Coluna Inovação
O futuro passa pela academia
Conexão entre universidades, empresas e poder público pode impulsionar o futuro das deeptechs no Brasil e reduzir a distância tecnológica em relação a outros países

O avanço das deeptechs brasileiras depende da conexão entre universidades e mercado para transformar pesquisa em solução. Foto: Freepik
Durante muitos anos, uma teoria da conspiração circulou, e ainda circula, especulando que o país não se desenvolve porque interessa manter o nível de educação baixo para que se exerça uma dominação mais fácil dos países desenvolvidos, ou da elite daqui mesmo. Ao olhar a história dos grandes sucessos empresariais brasileiros, como a Embrapa, a Embraer e a Petrobras, uma coisa é comum: a formação de técnicos no exterior, com mestrados e doutorados, principalmente nas universidades nos Estados Unidos, com parceria institucional com elas muitas vezes, para viabilizar essas empresas no seu início. Esse apoio teve muitas vezes a participação financeira de instituições como a USAID, altamente demonizada em certos círculos(em extinção pelo Trump).
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E por que a educação básica é ruim no país? Por causa de uma conspiração internacional para manter o povo submisso ou por incapacidade nossa de priorizar devidamente esse investimento em todos os governos, à direita e à esquerda?
Melhor que a oportunidade de formar pessoal no exterior seria se tivéssemos por aqui universidades do mesmo porte. Algumas até sobressaem bem, mas o Brasil forma cerca de 40 mil engenheiros por ano, um número irrisório quando comparado a outras nações emergentes. China e Rússia, também integrantes dos BRICS, formam mais de 450 mil profissionais anualmente. Essa discrepância escancara o atraso brasileiro em um setor essencial para a competitividade global. E o problema fica mais dramático quando se constata que, entre 2014 e 2021, aproximadamente 150 mil estudantes abandonaram os cursos de engenharia no Brasil, segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Os investimentos feitos em universidades se perdem pela evasão causada em grande parte pela dificuldade de acompanhar os cursos por falta de base em matemática. Sem o avanço nas áreas STEM(Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) vamos marcando passo.
E o problema não é só esse. Há um movimento acontecendo, unindo várias instituições, com participação da Finep, Sebrae, BNDES, entre muitas outras, para desenvolver as chamadas startups deeptechs, isto é, startups saídas das bancadas de pesquisadores das universidades para resolver grandes problemas. Quando conversamos com essas candidatas a deeptech, vários problemas afloram. Por falta de contato com empresas, muitos pesquisadores, mesmo com vontade de empreender, não têm a menor ideia de como se relacionar com elas e como tocar um negócio. Como propor parcerias, como identificar uma dor do mercado, como conseguir investimento, como lidar com patentes, como formar um time, como vender um produto, como cumprir um cronograma, como enfrentar a burocracia regulatória(que na saúde e agricultura são pesadas). Tudo bem que o ambiente de negócios não ajuda muito. A burocracia para registrar patentes, a dificuldade para implementar as compras de tecnologia por governos, apesar das leis que permitem, a demora para aprovação nos órgãos reguladores e a falta de fundos para investimentos pacientes atrapalham bastante, bem como a dificuldade para a utilização de laboratórios da universidade pelas deeptechs.
A separação entre empresas e universidades tem até melhorado um pouco, mas em muitos casos ainda prevalece uma rejeição ideológica vinda da universidade, como também uma incompatibilidade de objetivos que privilegia a publicação de artigos abrindo segredos tecnológicos para o mundo. Esse desconhecimento ainda tem muito de “me engana que eu gosto”: artigos publicados que ninguém usa e mesmo patentes que não servem para nada. O mantra que o papel da universidade é avançar o conhecimento e formar gente tem que ser ampliado para incluir as parcerias com empresas. Os exemplos da Embrapa, Embraer e Petrobras apontam o que precisamos para o futuro: conhecimento vindo da academia, conexão com o exterior e uma iniciativa que anos atrás dependia de movimento estatal e agora tem que ser com empreendedorismo privado. Que proliferem as deeptechs.
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