Coluna Vitor Vogas
Coesão: bancada do PL inteira sai em defesa de Assumção na Ales
Mostrando uma unidade não vista na eleição da Mesa, os cinco membros da maior bancada da Casa discursaram a favor da liberdade de expressão e das prerrogativas dos deputados, a partir das medidas impostas a Assumção. Debate é bom, mas reduzi-lo a “leva e traz” e a “fofoca” é desvirtuar e apequenar o trabalho do MPES e de sua chefe
O bolsonarista Partido Liberal (PL) possui a maior bancada da Assembleia Legislativa, com cinco dos 30 deputados. Na recente eleição da Mesa Diretora, realizada no último dia 1º, a bancada não mostrou coesão. O novato Zé Preto aliou-se rapidamente a Marcelo Santos (Podemos), candidato da chapa articulada pelo governo Casagrande, ao qual seus colegas de partido fazem oposição. Os outros quatro estavam no grupo de Vandinho Leite (PSDB).
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Com a desistência de Vandinho, quatro dos cinco votaram em Marcelo, e Danilo Bahiense até entrou na chapa governista… mas Lucas Polese divergiu, votando contra.
A “liga” que faltou durante a eleição interna não demorou a aparecer. Ontem (6), na primeira sessão de trabalho para valer da nova legislatura, os cinco do PL se uniram em torno de um ponto: solidariedade a Capitão Assumção, defesa do colega de bancada e denúncia do que consideram desrespeito às prerrogativas parlamentares, bem como cassação da liberdade de expressão e de opinião dos deputados.
Os cinco se manifestaram sobre o mesmo tema. O contexto são as medidas cautelares impostas a Assumção pelo ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news e dos atos golpistas no âmbito do STF. Por determinação de Moraes, o deputado de extrema direita está obrigado ao uso de tornozeleira eletrônica, além de não poder dar entrevistas nem usar as redes sociais.
Isso desde o dia 15 de dezembro, data em que a Polícia Federal chegou a cumprir mandados de busca e apreensão no gabinete e na residência do parlamentar.
As decisões de Moraes foram tomadas a partir de provocação do Ministério Público Estadual (MPES). O órgão denunciou Assumção ao ministro por participação em milícia digital formada em torno do site Folha do ES, do jornalista Jackson Rangel (preso desde 15 de dezembro), com o objetivo de espalhar fake news e atacar a honra de instituições como o STF e seus membros.
Callegari: golpe
O recém-chegado Callegari foi o primeiro a sair em defesa de Assumção, já na sessão de instalação dos trabalhos, na última segunda-feira (5), e ontem voltou à carga:
“Essa referência ao que Assumção carrega no pé [tornozeleira] foi uma referência ao golpe que nossas prerrogativas de deputados estaduais estão sofrendo, porque, se um deputado não puder se manifestar em suas redes sociais da forma que ele achar melhor… Um parlamentar é imune por quaisquer palavras, não as que um juiz de plantão define. Se isso não valer hoje pro Assumção pode ser que amanhã não valha pro João Coser, pra Camila [Valadão], pro José Preto, e aí vai depender do juiz de plantão. Nós como Casa não podemos aceitar isso”, argumentou.
E engana-se quem pensa que já argumentou o suficiente. Se depender de Callegari, o tema está longe de esgotado:
“A defesa das prerrogativas parlamentares que nós estamos defendendo ontem e hoje, sem querer ser repetitivo, mas teremos que ser repetitivos nisso. Enquanto essa chaga continuar, nós teremos que bater em cima dessa tecla. Diariamente, sessão a sessão, nós não vamos parar de protestar contra isso. Vamos estudar os caminhos que precisam ser feitos, contamos com o apoio da Mesa inclusive, para resolver isso, para não ficarmos só no protesto, na luta verbal […], para resolver a questão da liberdade parlamentar.”
Polese: “Cem mil amordaçados”
Polese também seguiu a linha “hoje é ele, amanhã pode ser você”. E argumentou que, ao limitar as manifestações de Assumção, a Justiça também está cerceando os quase 100 mil eleitores do colega e impedindo-o de representar quem votou nele:
“Quando olho um colega parlamentar meu que teve quase 100 mil votos de tornozeleira eletrônica, como se fosse um criminoso… Criminoso dá tapa na cara de policial, de pai de família, e sai da delegacia pela porta da frente. Mas quando vejo um colega meu cerceado, tendo os seus direitos reprimidos, sem rede social, sem poder dar entrevista, eu não vejo um colega reprimido. Eu vejo 100 mil cidadãos amordaçados. Cem mil pagadores de impostos tratados como pessoas de segunda categoria, como se a representatividade deles valesse menos que a de qualquer um aqui. E isso não pode acontecer.”
Bahiense: “Calça comprida dentro de casa”
Em seguida foi a vez de Bahiense. O delegado se solidarizou com Assumção e estendeu o comentário ao agora ex-deputado Carlos Von. No dia 15 de dezembro, o então parlamentar, com base em Guarapari, também foi alvo de busca e apreensão (em seu gabinete na Assembleia e em um endereço no município), na mesma operação deflagrada pela Polícia Federal por ordem de Moraes. Assim como Assumção, Von precisa usar tornozeleira eletrônica desde então. Bahiense narrou sua situação:
“Quero me solidarizar com o Capitão Assumção. E a situação não é só do Assumção. Nós temos também o Carlos Von, que esteve com a gente na legislatura passada. E o Carlos Von ficou ainda mais abatido, porque ele reside com a mãe dele e uma filha. Ele anda dentro de casa de calça comprida, para que a mãe não veja, para que a filha não veja, tamanho o constrangimento. Então estamos juntos e contamos sempre com a presidência desta Casa na defesa dos parlamentares.”
Zé Preto: “Direito de expressão tirado”
Com fala bem mais simples, o ex-vereador de Guarapari Zé Preto também prestou sua solidariedade a Assumção e limitou-se a acrescentar: “A gente veve [sic] num mundo hoje em que infelizmente o direito de expressão está sendo tirado”.
Assumção: “fofoca” e “leva e traz”
O próprio Assumção também subiu à tribuna, na Fase das Comunicações, para protestar contra as decisões de Moraes. No protesto, tirou (ou fingiu ter tirado) a tornozeleira. “Depois coloco de novo”, disse.
“É a defesa do Poder Legislativo. Hoje pode ser um deputado. Amanhã pode ser qualquer outro. Mas e as prerrogativas? Onde vai ficar o artigo 53? É muito importante a gente abrir o olho pra isso”, advertiu, seguindo a linha argumentativa de Callegari e Polese, em evidente triangulação e retórica afinada entre os três. O artigo 53 da Constituição federal é o que tata da imunidade parlamentar.
Da tribuna, o policial militar também fez algumas insinuações nitidamente dirigidas à procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade, autora da representação contra ele a Moraes que serviu de base para as medidas impostas pelo ministro. Nas entrelinhas, o deputado sugeriu que a chefe do MPES seria “leva e traz” e “fazedora de fofoca” e sem coragem para se candidatar a algum cargo eletivo.
“Não estão respeitando o Poder Legislativo e gostam de conversar fiado e levar e trazer pra tentar fazer valer o seu pensamento, talvez porque não consegue ter a determinação que cada um de nós aqui tem de ir de casa em casa, de ir de rua em rua, pedir votos. Aí o que é que faz? Talvez tenha inveja da determinação que nós políticos temos de ir às ruas pedir votos”, discursou Assumção.
“Alguém que não tem a capacidade, que não sabe esboçar um sorriso, não sabe assumir um compromisso social, me denunciou ao Alexandre de Moraes, por pura fofoca”, reiterou o investigado.
O nível do debate
Permitindo-me um breve comentário, o debate sobre limites à liberdade de expressão no confronto com direitos de terceiros de fato é mais que contemporâneo e está posto na sociedade brasileira.
Coloca, de um lado, os que consideram esse direito absoluto (sobretudo aos parlamentares), como é o caso de Assumção; do outro, aqueles para quem liberdade de expressão não é um direito ilimitado nem corresponde à liberdade de ofensa, e para quem a imunidade parlamentar não pode servir de manto para a perpetração sistemática e impune de crimes contra a honra de terceiros.
Se travado nesse nível, o debate é salutar e bem-vindo.
Agora, tratar o trabalho do MPES como se não passasse de “fofoca” e “leva e traz” por parte da chefe da instituição apequena e deturpa bastante, para dizer o mínimo, a seriedade das investigações conduzidas pela PGJ e a gravidade das condutas imputadas ao deputado Assumção. Isso além do evidente componente machista contido nas expressões reiteradas.
Aí o debate deixa de ser travado num bom nível.
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