Coluna Vitor Vogas
Reforma da Previdência: entenda o último “grande ato” do governo Vidigal na Serra
Prefeitura da Serra explica a importante reforma da Previdência aprovada nesta semana: suas causas, consequências e o que muda para os servidores ativos, aposentados e pensionistas
Como “último grande ato” da administração de Sérgio Vidigal (PDT), o prefeito da Serra mandou, no fim de novembro, para a Câmara Municipal, a reforma do regime previdenciário municipal, aprovada pelos vereadores na última segunda-feira (9).
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Para entendermos e explicarmos as causas e consequências da reforma, e as mudanças instituídas no pagamento de pensões e aposentadorias, conversamos com a equipe técnica e com a diretora-presidente do Instituto de Previdência dos Servidores da Serra, Christiani Maria Vieira.
Ela não deixa a menor dúvida: a reforma era imprescindível. Se não fosse feita agora, o sucessor de Vidigal, Weverson Meireles (PDT), teria de fazê-la inadiavelmente. A medida visa corrigir a curva insustentável de um sistema hoje em situação crítica, visando garantir o pagamento das pensões e aposentadorias do funcionalismo. Para isso, a prefeitura buscou penalizar o mínimo possível os próprios servidores.
“A reforma é muito necessária. Com ela, cumprimos uma exigência constitucional, visando ao equacionamento atuarial e financeiro do Instituto de Previdência e adequando as regras à realidade dos serviços da Serra, sem perdermos o olhar social na fixação dos proventos. Esse foi o ponto mais importante levado em conta pelo nosso prefeito e por todos nós”, afirma Christiani.
Comecemos as explicações dando a real dimensão do problema (isto é, do “buraco”).
O deficit atuarial
Na data do cálculo que balizou a reforma, em 30 de abril de 2024, o Instituto de Previdência da Serra tinha um deficit atuarial de R$ 3.643.290.551,58 (R$ 3,6 bilhões). O que isso significa?
O cálculo atuarial é uma projeção para o futuro, que calcula a relação entre todos os compromissos previdenciários que o ente precisará honrar e sua efetiva capacidade de honrar tais compromissos.
Considerando-se toda a base cadastral do Instituto de Previdência dos Servidores da Serra (IPS), isto é, todos os segurados vinculados ao sistema atualmente, o instituto precisará ter o valor X em caixa para conseguir pagar todos os benefícios ao longo do tempo, até o último servidor falecer.
Assim, o “deficit atuarial” nada mais é que a falta de previsão de receita para o ente público cumprir, no futuro, os compromissos assumidos ao longo dos anos com o pagamento de benefícios.
Hoje, na Serra, essa conta está longe de fechar. Para equacioná-la, faltam R$ 3,6 bilhões. Esse é o tamanho do deficit atuarial do município. A situação é dramática, portanto. É uma bomba-relógio, que a gestão de Sérgio Vidigal, no apagar das luzes, procura começar a desarmar.
Segundo a diretora-presidente do instituto, pelos cálculos da equipe técnica, se nada fosse feito agora, a Prefeitura da Serra só conseguiria pagar as pensões e aposentadorias até 2035. A partir daí, os inativos ficariam sem receber. “O sistema ficaria impagável. Estamos buscando a sustentabilidade do regime previdenciário e proteção social”, resume ela. Do contrário, o sistema explodiria.
Com a reforma agora aprovada, o problema só é resolvido em parte. O deficit seguirá existindo, mas será minimizado, caindo automaticamente para R$ 3,1 bilhões (uma redução de R$ 500 milhões). Olhando pelo lado positivo, a curva de crescimento do “rombo” será freada. A bola de neve, contida.
Alíquotas não mudam nada
Em outubro deste ano, o cadastro do IPS incluía 8.613 segurados, entre 4.943 ativos (que ainda contribuem para o regime) e 3.670 inativos (que não contribuem). Estes se dividem entre 3.191 servidores aposentados e 479 pensionistas.
A reforma da Previdência da Serra foi aprovada em reunião do Conselho do Instituto de Previdência da Serra no dia 28 de novembro, após dez meses de um estudo desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Todas as mudanças estão de acordo com possibilidades estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, a reforma da Previdência proposta pelo então ministro Paulo Guedes e aprovada pelo Congresso Nacional no fim do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Uma primeira informação importante é que a reforma previdenciária da Serra não mexe nas alíquotas dos servidores.
Hoje, os quase 5 mil servidores ativos sofrem um desconto previdenciário de 14% no contracheque. Essa contribuição compulsório alimenta o caixa do Instituto de Previdência para pagamento dos benefícios dos aposentados e pensionistas. Estes não sofrem desconto algum, até o limite do teto legal do INSS (R$ 7.786,02).
Vale dizer: o aposentado ou pensionista que recebe o benefício até o valor de R$ 7.786,02 é isento de contribuição. O que recebe acima desse teto contribui proporcionalmente à parcela que excede o teto. Por exemplo, se ele recebe R$ 9.786,02, serão descontados 14% dos R$ 2 mil que ultrapassam o teto.
No caso do servidor aposentado por invalidez, a isenção vai até o dobro do teto do INSS: R$ 15.572,04. Ele só sofrerá desconto de 14% sobre a parcela que ultrapassar esse valor.
Importantíssimo: nenhuma das regras descritas acima mudará com a reforma previdenciária aprovada na Serra, segundo a equipe técnica do IPS.
Nos termos da Emenda Constitucional nº 103/2019, a Prefeitura da Serra poderia fazê-lo, pois a emenda autoriza municípios com deficit atuarial, como é o caso atualmente da Serra, a instituir uma alíquota de contribuição sobre os proventos dos aposentados e pensionistas, sem limite de isenção. Nesse caso, o aposentado ou inativo teria parte de seu benefício descontado, passando também a contribuir compulsoriamente para o sistema previdenciário municipal.
Foi, por exemplo, o que fez a Prefeitura de Vitória na reforma proposta pelo então secretário da Fazenda, Aridelmo Teixeira (Novo), em janeiro de 2021.
A Prefeitura da Serra optou por não seguir esse caminho – uma das opções apresentadas pela Emenda 103/2019 para reduzir o deficit atuarial –, a fim de não penalizar os servidores aposentados. “Não estamos nos valendo de nenhuma regra que prejudique o servidor”, enfatiza Christiani.
Como o sistema é sustentado hoje
Como explicado acima, hoje o deficit atuarial do município da Serra é da ordem de R$ 3,6 bilhões. Mas o Instituto de Previdência da Serra não tem deficit financeiro. “Hoje, o nosso Fundo de Previdência está equilibrado no financeiro, mas não no atuarial”, explica a diretora-presidente.
Isso significa que, hoje, a cada mês, a receita do Instituto de Previdência (o que entra no caixa, para bancar o sistema) supera a despesa (o que sai do caixa, para pagar aposentadorias e pensões). Mas isso só é possível por um motivo: a própria Prefeitura da Serra entra com injeção adicional de recursos para fazer com que essa conta feche. O equacionamento é feito via “alíquota suplementar”.
Como é que o caixa do IPS se sustenta hoje financeiramente? Como é composta a receita do instituto? Basicamente, os recursos vêm de três fontes principais.
Os quase 5 mil servidores ativos contribuem com a alíquota de 14% descontada dos salários.
Adicionalmente, o município paga uma alíquota de 28%, a título de contribuição patronal. Assim, se o salário do servidor é de R$ 10 mil, o próprio servidor sofre um desconto de R$ 1,4 mil, enquanto a prefeitura acrescenta R$ 2,8 mil. Esses R$ 4,2 mil alimentam o caixa da Previdência.
Mas tem mais: além da alíquota patronal, o próprio município paga uma alíquota suplementar de 30%. Por quê? Porque as duas primeiras alíquotas não dão conta de cobrir as despesas correntes. Só com as duas primeiras, o Instituto de Previdência também teria deficit financeiro (despesas maiores que as receitas, ano a ano).
Na prática, para garantir a sobrevivência financeira do sistema, o município da Serra paga uma alíquota total (a patronal + a suplementar) de 58% do salário de cada servidor ativo.
Retomando o nosso exemplo, se um servidor recebe R$ 10 mil, sua própria contribuição será de R$ 1,4 mil (14%), enquanto a do município, na verdade, é de R$ 5,8 mil (28% + 30% = R$ 2,8 mil + R$ 3 mil).
Para ficar ainda mais claro:
De janeiro a novembro deste ano, a receita total do Instituto da Previdência foi de R$ 192,1 milhões. Desse total, as contribuições dos servidores correspondem à menor fatia: 16,7%. Dá pouco mais de R$ 30 milhões.
A maior parte (71,1%) é bancada pelo próprio município, sendo R$ 64 milhões a título de contribuição patronal e mais R$ 72,6 milhões a título de alíquota suplementar. Essa última fonte, que é uma contribuição voluntária da prefeitura, corresponde sozinha a quase 40% de tudo o que entra no caixa do instituto. Hoje, ela é vital para a sustentabilidade financeira do sistema.
Mas é aí que mora o grande problema.
A decisão do TCES sobre a destinação da alíquota suplementar
Por um entendimento recente firmado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCES), a partir de 2026, os regimes próprios de Previdência dos municípios capixabas não poderão mais pagar os benefícios do ano corrente com a receita da alíquota suplementar. O TCES entende que essa alíquota, se praticada, deve ficar depositada no Fundo Previdenciário do município, como uma poupança, para garantir pagamentos futuros e a sustentabilidade do regime no longo prazo.
Assim, no curtíssimo prazo, em menos de dois anos, o mecanismo que a gestão Vidigal tem usado para evitar (ou adiar) a explosão do regime próprio da Serra “não vai mais valer”.
Traduzindo o problema em números:
De janeiro a novembro deste ano, a receita do Instituto de Previdência foi de R$ 192,1 milhões, para uma despesa de R$ 178,6 milhões: superavit financeiro de R$ 13,5 milhões.
Entretanto, se tirássemos da conta os R$ 72,6 milhões que vieram do município a título de contribuição suplementar, a receita total do IPS no mesmo período teria sido de apenas R$ 119,5 milhões. Aí, em vez de um balanço positivo, as contas ficariam no vermelho: deficit financeiro de R$ 59,1 milhões.
A prefeitura, então, precisava urgentemente buscar outra saída. Quais eram as alternativas? Exatamente as outras opções elencadas pela Emenda 103/2019.
A legislação federal permite ao município equacionar esse deficit via alíquota suplementar (mas o TCES barrou essa opção). Também faculta ao município fazê-lo cortando gastos, fazendo aporte, vendendo imóveis… ou adotando a chamada “segregação de massa”.
Essa última opção foi a adotada pela administração de Vidigal. Por quê? Segundo Christiani Vieira, por ser a opção que não inviabiliza as políticas públicas essenciais e que se mostra “mais suave” para os próprios servidores.
A segregação de massa
Desde 2013, primeiro ano do segundo governo de Audifax Barcelos (PP), existe na Serra apenas o Fundo Previdenciário. Trata-se de um fundo de capitalização.
Com a reforma recém-aprovada, o município está implementando a segregação de massa. Na prática, passará a ter dois fundos, com a criação do Fundo de Repartição Simples (FREP).
Os cerca de 8,6 mil segurados vinculados ao sistema atualmente serão divididos entre esses dois fundos.
No já existente Fundo Previdenciário (também chamado de Fundo de Capitalização – FCAP) serão mantidos os 2.074 servidores ativos com menos de 47 anos, além dos aposentados com mais 75 anos e todos os pensionistas.
Os servidores ativos mais jovens serão deixados aqui por terem mais tempo de contribuição previdenciária pela frente, justamente para que possam contribuir por mais tempo para constituir reserva nesse Fundo de Capitalização (FCAP). Como a receita de contribuições aqui passa a ser maior que o gasto com pagamento de aposentadoria e pensões, o fundo passa a ser superavitário.
Enquanto isso, a massa restante de servidores será transferida para o novo Fundo de Repartição Simples (FREP). Aqui entrarão os 2.871 servidores com mais de 47 anos (os mais próximos da aposentadoria), além dos aposentados com menos de 75 anos.
Diferentemente do Fundo de Capitalização, o novo Fundo de Repartição Simples já nascerá deficitário, mas com prazo de validade, e com a prefeitura completando a conta a cada mês: “Recebi tanto, falta tanto, o município complementa”, explica uma técnica do IPS. “É um fundo fechado que já nasce deficitário. À medida que as pessoas forem falecendo e saindo do sistema, o fundo vai diminuindo, até acabar. A vantagem é o equacionamento do deficit atuarial. Isso evita que o município fique impossibilitado de fazer qualquer investimento no futuro por conta do deficit atuarial.”
Com essas mudanças, a prefeitura acredita que conseguirá equilibrar as contas para não gastar mais do que recebe. Só que isso, repito, apenas “controla o problema” e desarma a bomba-relógio. Não equaciona, muito menos zera, o deficit atuarial no longo prazo.
PRINCIPAIS MUDANÇAS PARA OS SERVIDORES
Antes de tudo, é importante frisar: segundo a prefeitura, as novas regras relativas a idade mínima e tempo de contribuição não atingem os atuais servidores. Só se aplicarão aos que ingressarem na carreira após a publicação da nova legislação municipal.
No caso dos servidores atuais, quem já cumpriu os requisitos vigentes para aposentadoria até a data da publicação da lei poderá se aposentar com as regras implementadas (direito adquirido).
Idade mínima e tempo de contribuição (vale só para novos servidores)
No caso dos novos servidores, ingressos na carreira depois da publicação da nova lei, a idade mínima para aposentadoria voluntária dos homens passará de 60 para 65 anos. A das mulheres subirá de 55 para 62 anos.
Além disso, o servidor deverá comprovar o tempo mínimo de 25 anos de contribuição e pelo menos cinco anos no cargo em que for se aposentar.
Regras de transição: por pontos ou por pedágio
De modo geral, serão aplicadas as novas regras e as de transição, sempre assegurando os direitos adquiridos até a data da publicação da lei. Isso quer dizer que, se o servidor já cumpriu os requisitos para a aposentadoria, as regras permanecerão inalteradas. Caso falte algum requisito, o servidor escolherá a regra de transição que lhe seja mais benéfica.
A primeira regra é a de pontos, que considera a soma de idade com o tempo de contribuição.
Homem: 61 anos de idade; 35 anos de contribuição; 20 anos de serviço público; 5 anos no cargo e soma de pontos, começando em 96 pontos;
Mulher: 56 anos de idade; 35 anos de contribuição; 20 anos de serviço público; 5 anos no cargo e soma de pontos (idade e tempo de contribuição), começando em 86 pontos;
Professores terão redução de 5 anos na idade e no tempo de contribuição, com a pontuação partindo de 81 pontos para homem e 71 para mulher.
Já a segunda regra de transição prevê um pedágio do tempo que falta para a aposentadoria, sendo 60 anos de idade para homem e 56 para mulher; 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo em que se der a aposentadoria;
Servidores que ingressaram até 16/12/1998 poderão ter idade reduzida a cada ano que ultrapassar o tempo mínimo de contribuição.
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