Coluna Vitor Vogas
Quem é a única vereadora de oposição a Euclério em Cariacica
Ela também é a vereadora mais jovem, a única mulher entre 19 parlamentares na Câmara Municipal e a primeira mulher eleita pelo PT na história da cidade
![Vereadora Açucena. Foto: assessoria da vereadora](https://es360.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Acucena-768x1024.jpeg)
Vereadora Açucena. Foto: assessoria da vereadora
Um nome, um rosto e um corpo se destacam na nova composição do plenário da Câmara de Cariacica. O nome em si chama a atenção por ser um raro nome composto; o rosto, por sua juventude; o corpo, por ser o de uma mulher negra, em meio a 18 colegas que são homens e mais velhos que ela (a média de idade dos 18 é de 48 anos). E não é somente por isso que ela destoa dos pares.
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Aos 25 anos, Ilona Açucena Chaves Gonçalves, ou simplesmente Açucena, é a única vereadora eleita pelo PT em Cariacica em 2024, para a legislatura 2025/2028. Aliás, ela é a primeira mulher da história a ser eleita vereadora pelo PT no município da Grande Vitória. Também é a única vereadora declaradamente de esquerda no mandato iniciado em janeiro. E o mais importante de tudo: entre os 19 parlamentares, é a única que se declara opositora da gestão do prefeito Euclério Sampaio (em vias de assumir a presidência do União Brasil no Espírito Santo).
“Sim, sou uma vereadora de oposição àqueles projetos que essencialmente são contra a população e a algumas práticas políticas do atual prefeito. Na saúde, por exemplo, a cidade tem muitos problemas, como falta de medicamentos nos postos. Na educação, o recente fechamento de seis escolas. Todos os moradores de Cariacica sentem hoje, na pele, o descaso da atual gestão. Então me coloco como vereadora de oposição e irei para o debate. Projetos que chegarem em regime de urgência, sem possibilidade de discussão, a gente não vai aceitar.”
Surpresa para quem não acompanha de perto a política de Cariacica – e até para alguns que a acompanham –, Açucena é filha da cidade e, mais especificamente, de Padre Gabriel, bairro da periferia onde nasceu e cresceu. É um bairro fundado pelo movimento popular de luta por moradia, assim batizado em homenagem ao padre francês assassinado em 1989. Também é filha de movimentos sociais e do Partido dos Trabalhadores – aliás, de um casamento entre militantes históricos do partido. “Sou fruto da luta. Cresci nesses espaços.”
Seu pai, o professor Vitor Luiz Nascimento Gonçalves, foi gerente de Igualdade Racial de Cariacica durante o governo de Helder Salomão. Sua mãe, Elaine Silva Chaves, foi dirigente partidária e chegou a ser candidata a vereadora, em 2004 – ano da primeira eleição de Helder para a prefeitura.
Açucena é formada em Enfermagem pela Ufes. Orgulha-se em dizer que entrou na universidade pelas cotas raciais, no fim de 2017. Está prestes a concluir o curso de mestrado, na mesma instituição, em Saúde Coletiva. Sua pesquisa é sobre a implementação da política nacional de saúde da população negra no Espírito Santo.
Sua atividade política começou no movimento estudantil (foi diretora do DCE da Ufes) e, destacadamente, no movimento negro. Antes mesmo de entrar no PT, ela começou a militar em uma organização chamada Movimento Negro Unificado (MNU). Nos tempos estudantis, também ingressou na Juventude Quizomba, movimento ligado a uma das correntes internas do PT, a Democracia Socialista (DS), da qual faz parte.
Devido à atividade dos pais, ela cresceu respirando a atmosfera do PT, em meio a reuniões e eventos partidários. Formalmente, porém, só se filiou em 2019, aos 20 anos.
Dois anos depois, veio sua primeira experiência eleitoral. Em 2022, exercitando a proposta de “candidatura coletiva”, Açucena lançou seu nome com o de outros dois jovens militantes petistas: Ivo Lopes, da Serra, e Manu Kisse, de Vitória. Como a legislação eleitoral brasileira não acolhe a hipótese de “candidatura coletiva” (dois ou mais candidatos com o mesmo registro), o nome registrado no TSE foi “Ivo Coletiva Raça e Classe”. Era ele, oficialmente, o candidato.
O coletivo obteve 5.756 votos, conferidos principalmente pela comunidade acadêmica. A votação passou longe da necessária para alguém se eleger deputado federal, mas foi bastante animadora para ela dar seu passo seguinte: desde o lançamento da candidatura coletiva a federal, seu projeto já era se candidatar a vereadora de Cariacica em 2024, ou seja, a campanha para federal foi usada como um trampolim para ela pegar experiência e se tornar mais conhecida na cidade. Deu certo, afirma ela:
“Foi muito importante. Trouxe uma experiência e apresentou uma janela de oportunidade. Fizemos a campanha praticamente dentro da universidade. Nossa votação mostrou que as pessoas, sobretudo os mais jovens, estão mesmos buscando novos rostos, com novas ideias”.
No PT, a Democracia Socialista é uma corrente minoritária e pequena. Seu expoente, no passado, foi o deputado estadual Otaviano de Carvalho – morto num acidente de automóvel em 1999, como recordado pelo presidente Lula, testemunha do episódio, durante seu discurso na inauguração do Contorno do Mestre Álvaro, na Serra, em dezembro de 2023.
Hoje, no Espírito Santo, o PT é controlado por duas outras correntes: a Construindo um Novo Brasil (CNB), da deputada federal Jack Rocha, e a Alternativa Socialista (AS), do deputado estadual João Coser. Já a DS forma com outras correntes o campo Para Voltar a Sonhar – entre elas, a Resistência Socialista, do hoje deputado federal Helder Salomão, principal referência do PT em Cariacica, e a Articulação de Esquerda, da educadora Célia Tavares.
Célia foi candidata a prefeita e uma das duas adversárias eleitorais de Euclério na eleição de 2024 – o outro foi Ivan Bastos (PL). Bem avaliado em pesquisas e liderando uma coligação gigantesca, com nada menos que 14 siglas, Euclério se reelegeu com grande facilidade, alcançando a notável marca de 88,4% dos votos válidos. Célia obteve 9,0%.
Açucena fez campanha diretamente com Célia em Cariacica, incluindo material casado e várias atividades de rua. Foi eleita por média, com 2.644 votos.
Agora, com a debacle de Célia nas urnas e a hegemonia de Euclério e seu grupo, a jovem Açucena debuta na Câmara de Cariacica com responsabilidades triplicadas. Uma delas é a de representar, sozinha, não só o PT, mas uma esquerda mais orgânica. Outra é representar, isoladamente, a oposição a Euclério no plenário.
Opondo-se ao prefeito à direita, o PL não fez nenhum vereador. Todos os outros 18 estão na base do prefeito. O PT na verdade faz parte de uma federação partidária, a Brasil da Esperança, também formada por PV e PCdoB. Para se ter uma ideia, esses outros dois partidos apoiaram a reeleição de Euclério, e o outro vereador eleito pela federação, Cesinha (PV), agora é o líder do prefeito na Câmara, função que já havia exercido no mandato passado.
Bandeiras e causas
Açucena chega à Câmara para, segundo ela, “construir um mandato que seja ponte para os movimentos sociais, que seja um instrumento de luta da classe trabalhadora, que não seja subserviente ao Poder Executivo e a práticas clientelistas”.
Como “sujeitos prioritários”, ela pretende representar as mulheres, a juventude, as religiões de matriz africana, professores e professoras e agentes culturais.
Também chega empunhando as bandeiras da educação, da saúde, da cultura, do direito das mulheres, dos direitos humanos (englobando a população LGBT e pessoas com deficiências) e do direito à cidade.
Onda conservadora
Nos últimos anos, tem-se observado em âmbito nacional um fortalecimento de partidos que se proclamam conservadores. E um ideário mais conservador, latente na sociedade brasileira, tem desaguado nas urnas. Nas últimas eleições municipais, isso ficou patente, com a “onda conservadora” varrendo as urnas e a vitória expressiva de partidos de centro e de direita. Foi assim no país. Foi assim no Espírito Santo. E não foi diferente em Cariacica – haja vista a conformação do novo plenário da Câmara Municipal.
Diante dessa constatação, um desafio adicional se impõe a Açucena. Ao ouvi-la declinar suas bandeiras, citando temas como “direito das mulheres”, “população LGBT”e “religiões de matriz africana”, logo pensamos: ela terá trabalho em plenário. Terá de enfrentar forte resistência dos pares, especialmente uma bancada conservadora majoritária hoje ali instalada. Aliás, já está enfrentando, nas primeiras sessões. Como pretende lidar com isso?
“Temos trabalhado com uma ideia de que estamos ali para colocar o debate político novamente no centro público, para que as pessoas saibam o que se passa, o que acontece com as religiões de matriz africana, o que acontece com as mulheres da nossa cidade… Então esperamos que possa haver debate, mas que seja um debate construtivo, pois estamos falando da realidade: por exemplo, que mulheres são vítima de violência o tempo todo na cidade e não tem um centro de atendimento à mulher vítima de violência para ela recorrer, no máximo uma delegacia… Então queremos levar pautas reais, que mexem com a vida das pessoas. E esperamos que esses debates levem de fato a uma construção política.”
Candomblé e turbante
Açucena professa o candomblé. Encerrou seu processo de iniciação no dia 3 de novembro. Depois, passou os três meses seguintes vestindo só roupas brancas e turbante idem, indumentária usada durante o “preceito”, como é conhecido esse período. O rito se encerrou na última segunda-feira (10) – mas ela vestia branco ao receber a coluna em seu gabinete. “Passou o período, mas continuo usando.”
Quando nos concedeu esta entrevista, a vereadora também exibia um ojá, como se chama o turbante com que ela aparece na foto acima. Também assim, de turbante – símbolo de afirmação identitária das culturas de matriz africana –, a vereadora estreante tem comparecido às primeiras sessões plenárias do ano. E, ao menos no começo do mandato, pretende manter o visual, o qual a destaca mais ainda dos demais na nova Câmara de Cariacica. “Não necessariamente, mas faz parte do meu cotidiano. Então, por enquanto, as pessoas vão me ver assim.”
O PT no mandato passado
No pleito municipal anterior, em 2020, o PT elegeu um vereador em Cariacica: André Lopes. Mas, no meio do mandato, tendo conseguido a liberação, ele migrou para o PSB, após brigar com a direção estadual. Pelo partido do governador Renato Casagrande, Lopes não conseguiu se reeleger.
Açucena herdou o gabinete dele.
Ídolos e referências
Em primeiro lugar, como maior referência no PT e na política, a jovem vereadora destaca a ex-presidente da República Dilma Rousseff, presidente, desde 2023, do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como “Banco dos Brics”.
Academicamente, ela enaltece a importância de pensadoras negras, como Angela Davis, Sueli Carneiro, Carla Akotirene e Beatriz Nascimento.
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