de litros. Os dados são do Observatório do Vinho Argentino. Como o preço se manteve praticamente estável, a publicação chilena aponta como principal fator para a queda o desinteresse pela uva em mercados importantes, como Nova York, Tóquio e Londres.
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O rótulo de Picasso para a safra histórica da Mouton Rothschild. Abaixo do nome da vinícola está o recado escrito pelo barão. Foto: DivulgaçÃO
A crise da Malbec e a da Syrah
Os editores do Descorchados comparam o quadro atual da Malbec com restrições enfrentadas pela Syrah, “uma variedade difícil de vender hoje e não apenas para aqueles que a produzem na Austrália, mas para todos aqueles que ousam colocar a palavrinha ‘syrah’ no rótulo”. A solução seria trocar o nome da uva pelos nomes das regiões onde o vinho é produzido. Para a publicação, o sommelier nem pensa em colocar Malbec na sua carta de vinhos, mas logo se interessa pelo tinto se alguém fala em Gualtallary ou Altamira, conhecidas regiões produtoras de Mendoza. “É chegada a hora de deixar de lado o nome das uvas e concentrar-se em sua origem”, diz o texto.
O guia complementa seus argumentos falando do trabalho de um bom enólogo. “O grande objetivo de qualquer enólogo é mostrar um lugar através de seus vinhos, que o local é mais importante que a própria uva. Enfim, mostrar o que é conhecido como terroir, nem mais nem menos”, diz a publicação de Patrício Tapia. E encerra com um argumento mercadológico irrefutável: “Se um produtor da Nova Zelândia quiser se aproveitar de um eventual sucesso da Malbec basta fazer um vinho com essa casta e colocar no rótulo o nome da uva. Mas ele não pode fazer isso com El Cepillo ou Agrelo” [também regiões produtoras da Argentina].
O fim de uma era?
O texto do Guia Descorchados é um tanto alarmista em relação à crise da Malbec, uma uva com destino definido, no entender dos autores da publicação. “Devemos começar a promover esta ideia [de eliminar a citação da Malbec nos rótulos]. E não para salvar a Malbec, porque é uma marca que está com os dias contados, menos nos lugares altos da pirâmide qualitativa internacional, mas para mostrar a diversidade dos solos, das topografias, das terroirs da Argentina. Essa rica diversidade, embalada numa garrafa de
750 ml, é o que realmente importa, é o futuro”, diz o texto.
Bem, o futuro é quem dirá se a equipe de Patricio Tapia tem ou não razão. Até lá, podemos continuar abrindo boas garrafas de Malbec para apreciar as delícias da mais argentina das uvas francesas…
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