fbpx

ES360

Conselheiros de contas do ES aprovam verba extra que turbina a própria remuneração

No Estado, juízes, desembargadores e membros do MPES já recebem o mesmo penduricalho que, na prática, permite que sua remuneração fure o teto constitucional. A cada três dias de “acúmulo” de funções administrativas ou de acervo processual, a autoridade ganha um dia de descanso ou uma “indenização”. “Licença compensatória” pode aumentar salários em mais de 30%

Publicado

em

Tribunal de Contas do Espírito Santo. Foto: Divulgação (TCES)

Tribunal de Contas do Espírito Santo. Foto: Divulgação (TCES)

Os sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCES) aprovaram, na última terça-feira (28), a criação de uma verba extra em benefício deles mesmos. A chamada “licença compensatória” será paga aos próprios conselheiros e aos procuradores especiais de contas que atuam junto ao TCES. Na prática, o penduricalho tende a turbinar os salários dessas autoridades, contribuindo para que sua remuneração fure o teto constitucional.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

A cada três dias seguidos de “desempenho cumulativo de cargos ou de funções”, ou de “acumulação de acervo processual”, o conselheiro ou procurador de contas passa a ter direito a um dia de “licença compensatória”, “autorizada a sua conversão em pecúnia indenizatória, a critério da administração” do TCES.

Assim, a cada três dias de trabalho acumulando cargos ou funções, ou com sobrecarga de processos para análise em seu gabinete, o conselheiro ou procurador de contas poderá tirar um dia de folga. Mas aí vem o pulo do gato: esse dia de descanso poderá ser convertido pela direção do tribunal em verba indenizatória, ou seja, uma indenização em dinheiro, acrescida à remuneração no contracheque do conselheiro ou procurador de contas contemplado.

A “licença compensatória” fica instituída por meio da Resolução nº 389 do TCES, aprovada à unanimidade pelos conselheiros na primeira sessão do Conselho Superior de Administração em 2025 e publicada nesta quarta-feira (29) no Diário Oficial.

A criação do benefício foi aprovada no mesmo dia em que os conselheiros de contas decidiram, em sessão plenária, suspender o reajuste salarial dos prefeitos de seis cidades capixabas (Vila Velha, Serra, Cariacica, Água Doce do Norte, Piúma e São José do Calçado), acolhendo pedido do Ministério Público de Contas, sob a alegação de que as respectivas leis municipais descumpriram o prazo legal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o princípio da impessoalidade consagrado pela Constituição Federal.

De acordo com a Resolução nº 389, o limite para o pagamento da licença compensatória no TCES será de dez dias por mês – não permitido o uso de “crédito” no mês subsequente.

Assim, a cada três dias de serviço acumulando cargos, funções ou acervo processual, o conselheiro ou procurador de contas poderá ter o salário do mês turbinado proporcionalmente.

Na prática, ao fim do mês, se fizer jus a dez dias de licença compensatória, ele poderá receber, no contracheque, o acréscimo de uma espécie de “adicional de 1/3” sobre sua remuneração, como se tivesse “vendido” ao tribunal dez dias de folga adquiridos.

Ou isso ou ele terá o direito de gozar dez dias de folga a cada 30 dias de serviço nessas circunstâncias – o que é difícil imaginar que alguém faça, até porque essas autoridades já têm dias de férias suficientes, que também podem ser parcialmente “vendidos”.

Como o penduricalho tem caráter indenizatório, ele não incide no Imposto de Renda e não está sujeito ao teto constitucional, que é vinculado ao subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no valor de R$ 46,3 mil a partir de fevereiro deste ano.

Hoje, um conselheiro de contas titular já recebe o salário bruto de R$ 39.717,69, assim como um membro do Ministério Público de Contas. Já um conselheiro substituto recebe R$ 37.731,81.

Os salários correspondem aos dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) e aos dos procuradores de Justiça, já que, constitucionalmente, as carreiras são equiparadas, ou seja, membros dos tribunais de contas fazem jus aos mesmos vencimentos e benefícios dos membros da magistratura e do Ministério Público.

É exatamente essa equiparação que está no centro da questão aqui.

O penduricalho agora criado pelo TCES já existe, em termos similares, na Justiça Estadual e no Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES).

No preâmbulo da resolução do TCES, assinada pelos sete conselheiros, eles destacam “a equiparação constitucional existente entre os membros da magistratura nacional e os membros dos tribunais de contas do Brasil, bem como com os membros do ministério público brasileiro”.

Também lembram que “os conselheiros do TCES gozam das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos desembargadores que compõem o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES)”.

Ressaltam, ainda, que “aos procuradores do Ministério Público junto ao TCES são asseguradas as mesmas garantias, direitos e vantagens previstos para os membros do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES)”.

Nos termos da resolução aprovada, a concessão da licença compensatória aos membros do TCES e do Ministério Público de Contas será feita mediante o cumprimento de metas de desempenho. Estas, porém, não são especificadas na resolução.

De acordo com o artigo 3º, as metas ainda serão “fixadas em decisão plenária”.

A turbinada no salário

Em tese, com direito a dez dias de licença compensatória em determinado mês, um conselheiro titular ou procurador de contas poderá receber um acréscimo de R$ 13,2 mil ao subsídio de R$ 39,7 mil, totalizando, naquele mês, a remuneração bruta de R$ 52,9 mil (sem contar outras vantagens eventuais).

O valor é bem superior ao teto de R$ 46,3 mil.

O que prevê a resolução do TCES

A resolução do TCES estabelece o direito à licença compensatória para o conselheiro, o conselheiro substituto e o procurador de contas “que atuar em situação de acúmulo de acervo processual, procedimental e administrativo”, em 16 hipóteses.

No texto da resolução, você encontra todas elas na íntegra, mas as situações que configuram “acúmulo” incluem tudo o que se possa imaginar, até o desempenho de atividade de representação institucional.

Se um conselheiro for designado pelo presidente para representar o TCES, “nas suas relações externas, em atos ou solenidades”, fará jus à licença compensatória.

Se atuar em órgão com função administrativa – enquanto cumpre suas obrigações regulares no plenário, na câmara jurisdicional da qual faça parte ou na Procuradoria de Contas –, terá direito à licença compensatória.

Se substituir o presidente em sessão de julgamento, virtual ou presencial, ou a um conselheiro titular em qualquer colegiado, fará jus à licença compensatória.

De igual modo se, além de suas funções ordinárias, um conselheiro ou procurador de contas prestar “qualquer atividade administrativa, jurisdicional ou ministerial que seja considerada relevante ao controle externo”; se for designado “para atuar em conselhos, comissões, projetos, grupos de trabalho e assemelhados, do tribunal ou de outros órgãos e entidades vinculadas ao controle externo brasileiro”; se exercer “atribuições administrativas delegadas, no todo ou em parte, por ato específico do presidente ou do procurador-geral de contas”.

O vice-presidente do TCES terá direito ao benefício se for escalado pelo presidente para supervisionar unidades ou serviços do tribunal.

E por aí vai…

Judiciário e Ministério Público: o efeito cascata

A rigor, a nova resolução do TCES equipara o tribunal ao que já é praticado no âmbito do Ministério Público Estadual (desde 2023) e do Poder Judiciário Estadual (desde 2024). Nessas duas outras instâncias, a concessão da licença compensatória já existe.

Na Justiça Estadual, foi instituída por meio da Resolução 83, de 19 de julho de 2024, do Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES). No MPES, foi estabelecida pela Portaria 813, de 2 de outubro de 2023, da Procuradoria-Geral de Justiça.

Ambos os dispositivos regulamentaram o artigo 5º da Lei Complementar Estadual 1.047, de 27 de junho de 2023. O projeto de lei complementar foi apresentado um dia antes pela então procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, e aprovado pelos deputados estaduais em regime de urgência, requerido pelo presidente da Assembleia, Marcelo Santos (União).

O artigo 5º dessa lei é um clássico “jabuti”, enfiado no meio de um projeto enorme que dispõe sobre uma série de outras alterações relacionadas aos mais variados aspectos estruturais e administrativos do MPES. Diz o seguinte: “Ao plantão e ao acúmulo de acervo processual, procedimental e administrativo, aplica-se, no que couber, os arts. 93, inciso IX, e 104-A da Lei Complementar nº 95, de 28 de janeiro de 1997”.

A Lei Complementar nº 95/1997 é a Lei Orgânica do Ministério Público Estadual. Seu artigo 104-A foi incluído pela Lei Complementar nº 916/2019, também de autoria do então chefe do MPES, o hoje desembargador Eder Pontes, a qual determina o seguinte:

O desempenho cumulativo de cargos ou de funções, qualquer que seja o número de acumulações, conferirá direito a 1 (um) dia de licença compensatória a cada tríduo [três dias consecutivos], dividido em partes iguais entre os membros designados.

Parágrafo único. A licença compensatória, devidamente regulamentada por ato do Procurador-Geral de Justiça, poderá ser convertida em pecúnia indenizatória, a critério da administração.

É exatamente a mesma regalia que o TCES acaba de instituir para seus membros.