Coluna Vitor Vogas
Entrevista (Sérgio Meneguelli): “Sou senador moralmente e pelo povo”
Acusando o próprio partido de ter sido covarde com ele, campeão de votos na Assembleia afirma que buscará todos os meios (amigáveis e legais) para sair do Republicanos sem perder o mandato conquistado. “Me sinto um estranho no ninho. Não confio na direção do partido. Quero minha carta de alforria.” Confira a entrevista completa

Sérgio Meneguelli recebe o diploma de deputado estadual em cerimônia no TRE-ES. Foto: TRE-ES
Na linda e emocionante sequência final de “Um Estranho no Ninho” (1975), o gigantesco paciente de origem indígena quebra a janela do manicômio e sai correndo em direção à liberdade. Isso após ter praticado eutanásia em seu amigo, Randle McMurphy, protagonista do filme, em papel que rendeu o primeiro Oscar a Jack Nicholson. Rebelde e questionador, ele fora reduzido a um ser apático, um corpo inerte vegetando em seu leito, após sessões de lobotomia.
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Da arte para a vida, o deputado estadual eleito com mais votos na história do Espírito Santo, Sérgio Meneguelli, compara-se justamente ao papel de Nicholson no clássico de Milos Forman para dizer que deseja sair de qualquer maneira do partido pelo qual se elegeu, o Republicanos – nem que seja abrindo a própria janela como faz o amigo de McMurphy, já que a janela oficial para troca de partido, no caso dele, só será aberta em março de 2026. “Se política fosse o filme ‘Um estranho no ninho’, eu sou o perfeito Jack Nicholson no Republicanos”, justifica.
Para conseguir sua liberação, Meneguelli não exclui apelar para a Justiça Eleitoral, pedindo reconhecimento de justa causa para se desfiliar sem perder o mandato conquistado na Assembleia. Antes disso, porém, pretende buscar uma solução negociada, convencendo a direção do Republicanos a assinar a sua “carta de alforria” (um documento comprometendo-se a não reivindicar o mandato na Justiça após a sua desfiliação).
“Hoje o melhor presente que eu receberia politicamente seria uma carta de alforria do Republicanos. […] Quero conseguir sair democraticamente, no bom jeito, sem briga. Não me sinto mais confortável. […] Se Papai Noel me desse esse presente, seria o melhor presente de Natal.”
O ex-prefeito de Colatina alega ter sido vítima de covardia por parte da direção partidária e que esta agora não merece mais sua confiança.
Apesar da imensa densidade eleitoral – provada por seu desempenho na eleição para a Assembleia –, Meneguelli de fato foi alvo da maior virada de mesa do processo eleitoral de 2022 no Espírito Santo. Até fins de julho, ele era tratado como pré-candidato do partido a senador pela direção estadual do Republicanos, presidido no Espírito Santo pelo ex-diretor-geral da Assembleia Roberto Carneiro.
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Após algumas turbulências, a pré-candidatura de Meneguelli a senador também era endossada pela direção nacional da legenda. Contudo, no dia 28 de julho, o presidente da Assembleia, Erick Musso – aliado de Carneiro –, anunciou que ele mesmo seria o candidato a senador do Republicanos e que a Meneguelli caberia ser candidato a deputado estadual (um rebaixamento e tanto).
No mesmo dia, Erick enfatizou que a troca havia sido determinada pela direção nacional do Republicanos. A própria direção nacional nunca confirmou essa versão.
Meneguelli ainda resistiu. Com pouco tempo restando até o registro das candidaturas, tentou ser candidato a deputado federal ou até a governador, sem a menor brecha para isso. Restou-lhe mesmo disputar uma vaga na Assembleia. Nessa disputa, quebrou a banca. Erick foi mesmo candidato a senador. Chegou em 3º lugar, na eleição vencida por Magno Malta (PL), a quem, na visão de Meneguelli, o Republicanos fez um grande favor.
A insatisfação do ex-prefeito de Colatina com o partido ficou estampada em seu semblante durante a cerimônia de diplomação no TRE-ES, no último dia 19. Na ocasião, o recordista de votos para deputado estadual fez a mesma cara de poucos amigos que manteve durante a convenção estadual do Republicanos, em 31 de julho. Também destoando do clima de festa, fez questão de se mandar do tribunal tão logo recebeu seu diploma e desceu do palco com ele. O recado foi claro: estava ali tão somente para cumprir uma formalidade.
Foi com o diploma nas mãos, na saída às pressas do TRE, que Meneguelli atendeu à coluna e concedeu a entrevista abaixo. Nela, ele afirma que, “moralmente”, se sente senador eleito. “Eu tenho a consciência de que só não sou um senador porque impediram. Pelo povo, eu sou senador.”
Em tempo: Meneguelli pelo jeito é cinéfilo (e tem bom-gosto para filmes). Em outra entrevista à coluna, publicada em 11 de junho, ao comentar as ameaças que então já pairavam sobre sua pré-candidatura ao Senado, citou “O Pecado Mora ao Lado”, estrelado por Marilyn Monroe. Mas àquela altura não se referia a dirigentes do próprio partido. No mês seguinte veio a derrubada.
Agora, parece ter compreendido que o maior perigo, desde o início, residia bem mais perto do que ele poderia imaginar. “Teve a participação de lá [Brasília], mas a participação daqui foi maior. […] Não posso dizer que Erick Musso tenha sido o principal articulador do movimento que me impediu de concorrer ao Senado. Mas ele teve uma participação grande.”
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Confira a entrevista na íntegra:
O senhor tem aquela sensação de que poderia estar agora com o diploma de senador?
Não, pelo contrário. Eu tenho a consciência de que só não sou um senador porque impediram. Agora, pelo povo, eu sou senador. Mas isso para mim é o de menos porque, como deputado estadual, posso fazer um trabalho tão grandioso como se eu fosse senador. Então, o fato de eu ter sido pré-candidato ao Senado, que foi uma criação do partido, não minha, e eles mesmos destruíram, é uma coisa que já não existe em mim. Passou. Agora estou focado no meu mandato de deputado estadual.
O senhor se sente “senador moral”?
Moralmente, sim. Mas isso para mim não é importante. Eu me sinto hoje um cidadão que quer fazer algo pelo Espírito Santo. E o cargo que tenho à disposição hoje é o de deputado estadual.
O senhor tem plena convicção de que, se tivesse tido a oportunidade de disputar a eleição como candidato ao Senado, teria sido eleito senador?
Com certeza. O próprio Magno, eu acredito que ele tenha essa consciência. É claro que ele não vai admitir, porque ele foi um senador praticamente indicado por Brasília. Como eu saí fora, ele ganhou. As pesquisas de antes da eleição me colocavam na frente para o Senado. Isso antes de eu lançar minha candidatura. Magno é uma pessoa consciente, tenho respeito por ele e não posso nem o condenar no caso. Mas fizeram para ele um favor para mantê-lo lá. E o favor foi o quê? Tirar o Meneguelli.
Quem fez esse favor ao Magno? Passados cerca de cinco meses desde que lhe puxaram o tapete, o senhor pode dizer quem foi, afinal, que lhe puxou o tapete? Foi mesmo a direção nacional do Republicanos? Ou o puxão partiu daqui, da direção estadual do partido?
Na verdade, teve a participação de lá, mas a participação daqui foi maior.
De quem?
Aqui do Espírito Santo. Negociaram, não me deixaram ser candidato a deputado federal.
Quem?
Uai, o próprio Erick Musso negociou com o Da Vitória, negociou com o Amaro. Amaro não queria que eu fosse candidato a federal porque ele achava que ele tinha que ser o mais votado. Também o Felipe Rigoni e outros deputados federais… Eles tinham convicção de que eu não poderia ser candidato a deputado federal.
Nem a senador, no caso…
Nem a senador. E nem a governador. Deixaram para mim estadual.
Então o principal articulador desse movimento que o impediu de ser candidato ao Senado foi Erick Musso?
Olha, eu não posso dizer isso, mas ele teve uma participação grande.
Agora, como deputado estadual diplomado, como será o seu posicionamento na Assembleia em relação ao governo Casagrande?
Estou entrando sem posição contra o governo Casagrande, muito menos a favor. Eu quero trabalhar pelo Espírito Santo. O meu relacionamento com o governador do Estado, institucionalmente, vai depender mais dele do que de mim. Eu estou à disposição para ajudar o Estado. Se ele estiver também à disposição de ter a minha colaboração, nós podemos ter um bom mandato.
O Republicanos não apoiou ninguém oficialmente para governador do Espírito Santo, nem no 1º nem no 2º turno…
Eu também fiquei neutro. Serei um deputado independente. Independente até do meu partido.
O senhor não necessariamente votará sempre com o partido?
Hoje o melhor presente que eu receberia politicamente seria uma carta de alforria do Republicanos.
O senhor está pleiteando isso?
Já vou pleitear.
O senhor vai trabalhar por isso, na Justiça Eleitoral inclusive?
Não, não. Quero conseguir sair democraticamente, no bom jeito, sem briga. É porque não me sinto mais confortável.
O senhor vai tentar um acordo interno, então?
É. Se política fosse o filme “Um estranho no ninho”, eu sou o perfeito Jack Nicholson.
O senhor vai pedir um acordo, então, conversando com Roberto Carneiro, com a direção nacional, se for preciso?
Vou conversar primeiro com os meus colegas, que eu respeito muito, como Hudson Leal e Alcântaro. Vou conversar e fazer esse trabalho.
Uma articulação visando obter a liberação, para conseguir sair do partido sem perder o mandato?
É, porque a própria sociedade capixaba viu que o Republicanos foi muito covarde comigo.
E se eles não lhe derem essa “carta de alforria”, o senhor pretende ingressar na Justiça Eleitoral com um pedido de desfiliação por justa causa?
Por justa causa, sim, eu pretendo. Mas estou focado hoje em fazer um bom mandato.
Então, em resumo, o senhor não se sente mais à vontade no Republicanos e, se houver algum meio, vai sair do partido?
Nossa! Se Papai Noel me desse esse presente, seria o melhor presente de Natal.
Na Assembleia, portanto, o senhor não vai votar sempre com o Republicanos? Não vai seguir as orientações partidárias nas votações dos projetos?
Sinceramente, nem pensei nisso ainda. O que gostaria hoje é de estar afastado do Republicanos. Não de todos os membros, porque tem republicanos de quem eu gosto, como Hudson Leal, que é um grande parceiro, ou Alcântaro. Mas não me sinto bem no partido, porque não confio principalmente na direção do partido.
E o senhor vai para onde?
O futuro a Deus pertence. Mas, para ser um bom deputado, não preciso ter partido. Não preciso ser carimbado.
E quanto ao governo Lula? O que o senhor espera do governo prestes a se iniciar?
O que eu espero é o que eu desejo: que seja um governo bem melhor do que já foi o dele, que seja bom para o povo e que o Brasil volte à normalidade, principalmente no meio político.
Agora que já passou o pleito, o senhor pode nos contar em quem votou?
A lei me garante o direito de manter o sigilo do voto. Mas os íntimos me conhecem (risos).
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