Coluna Vitor Vogas
Cariacica: vereadora do PT é alvo de pedido de cassação
Única representante da oposição à atual administração na Câmara de Cariacica, a vereadora Açucena (PT) está com o mandato ameaçado

Vereadores Sérgio Camilo e Açucena, de Cariacica
Única representante da oposição na Câmara de Cariacica, a vereadora Açucena (PT) está com o mandato ameaçado. O vereador Sérgio Camilo protocolou representação contra ela, pedindo sua cassação, por suposta quebra de decoro parlamentar. Ele também pede que a vereadora tenha o mandato imediatamente suspenso e que o suplente dela seja convocado durante a tramitação do processo por quebra de decoro.
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Diferentemente de Açucena, Camilo é um vereador de direita e aliado do prefeito Euclério Sampaio (MDB). Ele é filiado ao União Brasil, partido do arco de alianças do prefeito. Nas eleições municipais de 2024, Camilo não se elegeu, por pouco, ficando como primeiro suplente da chapa do União. Em fevereiro, o vereador Edgar do Esporte, também do União, tornou-se secretário extraordinário de Relações Comunitárias da Prefeitura de Cariacica, a convite de Euclério. Assim, Camilo assumiu o mandato, no lugar de Edgar – e assim ficará enquanto o titular estiver licenciado para exercer o cargo no Executivo Municipal.
Camilo e Açucena têm tido desentendimentos e travado discussões acaloradas em plenário. Nesta quarta-feira (18), antes da sessão plenária iniciada às 15 horas, os dois atenderam a coluna e transmitiram as respectivas versões dos fatos.
O autor da representação, em síntese, alega que Açucena teria atacado a sua honra e a sua moral. “Minha discussão com ela sempre foi no campo político e ideológico. Ela entrou no campo pessoal e atacou a minha pessoa”, diz Camilo.
“Ela afirma que eu não sou vereador. Fala isso abertamente. Diversas vezes ela disse isso em falas na Câmara, e está tudo anexo na representação. Se eu não sou vereador, então o presidente da Câmara está incorrendo em improbidade administrativa, porque eu recebo vencimentos pela Câmara, tenho meu nome no painel de votação, sou convocado para as sessões… Agora, ela tem que me provar o que eu sou”, argumenta o aliado do prefeito. Ele completa:
“Ela alega isso porque eu sou primeiro suplente e assumi. Ora, o suplente nada mais é que um vice. Itamar não assumiu? Temer não assumiu? Fui autorizado pela Justiça Eleitoral a assumir o mandato. Sou diplomado pela Justiça Eleitoral. O senhor, quando me ligou, me chamou de vereador. Eu não tenho essa vaidade. Agora, ela afirmar na TV Web da Câmara, que está aberta ao mundo, que eu não sou vereador… então ela precisa provar que eu não sou vereador”.
O segundo ponto suscitado por Camilo na representação é que, segundo ele, Açucena teria dito em plenário, reiteradamente, que ele está ali “por um acordo”. “Que tipo de acordo? Então agora ela tem que mostrar que tipo de acordo é esse, por qual tipo de acordo eu estou ali.”
Segundo o vereador, sua investida em face de Açucena nada tem a ver com diferenças políticas e ideológicas entre eles (situação versus oposição; direita versus esquerda). “Não tem nada a ver com o fato de ela ser de oposição. Não é pessoal e não tem nada a ver com o prefeito.”
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Açucena: “Não tenho gestão sobre a honra dele”
Alvo da representação, a vereadora Açucena classifica a medida como “mais uma tentativa de intimidação”.
“Não é a primeira vez que o vereador Sérgio Camilo ataca meu mandato. Frequentemente ele me interrompe, xinga a mim e a meu partido. Já me chamou de ‘incompetente’, me chama de ‘vereadora da bandeira vermelha’… Essa é mais uma tentativa de intimidação do nosso mandato, das várias que ele vem fazendo. Recebemos esse pedido com bastante seriedade e atenção, pois é uma medida grave e, aparentemente, injustificada. Então, estamos nos organizando política e juridicamente para o que der e vier.”
Sobre o mérito das alegações de Camilo para fundamentar sua ação, a vereadora afirma que nada mais fez que reportar fatos de conhecimento público.
“Os motivos legais que ele apresenta não chegaram para nós ainda, porque não fomos notificados nem tivemos acesso à denúncia. O que sabemos é o que ele disse na sessão da última segunda-feira, um suposto ‘ataque’ por termos dito que ele não foi eleito e é um vereador suplente em exercício, devido a um acordo de licenciamento de um vereador do seu partido para assumir uma secretaria, e o mesmo, em seu direito, assumiu como vereador suplente. Esses são fatos da realidade. São fatos políticos e públicos, inclusive recorrentes na esfera política, pois ocorrem em diversas Câmaras. Portanto, nós não o atacamos. Nós relatamos fatos públicos: ele não foi eleito e assumiu o mandato como suplente.”
Sobre o “ataque à honra do vereador”, alegado por Camilo, a vereadora afirma: “Eu não tenho gestão sobre a honra dele, sobre o que ele vai sentir em relação aos fatos… Mas esses são os fatos”.
Já durante a sessão plenária desta quarta-feira (18), Açucena discursou da tribuna, na fase dos oradores, e abordou o tema: “O vereador Sérgio Camilo não vai nos calar. […] Quero dizer aqui que eu não tenho medo”.
Muitos apoiadores compareceram às galerias da Câmara em apoio à parlamentar, incluindo um pai de santo e uma mãe de santo. Professante do candomblé, ela é a única mulher entre os 19 atuais vereadores de Cariacica, a mais jovem dos 19, a única petista e a única oposicionista da gestão Euclério Sampaio.
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Qual Corregedoria?
O episódio escancarou um grande paradoxo na Câmara de Cariacica, gerando dúvidas gerais, inclusive entre os dois protagonistas, quanto à sequência dos trâmites para apreciação dos pedidos de Camilo. O vereador quer que Açucena seja julgada por um órgão disciplinar interno que, na prática, nem sequer existe – ou, ao menos, não está constituído.
A página oficial da Câmara de Cariacica não contém nenhuma menção a uma Corregedoria, nem mesmo nas seções “Órgãos da Câmara” e “Estrutura Organizacional”. No Regimento Interno da Casa, tal qual disponibilizado no site oficial, não existe previsão legal de uma Corregedoria.
O próprio Camilo, porém, afirma que, na legislação interna da Câmara, está prevista a existência de uma Corregedoria, incluída em 2013, segundo ele, no Regimento Interno, por meio de um projeto de resolução de sua própria autoria. Isso é o que ele afirma. Entretanto, segundo o mesmo vereador, a Corregedoria se encontra inativa no momento, pois ainda não foi constituída na atual legislatura, iniciada em janeiro. Isso significa que a Mesa Diretora ainda não designou os membros do órgão, o qual, desse modo, está inativo.
“A Corregedoria hoje existe no papel, mas não existe na prática”, afirma Camilo. Outro vereador de Cariacica consultado pela coluna confirma essas informações.
Segundo Camilo, o presidente da Câmara, Lelo Couto (também do União e aliado de Euclério), terá de designar os integrantes e constituir a Corregedoria. Sua representação, segundo ele, seguirá inicialmente para a Procuradoria da Câmara, que deverá emitir um parecer sobre o embasamento legal do pedido, recomendando o arquivamento ou o prosseguimento do processo. Em seguida, ainda de acordo com Camilo, uma vez composta a Corregedoria, a representação deve seguir para análise do órgão.
Isso no que toca ao pedido de cassação. Quanto ao pedido de suspensão imediata do mandato de Açucena, Camilo quer que o requerimento seja encaminhado e apreciado diretamente pelo plenário.
O próprio presidente da Câmara, Lelo Couto, não atendeu às nossas ligações nem respondeu às nossas mensagens, para prestar os devidos esclarecimentos sobre esses ritos internos.
A vereadora Açucena disse não saber que a Corregedoria não está constituída. “Não tenho essa informação, mas não me assusta. Estamos trabalhando para compreender os trâmites. Vamos prezar pela seriedade do processo.”
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O que diz o Regimento Interno
“No Regimento, fala-se de uma comissão instaurada de forma aleatória”, arrisca Açucena, sem muita segurança.
De fato, no Regimento Interno – tal como disponibilizado na página oficial da Câmara de Cariacica –, não há uma só menção a uma Corregedoria.
O que diz o Regimento, na verdade, é que, de posse de denúncia por quebra de decoro contra um vereador, o presidente da Mesa Diretora, na primeira sessão, determinará a sua leitura e consultará o plenário sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída uma Comissão Processante, formada por três vereadores, sorteados entre os desimpedidos (o autor não pode participar), os quais elegerão imediatamente o presidente e o relator.
Inicia-se, então, a fase de instrução processual, no âmbito da Comissão Processante. Esta, ao fim da instrução, deverá aprovar um parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação. O presidente da comissão, então, deverá solicitar ao presidente da Mesa o agendamento da sessão de julgamento em plenário.
O parecer aprovado pela comissão é submetido, então, ao plenário. Será afastado do cargo o vereador que for declarado, pelo voto de, pelo menos, dois terços dos membros da Câmara (13 dos 19 vereadores), incurso em qualquer uma das infrações especificadas na denúncia. Se a decisão for pela absolvição, o presidente da Mesa deverá arquivar o processo; se for por alguma condenação, o presidente deverá editar o correspondente decreto legislativo.
O processo inteiro deverá ser concluído em até 180 dias, contados desde a notificação do acusado.
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