Coluna Vitor Vogas
Perfil: “Ricardo Ferraço está muito diferente…” Por quê?
Como o vice-governador e pré-candidato ao governo é enxergado pelas pessoas que o conhecem bem? Na coluna deste domingo (23), traçamos um perfil de Ricardo, ouvindo uma dezena de fontes que convivem e/ou colaboram diretamente com o aliado de Casagrande – ou que já o fizeram no passado
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Ricardo Ferraço e Casagrande, de costas, no palco do Jesus Vida Verão, em Vila Velha. Foto: reprodução do Instagram
Da “barra de cereais” à de aço, Ricardo Ferraço (MDB) “está on”. No dia 29 de janeiro, surpreendendo a todos, publicou, em sua conta no Instagram, o primeiro de uma série de posts relacionados à “barrinha de cereais”, como o governador Renato Casagrande (PSB) chama as peças de torresmo que tanto aprecia e que, de certo modo, viraram um símbolo de seu bom humor nas redes sociais.
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Uma semana depois, na ausência de Casagrande (em missão oficial em Brasília), Ricardo assumiu o anúncio do que o Governo do Estado definiu como “o maior investimento privado da história do Espírito Santo”: R$ 4 bilhões injetados pela ArcelorMittal na ampliação da planta da siderúrgica na cidade da Serra. Muito simbolicamente, Ricardo conduziu a coletiva sentado à cadeira do governador, no gabinete de Casagrande, no Palácio Anchieta. É o assento que ele quer ocupar a partir de 1º de janeiro de 2027 e que o próprio Casagrande trabalha, corre e confia para que ele realmente ocupe.
Entre brincadeiras com o intuito de mudar sua imagem nas redes sociais e uma maratona de agendas governamentais, o assunto aqui é seríssimo: Ricardo é, neste momento, a grande aposta do governo para a sucessão de Casagrande. Por isso, na coluna deste domingo (23), traçamos um perfil do vice-governador, ouvindo, sob anonimato, uma dezena de fontes que convivem e/ou colaboram diretamente com Ricardo – ou que já o fizeram no passado.
O objetivo é apresentar como Ricardo é enxergado pelas pessoas que o conhecem bem, destacando as principais características dele, apontadas por nossas fontes, como político, homem público, líder, gestor, chefe de equipe e ser humano.
Boa leitura!
1. Seriedade no trato da coisa pública
Comecemos pelo traço mais notório e, possivelmente, o mais relevante para a população, sempre que se trata de política e de políticos: integridade. O vice-governador é definido por todos como um homem correto.
“Nunca ouvi nada torto sobre o Ricardo”, atesta uma ex-colaboradora dele. “Passou oito anos naquela Assembleia nos anos 1990 e saiu inteiro”, afirma um experiente analista político, remetendo ao conturbado período em que a Assembleia Legislativa do Espírito Santo imergiu em problemas e denúncias, culminando com a Era Gratz (1997/2022). Ricardo foi deputado estadual de 1991 a 1998. Não teve envolvimento nos escândalos.
Ao contrário, nos anos seguintes, foi um coadjuvante destacado nos dois primeiros governos de Paulo Hartung (2003/2010), contribuindo diretamente na chamada “reconstrução do Espírito Santo” e no “resgate das instituições capixabas”. É um registro que precisa ser feito.
2. Experiência e versatilidade
Na política, como na vida, tem gente que quer falar sobre tudo, mas não acrescenta nada. Ricardo Ferraço, atestam nossas fontes, entende muito dos mais variados temas inerentes à atividade pública – por estudo e por acúmulo de vivências. Além da evidente experiência, talvez a melhor palavra para definir sua trajetória até aqui seja versatilidade. Basta dar uma olhada em seu currículo.
Aos 61 anos, Ricardo conhece o Espírito Santo como poucos políticos em atividade. Entende a fundo os meandros dos Poderes Executivo e Legislativo. Tem vasta experiência tanto na gestão pública como na articulação política e partidária.
Começou cedo na vida pública: vereador antes dos 20, deputado estadual aos 27, presidente da Assembleia aos 31, deputado federal aos 35, senador, vice-governador duas vezes (com governadores diferentes e rivais), chefe de várias secretarias no Governo do Estado. “De articulação a gestão, ele dá conta do recado”, resume um aliado ferracista.
Filho da lenda viva Theodorico Ferraço (PP), referência política maior em Cachoeiro de Itapemirim e em todo o sul do Espírito Santo, Ricardo entrou na política muito jovem, eleito vereador em 1982, na esteira do pai. Recém-ingresso na maioridade, ele não estava pronto. Fez uma estreia precoce e sem grande expressão.
Em 1990, a ascensão política começa para valer. Pelo PTB, ele se elege deputado estadual. Junta-se à minoria e faz mandato de oposição ao então governador, Albuíno Azeredo. Preside a poderosa Comissão de Finanças. Em 1994, reelege-se pelo PTB e preside a Assembleia no biênio 1995/1996, ainda na antiga sede, no atual Palácio Sônia Cabral, na Cidade Alta. Faz uma boa gestão. Foi o antecessor de José Carlos Gratz no cargo.
Em 1996, coordena a campanha de Rita Camata (PMDB) à Prefeitura de Vitória. A então deputada federal é derrotada por Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), o candidato de Paulo Hartung. No ano seguinte, já filiado ao PSDB, Ricardo vive sua primeira de muitas experiências no secretariado estadual, como chefe da Casa Civil do governo de Vitor Buaiz (PT). Em 1998, no ninho tucano, chega a Brasília, como o deputado federal mais votado do Espírito Santo. Faz um mandato muito técnico, voltado principalmente para a agenda do agronegócio capixaba.
Em 2002, pelo PPS (atual Cidadania), se frustra em sua primeira tentativa de ascender ao Senado. Sem mandato, aos 39 anos, é convidado por Paulo Hartung, governador eleito no mesmo ano, para comandar a Secretaria Estadual de Agricultura, onde fica por quatro anos. Reconhecida até hoje, sua passagem pela pasta é um divisor de águas em sua carreira.
Em 2006, pelo PSDB, é eleito vice-governador de Hartung. Acumula o comando da poderosa Secretaria de Transportes e Obras Públicas. Também coordena o Escritório de Projetos, criado naquele governo. Tratado como virtual candidato governista à sucessão de Hartung, é alçado a coordenador do “programa de R$ 1 bilhão de investimentos no Estado”.
No meio do caminho, porém, há uma pedra: chama-se Renato Casagrande – àquela altura, um duro concorrente. O então senador do PSB também era pré-candidato e vinha subindo nas pesquisas. Em abril de 2010, com receio de assistir à quebra da unidade de seu grupo político – e também, para alguns, de perder solidariamente a eleição se apostasse tudo em Ricardo –, Hartung opera uma troca e anuncia apoio a Casagrande, em detrimento do seu vice-governador. “Sangrei pelo fogo amigo”, desabafa Ricardo, publicamente, na icônica declaração que entrou para a antologia da política capixaba.
Sangrou, mas estancou a sangria e foi ser candidato a senador. Com o apoio de Hartung, pelo PMDB, elegeu-se com votação histórica: é, até hoje, não apenas o candidato ao Senado, mas o candidato a qualquer cargo mais votado da história do Espírito Santo, incluindo eleições para governador. Ninguém jamais alcançou os seus 1.557.409 votos.
De 2011 a 2018, entre o MDB e o PSDB, exerce um mandato qualificado no Senado, bastante alinhado, ideologicamente, com a agenda do empresariado capixaba e nacional. É o relator de projetos importantes, como a reforma eleitoral de 2017 e a reforma trabalhista, a qual divide opiniões. Criticada, por um lado, por partidos de esquerda e segmentos da classe trabalhadora, é saudada por empreendedores, para quem as regras e relações trabalhistas eram por demais defasadas e precisavam mesmo de um aggiornamento.
Em 2018, numa eleição muito influenciada pelo cenário nacional, com uma onda mudancista extremada, Ricardo chega apenas em quarto lugar na tentativa de reeleição, pelo PSDB. Novamente sem mandato, vai tocar a vida na iniciativa privada, mas sem deixar de colaborar com o governador Renato Casagrande, apoiado por ele em 2018 em seu retorno ao Palácio Anchieta. Ironicamente, após o “abril sangrento” de 2010, os dois estreitam muito a relação.
Em 2022, de volta ao PSDB – após rápida passagem pelo União Brasil –, Ricardo disputa a eleição como candidato a vice-governador de Casagrande. Na campanha, cumpre papel vital: após ser “escondido” pelo marketing no 1º turno, ganha protagonismo no inesperado 2º turno contra Carlos Manato (PL).
Obrigado a corrigir às pressas a estratégia de campanha, o QG de Casagrande lança mão de Ricardo e da sua articulação privilegiada com empresários capixabas. Além de passar a aparecer em destaque na propaganda do governador, Ricardo costura o apoio de empresários de direita – muitos deles, bolsonaristas. Há quem creia que, não fosse por Ricardo, Casagrande teria perdido aquela eleição.
Por coerência e respeito aos acordos internos selados, a influência adquirida por Ricardo passa a se manifestar já na transição. Além de assumir pessoalmente a Secretaria de Desenvolvimento (Sedes) – sendo o primeiro secretário anunciado por Casagrande –, ele escolheu ou influiu pessoalmente na escolha do chefe da Agricultura (Enio Bergoli), do secretário do Meio Ambiente (Felipe Rigoni) e do diretor-presidente do Bandes (Marcelo Saintive, que havia dirigido o Ideies, órgão da Findes, durante a presidência do empresário Léo de Castro).
Após dois anos liderando com muita autonomia a Sedes, Ricardo foi alçado por Casagrande e seu governo à condição de “candidato natural” à sucessão em 2026. Agora, preside o MDB no Espírito Santo. No início deste ano, botou seu bloco na rua e praticamente lançou sua pré-candidatura. Para isso, como parte do plano, passou a chefia da Sedes para o aliado Sérgio Vidigal (PDT), no último dia 12. Está livre para se viabilizar, conforme a missão dada a ele por Casagrande.
3. Exigente… com ele mesmo e os demais
Ricardo não é dado a falar de improviso. Se tiver de fazê-lo, bem, ele faz e se vira bem – em palanques eleitorais, por exemplo, isso é extremamente comum. Mas, quando sabe de antemão que precisará discursar em algum evento, sobretudo solenidades oficiais, ele antes procura se cercar de todas as informações possíveis relativas àquela pauta.
Para isso, quando era vice-governador de Paulo Hartung, Ricardo tinha o hábito de pedir a seu staff, com antecedência, a elaboração de uma “nota técnica”, compilando todos os dados mais importantes sobre a obra, a entrega ou o tema do debate em questão. E fazia o dever de casa, para chegar o mais bem preparado.
Certa feita, Ricardo estava escalado para participar da inauguração de uma escola. Em “mais um dia no escritório”, um assessor tratou de produzir para ele uma nota técnica bem caprichada… “Devia ter até o número de tijolos usados na construção da escola (risos)! Estava completíssima. Achei que eu tivesse arrasado. O Ricardo leu e me perguntou: ‘Por que a escola ganhou esse nome?’ Eu me dei conta de que não fazia ideia. Quem era aquela pessoa? Corri atrás de descobrir pra ele!”
O relato diz muito sobre a personalidade e o estilo gerencial de Ricardo, realçando outros traços que veremos melhor mais à frente: o quanto ele é estudioso, metódico, organizado e minucioso; o valor que ele dá ao planejamento e o quanto o aplica diariamente na sua prática política. Mas o que mais sobressai do episódio é algo citado à unanimidade por todos que convivem com ele: seu altíssimo nível de exigência.
Habituado a concentrar grandes poderes e responsabilidades desde antes dos 30, o vice-governador é altamente exigente consigo mesmo… e também com os demais. Em nossa apuração, a palavra “rigor” apareceu com frequência, ao lado da palavra “cobrança”. Ele se cobra muito, sempre foi muito cobrado e não hesita em fazer o mesmo com seus subordinados.
“Ele trabalha com muito rigor e é muito exigente com as equipes dele. Cobra prazo, desde os tempos de Assembleia. Se ele combina um prazo com você e atrasa a entrega em um dia, você precisa ter bons argumentos para lhe explicar por que não cumpriu o prazo”, confidencia um amigo. “Ele cobra. Quer resultado. Quer que as coisas andem e aconteçam”, corrobora outro. “É muito dedicado e exigente. Cobra muito da equipe também.”
4. Workaholic
Esse grau de exigência dialoga com outra marca de Ricardo: a de ser um notório workaholic – quiçá o maior em atividade na política capixaba. Como diria o ex-técnico Muricy Ramalho, que treinou (sem sucesso) seu Flamengo em 2016, “aqui é trabalho, meu filho”. Muito trabalho.
“Com ele, tem que gostar de trabalhar. Ele acorda cedo, dorme tarde, não tem fim de semana nem feriado… e você também não”, diz um antigo colega. “Ele não para! Não tem preguiça. Não tem hora, não tem nada”, confirma outro. “É muito ligado! Acorda trabalhando e vai até a hora de dormir. A gente não tinha horário. Ele ligava às seis da manhã pra perguntar se a gente estava vendo o ‘Bom Dia ES’”, revela um ex-assessor, que também conta uma pequena anedota:
No segundo governo Paulo Hartung (2007/2010), quando Ricardo foi vice pela primeira vez, seus assessores, só de brincadeira, costumavam compará-lo à personagem Miranda Priestly, interpretada pela atriz Meryl Streep. Trata-se da protagonista do longa “O Diabo Veste Prada”, lançado em 2006 – mesmo ano em que Ricardo se elegeu para o cargo.
No filme, a chefe mais-que-exigente chega a pedir à sua secretária para providenciar um exemplar do último livro da série Harry Potter… antes que ele fosse publicado. Ricardo jamais chegou a tanto, mas… “Às vezes, antes de o jornal do outro dia sair, ele já queria saber o que sairia”, conta a mesma fonte, entre risos.
“Ele às vezes é visto como um cara ‘duro’, porque realmente é muito pragmático e é cobrador de resultados”, observa um político próximo a ele. A palavra “duro”, com algumas nuances, de fato surgiu mais de uma vez nesta nossa apuração.
Anedotas e ressalvas à parte, muitos relatos vão na direção de que, sem perder o rigor nem deixar de perseguir a excelência, Ricardo tem mudado nos últimos anos (aliás, não só nesse aspecto), no sentido de se suavizar: está mais tranquilo, mais cool.
“Hoje vejo um Ricardo muito menos impetuoso. Naquela época [2007/2010], ele tinha muita gana de tudo. Ele vivia muito isso, do ‘agora tem que fazer’. Hoje o vejo como uma pessoa mais tranquila e relaxada. Perdeu aquela necessidade da urgência. Um voo dele atrasou duas horas? O Ricardo de antes ficaria indócil. O de hoje pode se sentar pra bater um papo com você. Talvez o ambiente no governo também hoje seja mais leve pra ele… Sobre ser candidato a governador, percebo que hoje pode ser um desejo, mas não mais aquela necessidade imperiosa, como era pra ele há 15 anos”, avalia o ex-colaborador, partilhando sua percepção externa.
5. Político técnico: gestão e planejamento
“Nunca vi um político valorizar tanto planejamento como ele”, constata um antigo colega de Ricardo no secretariado, que o descreve como um híbrido escasso no mercado: “É um político extremamente técnico”. A lógica é a de CEO de empresa privada, transposta pelo vice-governador para o setor público.
Nesse aspecto, Ricardo é considerado muito diferente da média dos políticos. “Ele não tem o perfil de um político tradicional brasileiro. Parece um gestor privado. Trabalha com os níveis de exigência da iniciativa privada”, avalia um analista que o conhece há décadas. “É, antes de tudo, um grande gestor. É racional e muito organizado. Tem uma memória fantástica para números e fatos.”
De fato, o vice-governador é descrito por todas as fontes ouvidas como um político estudioso, dedicado, obstinado, resolutivo, focado e altamente preparado do ponto de vista técnico. “Ricardo é uma pessoa de resultados. Quando ele entra nas coisas, ele gosta de fazer bem-feito e de ter o que apresentar”, testemunha um antigo aliado, que completa: “Do ponto de vista gerencial, ele tenta não errar. Procura sempre fazer o melhor de si”.
Um ex-assessor também dá seu testemunho: “É organizado e criterioso com a agenda. Sempre repassava na véspera. Nunca acordava sem saber o que faria naquele dia”. Segundo a mesma fonte, “ele pensa muito rápido e muito na frente. Não deixava lacuna. Pensava em tudo com antecedência. Buscava se antecipar aos problemas para já tentar chegar com soluções. Também buscava envolver todos os atores que tivessem relação com aquela pauta”.
Um colega dele no secretariado de Casagrande atesta: “Cara, ele é estudioso. Se pega um tema do qual não entende, que está vendo pela primeira vez, ele se cerca de fontes e de estudos… E pega com muita facilidade. Com dois ou três dias, está dominando e dissecando aquilo”.
Talvez o melhor exemplo disso seja colhido (com trocadilho) da sua passagem pela Secretaria de Estado de Agricultura (Seag), durante o primeiro governo Paulo Hartung (2003/2006). Lembrada até hoje no campo, a experiência é tida como um marco na trajetória de Ricardo, tendo-o elevado a “outro patamar” na política capixaba – como diria o atacante Bruno Henrique, craque do seu Flamengo. Mas sejamos francos: sua escalação à época, por Hartung, foi recebida com desconfiança pelo segmento.
Nos quatro anos anteriores, entre 1999 e 2002, Ricardo fizera um bom mandato na Câmara dos Deputados, voltado sobretudo para o agronegócio capixaba, notadamente a cafeicultura. Porém, em 2002, num passo mal calculado, ele sofreu uma das duas piores derrotas nas urnas em sua história: na eleição para o Senado, chegou apenas em quarto lugar – assim como em 2018, seu outro grande revés.
No início, o pessoal da agricultura torceu-lhe um pouco o nariz: ele teria sido nomeado apenas por indicação política e para agradar a Theodorico Ferraço, então prefeito de Cachoeiro (como agora) e importantíssimo na campanha de Hartung desde o lançamento de sua candidatura ao governo. As suspeitas logo se reverteram. “Em dois ou três meses, ele conquistou o sistema público da agricultura capixaba com maestria”, resume uma testemunha dessa fase.
Quando Ricardo assumiu, os dias áureos da Seag iam longe. O Espírito Santo havia se industrializado e, após uma sucessão de governos fracos nos anos 1990, a pasta havia se apequenado. Com Ricardo, a secretaria voltou a ser uma das meninas dos olhos do governo, até hoje altamente cobiçada por toda a classe política e considerada “uma máquina de fazer mandatos”.
“A passagem de Ricardo até hoje é muito lembrada pelo setor agrícola. Ele teve o grande mérito de ter organizado o sistema público agrícola e, principalmente, o de ter inserido a infraestrutura rural nas atribuições da Seag: barragens, equipamentos rurais, energia elétrica, estradas. Foi ele quem criou o programa Caminhos do Campo, mantido até hoje. Introduziu a cultura do planejamento e criou uma tendência na área. É dele o primeiro PEDEAG (Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura), que já está na quarta versão”, conta um técnico da área.
Outro exemplo marcante da “visão empresarial no setor público”, da obsessão por planejamento e da antecipação aos problemas se viu no governo seguinte de Hartung (2007/2010). Já vice-governador, Ricardo montou e coordenou um inédito Escritório de Projetos no Governo do Estado.
Seguindo a filosofia PMO (sigla em inglês para Project Management Office), o Escritório funcionava fisicamente na Vice-Governadoria, no Palácio da Fonte Grande. Tinha por objetivo coordenar a execução de todos os projetos contratados pela máquina pública estadual, buscando antecipar e corrigir qualquer detalhe que pudesse dar errado. O Escritório funciona até hoje, no governo Casagrande, mas na Secretaria de Planejamento.
6. Paixão pela política
Detalhe importante, porém: convivendo com esse perfil tão técnico e tão executivo que o aproxima de um CEO, habita, em Ricardo Ferraço, uma inegável paixão pela política. A prova maior está no caminho escolhido para si.
Sejamos bem sinceros aqui: o filho de Theodorico nasceu em “berço de mármore” e vem de uma das maiores oligarquias do sul do Espírito Santo. Poderia perfeitamente ter ido, desde muito jovem, para o lado empresarial… e por aí ficado. Ele fez exatamente o contrário. Não obstante a inspiração paterna, Ricardo, por opção, tomou o caminho da política. Aos 18, já era vereador de Cachoeiro. E nunca mais parou. Lá se vão mais de 40 anos de entrega à vida pública.
“Ele gosta da política. Muita gente não gosta, tem preconceito e tal. Ele convive com isso desde cedo. Tem identificação e um certo manejo desde novo. Ele gosta de verdade da atividade política”, assevera um aliado que convive com Ricardo desde os anos 1990.
7. Disciplina e dedicação
Ricardo é descrito por todos como um homem e um político disciplinadíssimo, extremamente dedicado e aplicado em tudo o que se propõe fazer. Trocadilhando com seu nome, tem uma disciplina de ferro e aço. Um bom exemplo disso é retirado de toda a extenuante preparação necessária para o lançamento de uma candidatura ao governo, passando pelo trabalho de reconstrução de sua imagem pública.
A experiência não é nova para Ricardo. A primeira vez foi entre 2009 e 2010, na metade final do segundo governo de Paulo Hartung. Àquela altura, estávamos rigorosamente no mesmo ponto do calendário eleitoral em que nos encontramos hoje, e Ricardo, na mesma posição. Era então o vice-governador e a principal aposta do governo (e do então governador) para a sucessão, já que Hartung não poderia emendar novo mandato em 2010.
Ricardo então se dispôs a passar por um desgastante processo de reposicionamento de sua imagem, muito similar ao que se está colocando em prática agora, e centrado em um ponto-chave também muito parecido: um trabalho de “humanização” de sua imagem.
Entre muitos outros detalhes, o processo incluiu mudança de visual (que ficou mais despojado) e sessões regulares com uma fonoaudióloga (estilo “O Discurso do Rei”), além de uma bateria de pesquisas qualitativas para mapear suas principais deficiências e corrigir tais vulnerabilidades.
Não é fácil para ninguém. Ninguém gosta de ouvir críticas e os defeitos que os outros apontam em você. Ninguém deseja escutar que é obrigado a mudar em tal e tal aspecto. Ricardo passou por tudo disciplinadamente, ciente de que era necessário para atingir seu objetivo. Todos conhecem o desfecho deste capítulo de sua trajetória: Ricardo acabou preterido por Hartung, como já recordamos acima.
Agora, a história é reeditada, com algumas adaptações. No lugar de Hartung, Casagrande no poder. Mais uma vez, porém, Ricardo é o vice e a principal cartada para a sucessão. E começa a passar, novamente, por aquela maratona de 2009… com o mesmo afinco e disciplina.
Só que o desafio agora é multiplicado, sob o primado das redes sociais. Dezesseis anos atrás, não havia Instagram, TikTok, X etc., com milhões de pessoas predispostas a te julgar e te incensar ou “cancelar” ante o primeiro deslize. Não havia uma imagem a se lapidar também nessa arena.
Eis o principal desafio, já abraçado por Ricardo e sua equipe: hay que se humanizar e se popularizar, também nas redes sociais (ou, principalmente, ali). Ricardo Ferraço (ou, como brinca uma fonte, “Ricaço”, abreviando seu nome) não é propriamente um “homem do povo”.
8. “Sério em todos os sentidos”
Sabe aquela seriedade com que abrimos este texto, no trato da coisa pública? Pois é, o “sério” também se aplica à personalidade de Ricardo, ao seu jeito natural de ser no foro pessoal. “Ele é muito técnico. Não é um homem popular, do povão. Essa coisa de ir à feira e sair abraçando todo mundo, como outros políticos fazem, não é algo natural nele”, avalia uma ex-auxiliar.
Paradoxalmente, o que é virtude em Ricardo como gestor público converte-se em “defeito”, ou dificuldade, para ele mesmo como político: a seriedade que beira a rigidez. “Falta-lhe carisma, simpatia, um certo cuidado nas relações. Ele é muito objetivo e tem, digamos, uma certa rispidez no trato pessoal. Se tiver que dizer uma coisa na lata, ele diz”, pondera um grande amigo, que emenda: “Ele tem consciência de que precisa mudar. E já o tenho visto diferente…”
Outro apoiador de Ricardo, que o conhece há décadas, também tece ponderações: “O que o eleitor mais quer são serviços e obras, mas, acima de tudo, a presença do ator político, no sentido afetivo mesmo. O que faltava a ele, e ele está se remodelando, é uma postura de mais acessibilidade. Traduzindo: mais simplicidade, algo em que o Casagrande, por exemplo, é um craque. O Ricardo cresceu num meio muito empresarial e de poder político, e acaba passando uma imagem distante dessa relação com as pessoas. Mas tem muito prazer em fazer as coisas para a população, principalmente aqueles que mais precisam da presença do Estado”.
Nesse aspecto, Ricardo é muito diferente, por exemplo, do seu pai, Theodorico Ferraço, que é um poço de carisma ambulante, bem-humorado, piadista e gozador. De Theodorico, Ricardo herdou as responsabilidades, o tirocínio político, o espírito público e a paixão pelo Flamengo. Mas não, propriamente, o carisma.
Também é o oposto, nesse quesito, à persona pública de Casagrande – um líder político genuinamente carismático, espontâneo e espirituoso, capaz de, no meio de um discurso, parar para gozar de um secretário, ou de, no meio de uma entrevista, tirar sarro de um repórter, que acaba até rindo com ele.
Sabe aquele cara bem-humorado que pega todos os cacos, não perde uma piada e o faz com naturalidade? É Renato, não Ricardo. Com esse jeito autenticamente mais “leve”, brincalhão, até um tanto fanfarrão, Casagrande é um político old school que soube “envelhecer bem” nas redes sociais e revertê-las a seu favor, reposicionando ali sua imagem pública – após um período inicial de espanto e adaptação. Há, aí, uma questão geracional.
9. O trabalho de “humanização” e reposicionamento de imagem
Com idade próxima e vindo da mesma geração política – mas sem essa “leveza natural” de Casagrande e a capacidade de rir de tudo, inclusive de si mesmo –, Ricardo está pondo em marcha um nítido esforço de adaptação, transformação e, num certo sentido, “casagrandização”.
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Casagrande apresenta a Ricardo “o caminho da barrinha de cereais”. Foto: reprodução Instagram
Para ser candidato a governador, todos dentro e fora de sua equipe, começando por ele próprio, têm total consciência de que é preciso suavizar a imagem “dura”, com um trabalho cuidadoso e muito focado de reconstrução da sua persona pública. Ricardo está empenhadíssimo nisso.
O desafio é encontrar o ponto ideal, de equilíbrio, entre a seriedade inerente ao Ricardo homem público e um lado quiçá mais espontâneo, informal e até jovial do Ricardo “pessoa humana”, que já começa a se deixar mostrar um pouco mais. Não pode ficar forçado nem artificial, claro, mas pessoas que conhecem Ricardo há muito tempo já começam a reconhecer ali uma faceta genuína dele, até então conhecida por poucos, só na sua intimidade.
Por exemplo, um recente post muito visualizado em que ele vai surfar com os dois filhos homens na Praia d’Ulé, em Vila Velha, parte de uma premissa real. Pouquíssima gente o sabia, mas, quando o filho dele, Pedro, era menor, ele realmente costumava ir surfar com o menino, quando dava.
É provável que, aos poucos, Ricardo também comece a revelar um pouco mais seu “lado família”: marido, filho de Theodorico, pai de filho pequeno, avô devotado aos netinhos. Prova disso foram vídeos recentes que ele postou dando papinha para um neto e interagindo com o pai e com o cãozinho de Theodorico, Buiú, na casa dele em Marataízes.
10. Um homem de família
O “lado família” de Ricardo é um último ponto importante neste perfil aqui traçado. Se tem o pai como grande referência política, ele sempre foi, afetivamente, muitíssimo ligado à mãe, Marilia Ferraço, falecida em 2023.
Descrito como um “paizão”, “super pai” e “pai exemplar”, Ricardo tem seu ponto fraco nos três filhos: os mais velhos, Pedro e Antônia, já adultos, frutos de seu casamento com Claudia Chieppe, e o pequeno Arthur, com sua atual esposa, Vivian Coser.
“Ele é doido pelos filhos dele! Muito apaixonado mesmo. Mesmo com todos os compromissos, dava um jeito de ir a reuniões de pais na escola. Podia estar resolvendo uma [palavrão], ele parava para falar com a filha ao telefone”, relata uma ex-assessora. “Ah, e ia mesmo surfar com o filho dele, Pedro. Era um hobby. Essas coisas que ele já fazia estão começando a aparecer para o público agora”, completa.
Até abril de 2026, saberemos se o vice-governador levará um caixote, se será de novo entubado no processo ou se, desta vez, conseguirá atingir a tão almejada crista da onda.
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