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Coluna Vitor Vogas

Rede Sustentabilidade também entra no Supremo contra Lei Antigênero

Para o partido, a vedação de temas relacionados a gênero e sexualidade, baseado no argumento de suposta proteção familiar, transforma a escola em um ambiente de censura e exclusão, restringe a liberdade de ensinar e aprender e limita o debate e a reflexão sobre questões sociais importantes, privando os alunos de uma formação completa e plural

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Sala de aula. Foto: Arquivo/Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Diretório do partido Rede Sustentabilidade no Espírito Santo, representado pela nova secretária de Habitação da Serra, Laís Garcia, juntou-se aos autores da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que pede, no STF, a suspensão imediata e a revogação da chamada Lei Antigênero – lei estadual vigente desde julho no Espírito Santo, a qual permite que pais e responsáveis proíbam a participação de alunos em qualquer atividade relacionada a temas como igualdade de gênero e diversidade sexual em todas as escolas públicas e particulares do Espírito Santo.

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Sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, a ação foi proposta em 22 de julho, dia seguinte à promulgação da lei, por três organizações da sociedade civil: a Aliança Nacional LGBTI, a Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas e o Fórum Nacional de Pessoas Travestis e Transexuais Negras e Negros. Por meio dos seus advogados, a Rede entrou com pedido de amicus curiae – termo jurídico em latim que significa “amigo da Corte” e designa uma parte que não consta entre os autores originais de uma ação, mas que, por ter interesse direto na causa, passa a colaborar na tomada de decisão do tribunal.

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Oriunda de projeto de lei apresentado pelo deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos) e aprovado pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) em junho deste ano, a Lei Estadual nº 12.479 foi promulgada no dia 21 de julho pelo presidente da Ales, Marcelo Santos (União), após sanção tácita do governador Renato Casagrande (PSB).

Conforme a redação da lei, “fica assegurado aos pais e aos responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou de seus dependentes em atividades pedagógicas de gênero, conforme definido nesta Lei, realizadas em instituições de ensino públicas e privadas [do Espírito Santo]”.

A lei define “atividades pedagógicas de gênero” como “aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, à orientação sexual, à diversidade sexual, à igualdade de gênero e a outros assuntos similares”. Escolas e educadores que infringirem a nova norma ficarão sujeitos a punições. A contar da data da promulgação, o Governo do Espírito Santo tem 90 dias para regulamentá-la.

Para a Rede Sustentabilidade – em consonância com a AGU, e o próprio Governo do Estado, que reviu sua posição posteriormente –, a “Lei Antigênero” é inconstitucional por conter uma série de vícios formais e materiais. Em síntese, o partido alega, em primeiro lugar, violação da competência privativa da União para definir leis e diretrizes de base da educação em todo o país, conforme estabelecido pela Constituição Federal; em segundo lugar, violação a direitos fundamentais também consagrados pela Carta Magna, entre eles a liberdade de aprender e de ensinar (liberdade de cátedra).

“A Lei n. 12.479/2025, ao impor uma vedação a conteúdos específicos, não atua de forma suplementar, caráter vinculado à espécie normativa em questão, mas sim de forma restritiva e limitadora, caminhando em vias contrárias ao pluralismo de ideias, ideal amplamente consagrado no cenário global”, afirmam os representantes da Rede.

Farta jurisprudência

Eles citam uma série de julgados anteriores do próprio STF, sempre na mesma direção: ao enfrentar ADIs sobre casos similares nos últimos anos, os ministros do Supremo têm reiterado a inconstitucionalidade de qualquer lei municipal ou estadual que vise restringir o pluralismo de ideias e os conteúdos que podem ser abordados pelos docentes em sala de aula.

“Tais normas, em um contexto semelhante à Lei evocada na presente análise, proibiam o ensino sobre gênero e orientação sexual em ambientes escolares. Em avaliação do conteúdo das leis supracitadas, o relator das ações, ministro Luís Roberto Barroso, que já havia suspendido liminarmente os dispositivos, salientou que as normas caminham na contramão dos valores consagrados pelo texto constitucional e basilares em um Estado Democrático de Direito.”

Na visão da Rede, além de ferir a liberdade de expressão e outros princípios, a lei sob contestação desvaloriza os professores.

“A Lei Estadual nº 12.479/2025 é maculada por cristalina inconstitucionalidade material, por afrontar diretamente diversos princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988. A equiparação dos dispositivos da norma impugnada com a construção corroborada pela Lei Maior revela a violação da liberdade de ensinar e aprender, a valorização dos profissionais da educação, a gestão democrática do ensino, o padrão de qualidade social do ensino, a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, argumenta a Rede.

Para o partido, a vedação de temas relacionados a gênero e sexualidade, baseado no argumento de suposta proteção familiar, limita o debate e a reflexão sobre questões sociais importantes, privando os alunos de uma formação completa e plural.

“A Constituição Federal, em seu art. 206, incisos II e III, estabelece como princípios do ensino a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. A Lei nº 12.479/2025, ao permitir que pais e responsáveis vetem a participação de seus filhos em atividades pedagógicas de gênero, impõe uma restrição indevida à liberdade de ensinar e aprender”.

De acordo com os representantes da Rede, a escola é um espaço de pluralidade e de construção do conhecimento, onde o diálogo e o respeito às diferenças devem sempre prevalecer, mas a Lei nº 12.479/2025 vai na contramão disso: “Ao permitir o veto parental sobre conteúdos pedagógicos, transforma a escola em um ambiente de censura e de exclusão, comprometendo a qualidade social do ensino e a formação de cidadãos críticos e conscientes”.

Ainda segundo o partido, cercear o debate e a livre circulação de informações sobre os temas que se quer censurar servirá apenas para gerar desinformação e perpetuar a discriminação entre os estudantes. A criação de um ambiente de censura só tende a reforçar tabus, estereótipos e preconceitos já existentes, em vez de combatê-los:

“A negligência de gênero e de orientação sexual no âmbito do ensino apenas contribui para a desinformação das crianças e dos jovens a respeito de tais temas e para a perpetuação de estigmas”.

Em conclusão, diz a Rede, “revela-se incontroverso que a Lei Estadual nº 12.479/2025 reproduz restrições já repudiadas pelo Supremo Tribunal Federal, conduzindo o ambiente escolar a se tornar um espaço de censura e manipulação da realidade, comprometendo a construção da cidadania e o desenvolvimento pleno dos estudantes, em afronta direta aos valores democráticos e inclusivos assentados no ordenamento constitucional”.

> AGU se manifesta contra proibição de pais a quaisquer “atividades de gênero” na escola

O que diz a Lei Capixaba Antigênero

Segundo a Lei Estadual nº 12.479/2025, as instituições de ensino deverão informar aos pais ou aos responsáveis sobre quaisquer “atividades pedagógicas de gênero” que possam ser realizadas no ambiente escolar, sob pena de serem responsabilizadas civil e penalmente, conforme o caso.

Os pais ou os responsáveis deverão manifestar expressamente sua concordância ou discordância quanto à participação de seus filhos ou de seus dependentes em atividades pedagógicas de gênero, por meio de documento, escrito e assinado, a ser entregue à instituição de ensino.

As instituições de ensino serão responsáveis por garantir o cumprimento da vontade dos pais ou dos responsáveis, respeitando a decisão de vedar a participação de seus filhos ou de seus dependentes em atividades pedagógicas de gênero.

A contar da promulgação, o Governo do Espírito Santo tem 90 dias para regulamentar a lei, fixando as “punições cabíveis”.

Entretanto, a própria Secretaria de Estado da Educação (Sedu) manifestou-se desde o início contra a lei. Assim também fizeram a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), quando a lei ainda esperava sanção ou veto do governador, e até a Procuradoria-Geral da Ales, em três pareceres, durante a tramitação do projeto na Comissão de Constituição de Justiça.

Imediatamente após a promulgação da lei, no dia 22 de julho, três entidades ajuizaram ação direta de inconstitucionalidade contra a lei no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia: a Aliança Nacional LGBTI, a Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas e o Fórum Nacional de Pessoas Travestis e Transexuais Negras e Negros.

No curso do processo, o próprio governador Renato Casagrande – voltando atrás em sua omissão inicial – concordou com os autores da ação e pediu à ministra Cármen Lúcia que a lei estadual seja declarada inconstitucional. Igualmente intimada a se manifestar, a Procuradoria-Geral da Assembleia também modificou sua posição, mas no sentido contrário: defendeu a legalidade e a manutenção da lei estadual, em parecer assinado pelo presidente da Ales, Marcelo Santos, e pelo procurador-geral da Casa, Anderson Pedra.

Em paralelo, o PSol ingressou com outra ação direta de inconstitucionalidade, também pedindo a derrubada da lei, mas no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). A ação está sob a relatoria da desembargadora Janete Simões. Chamado a se manifestar nos autos, o chefe do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Francisco Martínez Berdeal, opinou que a lei é inconstitucional e deve mesmo ser revogada.

Já o presidente da Ales, Marcelo Santos, pediu que o processo no TJES seja suspenso, devido à “prejudicialidade externa” decorrente da ação já em trâmite no STF, “que versa sobre a mesma matéria”.