Coluna Vitor Vogas
Porteira aberta: pacote de medidas pode facilitar vida de Pazolini na Câmara de Vitória
Por iniciativa da base governista, em articulação que partiu da prefeitura, vereadores querem reduzir o próprio poder de convocar prefeito para prestar contas. Em sessão extraordinária, num dia bastante incomum, também tentaram aprovar contas de Pazolini e uma série de mudanças sensíveis na “Constituição Municipal”, em benefício do prefeito. Tudo pode tramitar a jato, a partir de uma “porteira” aberta ontem. Entenda aqui os detalhes
Colocando prontamente em prática a resolução aprovada na véspera que liberou a votação de quase tudo em regime de urgência, incluindo propostas de emenda à Lei Orgânica, a Câmara de Vitória tentou aprovar nesta sexta-feira (6), a jato, um pacote de medidas que facilita bastante a vida do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) e do Poder Executivo Municipal no mandato iniciado em janeiro. A pedra foi cantada aqui.
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Em sessão extraordinária marcada literalmente de uma hora para outra, a pedido da base de Pazolini, os vereadores da situação tentaram aprovar, em regime de urgência, as contas do prefeito referentes a 2022 e 2023, além de mudanças substanciais na Lei Orgânica de Vitória (espécie de Constituição Municipal) e no Regimento Interno da Casa de Leis.
Uma das alterações propostas reduz sensivelmente o poder de convocação de agentes do Poder Executivo por parte dos próprios vereadores. Em outras palavras, por vontade dos vereadores governistas, a Câmara de Vitória pode extinguir o próprio poder de convocar “qualquer integrante do Poder Público Municipal para prestar esclarecimentos à Casa”, limitando-se à convocação de “secretários e titulares de órgãos municipais diretamente subordinados ao prefeito”.
A mudança é um dos pontos previstos na proposta de emenda à Lei Orgânica Municipal apresentada, nesta sexta-feira mesmo, pelo líder do prefeito, Duda Brasil (PRD), e assinada por outros quatro integrantes da base: Luiz Emanuel (Republicanos), Davi Esmael (Republicanos), Leonardo Monjardim (Novo) e Dalto Neves (Solidariedade). Trata-se, hoje, da “tropa de choque” de Pazolini na Câmara de Vitória.
O mesmo projeto acaba com a possibilidade de responsabilização do prefeito caso ele não responda aos requerimentos de informação protocolados por vereadores. Tais requerimentos, aliás, passarão a ser endereçados não mais ao próprio prefeito, e sim aos secretários municipais, após passarem por um “filtro” do presidente da Câmara, cujos poderes internos serão ampliados se o pacote for aprovado. O próximo presidente, a partir de janeiro, deve ser o também governista Anderson Goggi (PP).
Outra alteração proposta é que a prestação de contas semestral do prefeito à Câmara se torne anual, de modo que ele só precise se apresentar ao Parlamento uma vez por ano para ser sabatinado pelos vereadores. A justificativa oficial é adequar o texto da Lei Orgânica à Constituição Estadual e à Federal.
Como se fosse pouco, a proposta de emenda muda de maneira significativa os quóruns (votação mínima) para a aprovação de matérias sensíveis de diversas naturezas. Na prática, se isso realmente for aprovado, projetos enviados pelo Executivo poderão passar mais facilmente nos próximos anos – lembrando que, na próxima legislatura, a partir de janeiro, o número de vereadores em Vitória subirá dos 15 atuais para 21.
Duda também é o autor de um novo projeto de resolução para mudar o Regimento Interno, igualmente protocolado nesta sexta-feira e assinado pelos outros quatro vereadores já citados, também com o objetivo de tornar anual a prestação de contas obrigatória do prefeito perante os parlamentares.
A pressa do movimento salta de cada passo dado.
A articulação de bastidores, é óbvio, tem sido conduzida por emissários da prefeitura com a base do prefeito.
O requerimento da sessão extraordinária, em plena sexta-feira – dia bastante incomum –, para votar projetos que, em primeira análise, nem sequer pediriam urgência, foi protocolado pelo próprio Duda e assinado por outros oito membros da base, representando a maioria dos 15 edis: Aloísio Varejão (PRD), Dalto Neves (Solidariedade), Leonardo Monjardim (Novo), Davi Esmael (Republicanos), Anderson Goggi (PP), Chico Hosken (Podemos), André Brandino (Podemos) e Luiz Paulo Amorim (PV). O pedido de agendamento da extraordinária, para as 15 horas, foi protocolado oficialmente no sistema da Câmara às 14h34 (!).
A sessão extraordinária chegou a ser marcada pela Mesa Diretora e iniciada, com atraso, por volta das 15h30 desta sexta-feira. Na ausência do presidente, Leandro Piquet (Republicanos), a sessão foi presidida por Duda, o líder de Pazolini, que também é o 1º vice-presidente da Mesa.
O próprio Duda, então, pautou os projetos de decreto legislativo, apresentados pela Comissão de Finanças, que aprovam as contas de Pazolini nos últimos dois exercícios financeiros, além dos pedidos de urgência para votação, ainda nesta sexta, dos dois projetos de autoria dele mesmo que visam mudar a Lei Orgânica e o Regimento Interno.
Entretanto, a articulação não prosperou, ou melhor, precisou ser adiada para a próxima semana, já que a sessão acabou encerrada por vícios formais na convocação, a partir de questionamentos apresentados em plenário pelo vereador de oposição André Moreira (PSol). O socialista alegou violação de dispositivos do Regimento Interno para esse tipo de convocação, e a sessão de fato foi derrubada. A votação do pacote ficou para a sessão ordinária da próxima segunda-feira (9), pela manhã.
De todo modo, fica muito evidente, desde ontem (5), que a prefeitura e sua base estão correndo para abrir a porteira (com a aprovação de mudanças no Regimento Interno permitindo que quase tudo na Casa possa tramitar em regime de urgência) e, assim, fazer passar uma “boiada” nos próximos dias (como se chegou a ensaiar nesta sexta-feira).
A operação política adiada hoje prova que a bem-sucedida operação de ontem foi só um passo preparatório para mudanças que estão por vir, a fim de tornar ainda mais confortável, no próximo mandato, a relação do governo Pazolini com a Câmara – de resto, bem tranquila para ele e sua equipe ao longo do atual mandato.
ENTENDA AS MUDANÇAS PROPOSTAS
Limitação das convocações
O artigo 1º da proposta de emenda à Lei Orgânica apresentada por membros da base acaba com a possibilidade de a Câmara ou suas comissões convocarem “qualquer integrante do Poder Público Municipal”. Na prática, os vereadores não poderão mais convocar qualquer agente do Poder Executivo a prestar explicações sobre determinado tema, mas tão somente os secretários e titulares de órgãos municipais diretamente subordinados ao prefeito.
A ideia é mudar o Art. 67 da Lei Orgânica Municipal, cuja redação atual é a seguinte:
Art. 67. A Câmara Municipal, bem como qualquer de suas comissões, poderá convocar qualquer integrante do Poder Público Municipal para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificativa adequada. (grifo meu)
Já o novo texto proposto ficará assim:
Art. 67. A Câmara Municipal, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Secretários, quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados ao Prefeito, para prestarem pessoalmente informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada. (grifo meu)
Requerimentos de informação
No artigo 2º, o mesmo projeto isenta o prefeito de responsabilidade caso não responda, dentro do prazo legal de 30 dias, aos requerimentos de informações encaminhados pelos vereadores. Somente secretários ou titulares de órgãos municipais poderão ser responsabilizados pela falta de respostas.
Ao mesmo tempo, o projeto acaba com a aprovação automática dos requerimentos de informação apresentados pelos vereadores, deixando a critério da Mesa Diretora o encaminhamento dos pedidos. Estes passarão a ser dirigidos aos secretários e não mais diretamente ao prefeito.
O texto atual do Art. 67, § 2º da Lei Orgânica é o seguinte:
Os requerimentos de informações apresentados por Vereadores ou Comissões serão automaticamente deferidos e enviados ao Prefeito Municipal, devendo o Sr. Prefeito respondê-los em, no máximo, trinta dias, sob pena de responsabilidade.
Com a mudança pretendida, o mesmo parágrafo ficará assim:
A Mesa da Câmara Municipal poderá encaminhar pedidos escritos de informações a Secretários ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas.
Menos prestações de contas
Até hoje, o Regimento Interno (Art. 154) e a Lei Orgânica Municipal (Art. 113, XIII) preveem prestação de contas semestral por parte do prefeito, ou seja, o chefe do Executivo Municipal é obrigado a comparecer à Câmara para prestar contas e ser sabatinado pelos parlamentares ao fim de cada semestre. Agora, se aprovadas a mudança no Regimento Interno e a emenda à Lei Orgânica, a prestação se tornará anual.
Cumpre ponderar que a Lei Orgânica, assim, será equiparada à Constituição Estadual. A lei maior do Estado só obriga o governador a prestar contas uma vez por ano à Assembleia Legislativa.
Indo além, a mudança proposta limita as possibilidades de “confronto direto” com parlamentares de oposição durante essas sabatinas, eliminando o momento de réplica dos vereadores que interpelam o prefeito e de tréplica por parte do chefe do Executivo (hoje previsto no Art. 154, § 4º, do Regimento Interno, mas eliminado no texto do projeto de resolução).
Proposições especiais
O presidente da Câmara poderá solicitar tramitação em regime de urgência para matérias que, até então, deveriam seguir tramitação em regime especial (em ritmo bem mais lento), como propostas de emenda à Lei Orgânica (que modifiquem a “Constituição Municipal”) e projetos que alterem o valor dos salários de prefeito, vice-prefeito e secretários municipais.
Se o pedido de urgência for aprovado por dois terços do plenário, o projeto automaticamente ganha o status de urgentíssimo, podendo ser votado e aprovado na mesmíssima sessão ordinária. Isso está no projeto de resolução de Duda e companhia que altera o texto atual do Regimento Interno.
Reeleição para a Mesa Diretora?
Hoje, o Regimento Interno da Câmara proíbe a recondução de membros da Câmara de Vitória dentro do mesmo mandato (do primeiro para o segundo biênio da legislatura). Embora isso não esteja explícito no texto do projeto de resolução de Duda, a justificativa (talvez num ato falho) menciona a possibilidade de reeleição da Mesa dentro da mesma legislatura, o que, em tese, pode ser adicionado posteriormente. Lemos:
“A presente proposição visa dar celeridade na tramitação de algumas proposições e dinamismo nas sessões de comparecimento das autoridades à Câmara Municipal de Vitória, principalmente, considerando o aumento do número de vereadores. A proposição também permite reeleição de membros da Mesa em conformidade com a ADI 6720 do STF”.
Mudança nos quóruns
A proposta de emenda à Lei Orgânica muda de maneira significativa os quóruns (votação mínima) para a aprovação de matérias sensíveis de diversas naturezas.
Elimina-se a necessidade de maioria absoluta (hoje, oito vereadores; a partir de janeiro, 11) para projetos que criem cargos e fixem vencimentos de servidores.
Elimina-se a necessidade de três quintos dos membros da Câmara (hoje, nove vereadores; a partir de janeiro, 13) para se autorizar, por exemplo:
. realização de plebiscito ou referendo.
. códigos de obra, postura, sanitário e de polícia administrativa e Plano Diretor Urbano (PDU);
. concessão de serviços públicos;
. concessão de direito real de uso de bens imóveis;
. alienação de bens imóveis;
. aquisição de bens imóveis por doação com encargo;
. contração de empréstimos de entidades privadas;
. lei do sistema tributário municipal;
. estatuto do magistério público;
. estatuto dos funcionários públicos do município.
Elimina-se, ainda, a necessidade de dois terços dos membros da Câmara (hoje, 10 vereadores; a partir de janeiro, 14) para a aprovação de realização de sessão secreta. Por outro lado, esse quorum passa a ser exigido para a aprovação de emenda à Lei Orgânica, que antes poderia ser aprovada por maioria absoluta.
Responsabilização do prefeito
Por fim, o texto em vigor da Lei Orgânica tem todo um longo trecho (cinco laudas se copiado e colado num programa de edição de texto) que trata, detalhadamente, “da responsabilidade do prefeito municipal”, especificando as situações em que o chefe da prefeitura pode ser processado e julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJES) ou pela própria Câmara Municipal, as situações em que pode ter o mandato cassado, os crimes de responsabilidade e as infrações político-administrativas pelas quais pode ser condenado.
Na proposta de emenda à Lei Orgânica da base de Pazolini, todo esse longo trecho é sumariamente suprimido da lei, passando a se resumir a um artigo que diz, sucintamente: “O prefeito será processado e julgado, conforme disposto no Decreto-Lei 201, de 27 de fevereiro de 1967”. É a lei federal que dispõe, precisamente, sobre as responsabilidades de prefeitos e vereadores.
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