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Coluna Vitor Vogas

Corrupção na Serra: Justiça aponta papel de cada acusado

E mais: “clube de amigos”, “círculo de comparsas”, “consórcio criminoso”… o que diz o juiz que aceitou a denúncia oferecida pelo MPES e afastou quatro vereadores acusados de corrupção passiva em suposto esquema de propina

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Acusados de corrupção na Serra

Acusados de corrupção na Serra

Um “clube de amigos”, um “consórcio criminoso”, um “círculo de comparsas”, adeptos da “antiga e nefasta prática do compadrio político”, “prática espúria enraizada” no Legislativo da comarca da Serra, visando atender a “escusos interesses privados”. As palavras não são minhas. Foram postas no papel pelo juiz da 2ª Vara Criminal da Serra, Gustavo Grillo Ferreira, na decisão em que determinou o afastamento imediato, por prazo indeterminado, de quatro vereadores da cidade acusados de corrupção passiva pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES): o presidente da Câmara Municipal, Saulinho da Academia (PDT), além dos vereadores Teilton Valim (PDT), Cleber Serrinha (MDB) e Wellington Alemão (Rede).

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Nesta terça-feira (23), o juiz também recebeu a denúncia do MPES contra os quatro parlamentares e contra dois ex-vereadores da Serra, Luiz Carlos Moreira (MDB) e Aloísio Santana (MDB) – estes, por corrupção ativa.

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O magistrado evitou antecipar juízo, pois a ação penal acaba de ser deflagrada e agora começará a fase de instrução processual. Os seis acusados têm dez dias para apresentar a defesa preliminar. No entanto, segundo o próprio juiz Gustavo Grillo, os elementos probatórios trazidos na denúncia do MPES revelam “um esquema de favorecimento ilegal reiterado”, com “a possibilidade, plausível, de haver outros agentes políticos envolvidos, porém não identificados (ainda)”. O suposto esquema, portanto, pode ir além dos quatro vereadores incluídos pelo MPES na denúncia, alastrando-se ainda mais pela atual legislatura da Câmara.

Para contextualizar, a denúncia por corrupção resultou de investigação, também conduzida pelo MPES, deflagrada a partir de um áudio gravado em 2024 e entregue pelo então vereador Anderson Muniz. Trata-se de uma reunião realizada pelos quatro vereadores acusados de corrupção passiva e outros colegas, nas dependências da Câmara da Serra, no dia em que seria votado um projeto de lei enviado pela Prefeitura Municipal. A iniciativa de lei visava viabilizar a regularização de imóveis pertencentes ao poder público, mas utilizados há muito tempo por particulares no município.

No diálogo, os parlamentares discutem abertamente maneiras de obterem vantagens indevidas como contrapartida para aprovarem o projeto, incluindo o possível pagamento da quantia de R$ 100 mil e até um terreno no bairro Carapebus que valeria mais que isso, oferecido por intermediário de um empresário interessado na aprovação da matéria. Eles chegam a falar em uma emenda, apresentada por Wellington Alemão (Rede), para atender a interesses privados de terceiros, ampliando as possibilidades de regularização de imóveis, em troca do pagamento de vantagem indevida.

Para o MPES, o diálogo também indica que a prática seria habitual na Câmara da Serra e também teria sido empregada durante a tramitação de outros projetos estratégicos do Poder Executivo Municipal de grande importância para agentes privados, como o Plano Diretor Municipal (PDM).

Na decisão de afastamento cautelar, com base em trechos do diálogo usado como núcleo probatório da denúncia, o juiz Gustavo Grillo discriminou a atuação de cada um dos seis acusados de envolvimento no suposto esquema de captação de propina. Reproduzimos a seguir suas conclusões:

CLEBER LIMA PEREIRA (Cleber Serrinha)

Nas falas transcritas, dirige-se ao vereador Wellington cobrando esclarecimentos sobre a emenda e explicitando a pretensão de que “a situação” caia “pra todo mundo”, o que demonstra atuação voltada à distribuição da vantagem entre parlamentares e ciência da existência da contraprestação condicionada à votação.

SAULO MARIANO RODRIGUES NEVES JÚNIOR (Saulinho da Academia)

O presidente da Câmara, além de intervir nas tratativas e declarar-se responsável por “correr atrás” em benefício de todos os vereadores, manifesta-se na reunião no sentido de articular a solução com o particular, chegando inclusive a propor contato telefônico imediato com o oferecedor da vantagem (indicação de ligar “no viva-voz”) e a afirmar que o tratamento buscado seria “pra todo mundo”. O papel institucional de presidente, somado à dinâmica do diálogo, confere especial gravidade à sua participação.

VALTEILTON DE FREITAS VALIM (Teilton Valim)

Participou da conversa reconhecendo a existência da negociação, criticando o montante ofertado e cogitando inclusive a derrubada do projeto diante da suposta desproporção entre o vulto da matéria e o valor individual ofertado, demonstração, em tese, de conhecimento concreto da contraprestação e da intenção de condicionar o voto à vantagem.

WELLINGTON BATISTA GUIZOLFE (Wellington Alemão)

Autor da emenda e elo direto com o particular que ofereceu a vantagem; no diálogo, descreve a proposta (terreno de 6.000 m² ou contraprestação financeira), informa e negocia possibilidades, o que o coloca como núcleo articulador do trato entre particulares e parlamentares. Os elementos acima apontados, tomados em conjunto, portanto, delineiam, sem a menor complexidade e dúvida, situação em que agentes públicos, valendo-se do exercício de mandato eletivo, condicionam a atividade legislativa – aprovação de projeto de lei

LUIZ CARLOS MOREIRA

Dos elementos probatórios colacionados extrai-se indício consistente de que Luiz Carlos figura no processo na qualidade de ofertante/intermediário da vantagem. Consoante a gravação periciada, a transcrição e as demais peças do Procedimento Investigatório Criminal, Luiz Carlos é identificado como aquele que formulou a proposta de contraprestação (alternativamente terreno de “6.000 metros” ou quantia – indicada no diálogo como “100”, interpretada na peça acusatória como R$ 100.000,00) destinada a influenciar a atuação parlamentar quanto à aprovação da emenda/projeto de lei objeto da tratativa.

Nos autos há indicação de que Luiz Carlos manteve contatos diretos com o vereador Wellington e com outros parlamentares, participou do ajuste quanto ao montante e à forma de entrega da vantagem, e manifestou disposição de viabilizar a concretização do repasse, agindo, assim, como agente ativo da negociação. Tais atos, em tese, revelam a tipicidade do crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal Brasileiro) – ao ofertar/prometer vantagem a agente público para determinado ato de ofício – bem como articulam a conexão fática com os delitos de corrupção passiva supostamente praticados pelos vereadores.

ALOÍSIO FERREIRA SANTANA

Também se verificam, à luz das provas provisórias, indícios de atuação de Aloísio como interlocutor e facilitador da vantagem ofertada. Os elementos constantes dos autos apontam que Aloísio participou das tratativas presenciais/telefônicas que precederam e acompanharam a reunião dos vereadores, atuando como articulador entre o particular ofertante e os parlamentares, sugerindo modalidades de fracionamento e distribuição do benefício e coordenando meios de contato (inclusive no sentido de efetivar comunicação em viva a voz ou encontros presenciais).

Os fortes indícios de materialidade e a autoria, nesta fase, encontram lastro nas anotações, gravação e transcrição periciada que registram a sua intervenção nas negociações, circunstância que o situa como coautor/partícipe do ajuste que buscava condicionar a atividade legislativa à obtenção de vantagem indevida. Na perspectiva do direito penal, as condutas descritas, se confirmadas em instrução, consubstanciam o núcleo do art. 333 do Código Penal (oferta/promessa de vantagem a funcionário público) e justificam a sua inclusão na ação penal.