Coluna Vitor Vogas
As críticas e alertas de Casagrande sobre o governo Lula
Para governador do ES, presidente passa “o seu pior momento” considerando seus três mandatos – mais difícil até que no mensalão. Para se recuperar, diz Casagrande, “precisará de um esforço gigantesco”

Casagrande se reuniu com o presidente Lula nesta quarta-feira, em Brasília. Foto: Divulgação (Ricardo Stuckert)
O governador Renato Casagrande (PSB) foi o entrevistado da última edição do tradicional programa “Canal Livre”, da Band, na noite do último domingo (15). Por cerca de uma hora, em entrevista com tom muito positivo para ele, discorreu sobre realizações de sua administração, como o equilíbrio fiscal do Espírito Santo, investimentos em infraestrutura, o Fundo Soberano, o Programa Estado Presente e a queda dos homicídios. Mas também foram abordados temas da agenda nacional. Instado pelos entrevistadores a opinar sobre medidas e desempenho do governo Lula, Casagrande registrou algumas críticas pessoais e alertas.
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Para o governador, Lula vive, atualmente, “o momento mais desafiador” de seus três governos. Nem o período da crise do mensalão, em 2005, no primeiro governo do petista, teria sido tão difícil do ponto de vista político. “Ele passa, nos três mandatos dele, o seu pior momento.”
Isso porque, enquanto vê derreterem seus níveis de aprovação, o presidente da República, segundo Casagrande, já “não comanda a política no Congresso” – realidade oposta à de seus dois primeiros mandatos. “O presidente perdeu o comando político na relação com o Congresso Nacional.”
Para Casagrande, Lula ainda tem tempo de se recuperar a ponto de chegar competitivo em 2026, “mas ele sabe que vai precisar de um esforço gigantesco para isso”.
No entender do governador, o governo Lula peca muito na comunicação pública, sobretudo por não sinalizar, assertivamente, um compromisso real e geral, comungado por todos os seus integrantes (incluindo o próprio presidente), com a responsabilidade fiscal. “Como o governo se divide entre quem parece que quer gastar mais e quem quer economizar mais, isso não gera confiança.”
O próprio Lula, completemos, poderia ser posicionado entre os que “parecem querer gastar mais”: constantemente, ao longo do atual mandato, manifesta pontos de vista que vão de encontro aos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), desautorizando-o publicamente.
Casagrande afirmou ter sido contra a proposta do IOF e acreditar que ela tenha poucas chances de passar no Congresso Nacional.
Para o chefe do Executivo do Espírito Santo, o governo Lula tem bons resultados a exibir, “no desemprego, que é baixo, no controle da inflação, no combate ao desmatamento, na Nova Indústria Brasil”, porém demora demais a reagir a fatos negativos na batalha da informação – e essa “letargia”, como definiu Casagrande, acarreta perda de popularidade. “Ele precisa unificar a sua reação e ser mais rápido nessa reação. A situação do presidente no Congresso Nacional é uma situação difícil.”
Ainda segundo o governador – não obstante suas ponderações –, o PSB deve reeditar o apoio a Lula e a aliança com o PT na próxima eleição presidencial, se o petista de fato concorrer à reeleição. Ele defende, ainda, a manutenção de Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente, mas “sem faca no pescoço” por parte do PSB.
Casagrande ainda deu uma alfinetada em Paulo Hartung, cometeu (mas consertou a tempo) um possível ata falho, afirmou que apoiará Ricardo Ferraço (MDB) se ele for mesmo candidato a governador e disse se arrepender de ter apoiado, no passado, o financiamento público de campanhas no Brasil. “Foi um erro que cometemos”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista de Casagrande:
Situação do presidente: “Lula vai precisar de um esforço gigantesco”
“O presidente Lula sabe do seu desafio. Ele passa, nos três mandatos dele, o seu pior momento, de impossibilidade de coordenação política, porque não tem os instrumentos para coordenar a política, de letargia na reação aos fatos negativos do governo e de uma eleição superantecipada, porque, se ele estivesse mais bem avaliado, talvez pudesse inibir um pouco o debate. Ele tem tempo de recuperar? Tem, tem tempo de recuperar. Mas ele sabe que vai precisar de um esforço gigantesco para isso.”
Situação de Lula 2: “Nem na época do mensalão, a situação [para Lula] foi tão desafiadora”
“Se o presidente Lula for candidato, a tendência do PSB é, no ano que vem, aprovar a continuidade da aliança com o presidente Lula. […] A hora dele é a hora mais desafiadora que ele tem da sua vida como presidente da República. Dos três mandatos dele, é este momento. Nem na época do mensalão, em que eu era deputado federal, a situação foi tão desafiadora, porque naquela época ele tinha o comando sobre o Congresso Nacional. Hoje, ele não tem. Essa é a grande diferença.”
Medidas difíceis de aprovar: “O presidente não comanda a política no Congresso”
“O governo mandou a proposta do IOF [para o Congresso]. Eu me manifestei contra, porque acho que o IOF é um tributo regulatório, não arrecadatório. Para o comércio internacional, seria muito ruim. Para as operações de crédito, seria muito ruim. E, pelo que vi nestes últimos dias, o governo agora vai fazer um debate político. Como ele não consegue essa concertação, porque o presidente da República não comanda a política no Congresso porque a desvantagem na composição do Congresso é muito grande contra o presidente Lula, então ele vai fazer o debate político, ele vai dizer o seguinte: ‘Estou tirando tributo de pessoa pobre, quem ganha até R$ 5 mil não vai ter mais Imposto de Renda, e vou taxar aquelas pessoas que ganham mais. Então acho que ele vai partir para um debate político sobre esse tema. Mas o ambiente hoje é um ambiente muito difícil de votar essas matérias no Congresso Nacional.”
Equilíbrio fiscal: “Governo tem que acertar essa comunicação”
“Nesse caso é sinal, é comunicação do governo. O governo precisa demonstrar, mesmo que seja difícil alcançar um equilíbrio fiscal em pouco tempo, mas o governo precisa demonstrar que está buscando esse equilíbrio fiscal. E a comunicação do governo nestes últimos dois anos não foi uma comunicação assertiva com relação a isso. A busca por um equilíbrio fiscal precisa ser uma comunicação permanente, os atos sustentando essa comunicação. Mas, como o governo se divide entre quem parece que quer gastar mais e quem quer economizar mais, isso não gera confiança. A moeda mais importante de um governo é a confiança que ele pode gerar.”
Letargia: “Lula precisa unificar a sua reação e ser mais rápido nessa reação”
“É importante a gente registrar que o governo tem resultados. Tem resultados no desemprego, que é baixo, no controle da inflação, no combate ao desmatamento, na Nova Indústria Brasil… São políticas importantes do governo. Mas às vezes a demora do governo em reagir a um fato negativo, como foi o assunto do Pix, que começou um certo efeito dominó de notícias negativas para o governo, depois o assunto do INSS, agora a questão do IOF. Essa forma de apresentar e, na hora em que dá o problema, a demora para reagir de fato criou uma dificuldade para o governo do presidente Lula. Ele precisa unificar a sua reação e ser mais rápido nessa reação. A situação do presidente no Congresso Nacional é uma situação difícil. Ele começou o governo com minoria no Congresso. Tentou fazer uma composição ampla. Os parlamentares não seguem uma orientação partidária. Mesmo que os partidos tenham membros no governo, não seguem… até porque, hoje, o parlamentar pode ser completamente contra o presidente da República e pode até xingar o presidente da República o dia inteiro que ele vai ter, no final do ano, tantos milhões de reais de emendas executadas na sua base. Então veja como o presidente perdeu o comando político na relação com o Congresso Nacional. E isso, num ambiente de desvantagem ideológica como ele tem no Congresso, dificulta muito a vida dele. Se essas matérias forem votadas agora, sem esse debate permear a sociedade brasileira, certamente o governo será derrotado.”
Alckmin vice de novo: “Não tem ninguém melhor que ele para o papel [de vice]”
“Com um vice de tantas qualidades como Geraldo Alckmin, eu acho que não tem ninguém que possa cumprir um papel melhor do que ele. […] O PSB não discutiu isso e não vai ficar exigindo nada […], não vai ficar com faca no pescoço.”
Financiamento público de campanha: “Foi um erro que cometemos”
“Eu fui defensor, no passado, de financiamento público de campanha. Um erro que nós cometemos no Brasil. É dinheiro que não dá conta. É muito dinheiro pra partido e pra eleição, só que esse dinheiro não financia as campanhas completamente. Mas isso virou uma busca por esse dinheiro. Grande parte dos partidos políticos tem um projeto de eleição de deputados federais na Câmara. Todo mundo, inclusive o PSB, precisa eleger 30 deputados para poder sobreviver. Lá atrás, quando se criou uma cláusula de barreira de 5% e o Supremo derrubou, foi um erro do Supremo, porque tinha sido feito lá atrás a consolidação de partidos ideológicos e com projeto nacional. A mercantilização da política fez com que a gente tivesse hoje um cenário partidário com muitos partidos sem projeto nacional. Têm projeto de eleição de deputados federais, mas não têm projeto de Brasil.”
Ricardo Ferraço: “Ele sendo candidato, sim, eu o apoio”
“Posso ser candidato ao Senado. Se eu for candidato a alguma coisa, é ao Senado. Ou posso ficar no governo. A tendência maior é eu ser candidato ao Senado. Naturalmente, se eu for candidato ao Senado, o Ricardo Ferraço assume o governo. Ele é meu vice-governador. E aí vira o candidato mais bem posicionado…”
Um entrevistador, neste ponto, pergunta: “O senhor o apoia?”
Casagrande responde: “Ele sendo candidato, sim. Nós temos, dentro do nosso movimento político, outras lideranças que querem ser candidato. É por isso que a gente está tratando desse assunto com cuidado. Seja com Ricardo ou seja com outro, a gente precisa agregar. Modéstia à parte, o Espírito Santo está num bom caminho. Está conseguindo enfrentar os desafios, se desenvolver. E a gente não pode perder tempo. Então a gente está tentando o máximo de união de forças políticas para a gente sair um pouco desse debate ideológico e cuidar dos nossos interesses lá no Espírito Santo.”
Alfinetada em Hartung: “Tem gente que só quer fazer gestão fiscal”
Sobrou aquela já corriqueira alfinetada no ex-governador Paulo Hartung:
“Tem gente que quer só fazer gestão fiscal responsável sem produzir resultado para a sociedade. Nós temos gestão fiscal responsável e produzimos resultado”.
Ops…: “Se você não for bom, você não vai se reeleger”
Casagrande por pouco não deixou uma opinião que poderia se voltar contra ele mesmo (um ato falho?).
Ao defender a manutenção do sistema de mandatos de quatro anos para chefes do Executivo, com direito a uma reeleição, o governador concluiu: “Se você não for bom, você não vai ser reeleito…”
Mas ele mesmo não conseguiu se reeleger em 2014. Logo, por esse raciocínio do governador, poderíamos entender que ele mesmo avalia não ter sido “bom” em seu primeiro mandato e que por isso não se reelegeu naquele pleito.
Muito rapidamente, Casagrande tratou de emendar o raciocínio: “Ou, se a conjuntura não permitir, você não vai ser reeleito”.
Então tá explicado: foi “a conjuntura” de 2014.
A relação de Casagrande com Lula e o PT
O governador Renato Casagrande (PSB) é aliado do presidente Lula (PT). Seu partido, o PSB, do qual é quadro histórico e dirigente nacional, é não só um dos principais parceiros do atual governo como tem o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB).
No entanto, dentro do PSB, Casagrande se destaca, nos últimos anos, como membro de uma ala “menos entusiasmada” com a aliança com o PT.
Em 2018, ele foi um dos entusiastas de uma candidatura do ex-ministro do STJ Joaquim Barbosa pelo próprio PSB, a qual não passou do primeiro esboço. Para a eleição presidencial de 2022, animava-se mais com a ideia de uma candidatura que representasse uma coalizão de forças do centro progressista democrático. A direção nacional do PSB preferiu se coligar com o PT e apoiar Lula.
Quase de maneira proforma e sempre fazendo questão de ressaltar sua disciplina e seu respeito às decisões partidárias, Casagrande declarou apoio a Lula. Na eleição estadual, não fez campanha nem pediu votos para o petista – que nem esteve no Espírito Santo. No 2º turno contra Manato (PL), autorizou – ou, no mínimo, fez vista grossa – para a estratégia do voto Casanaro: vários aliados, como Da Vitória (PP) e Gilson Daniel (Podemos), ou então aliados, como Alexandre Ramalho (agora sem partido), declararam voto em Casagrande para governador, mas em Bolsonaro para presidente da República.
