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Coluna Vitor Vogas

Haddad viraliza com resposta a deputado capixaba sobre Lula

“O senhor deveria até se envergonhar”, disse ministro da Fazenda para Evair de Melo. Post ultrapassou 230 mil curtidas em 24 horas. Saiba aqui o contexto

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Fernando Haddad e Evair de Melo

Fernando Haddad e Evair de Melo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), viralizou com um vídeo publicado por ele nas redes sociais na tarde de quarta-feira (24). Trata-se da resposta de Haddad a uma “sugestão” feita pelo deputado capixaba Evair de Melo (PP), um dos vice-líderes da oposição na Câmara Federal, durante reunião da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. “O senhor deveria até se envergonhar”, chegou a lhe dizer Haddad.

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O ministro compareceu à comissão, na condição de convidado, para prestar esclarecimentos sobre a execução de projetos do Governo Federal. Em sua vez de interpelar Haddad, Evair perguntou ao ministro, em tom provocativo, se ele ia ou não ia telefonar para Lula a fim de convencer o presidente a permanecer nos Estados Unidos e se reunir pessoalmente com Donald Trump. No início desta semana, Lula foi a Nova Iorque para participar da Assembleia Geral da ONU.

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Haddad retrucou a Evair que Lula não precisa de lições de diplomacia, muito menos de um apoiador de Jair Bolsonaro, que “passou a vergonha que foi os quatro anos do governo anterior”. Segundo o ministro, Lula fala com qualquer chefe de Estado “a hora que quiser” e está fazendo o Brasil voltar a ser respeitado no cenário internacional, mas, ao contrário de seu antecessor, não vai se humilhar perante nenhum outro governante, enquanto Bolsonaro não interagia com nenhum outro chefe de Estado e o máximo que fez, no campo das relações diplomáticas, foi dizer “I love you” para Trump, “de forma vergonhosa”.

“O Lula não tá precisando de lição de diplomacia de ninguém. De ninguém. Se aconteceu alguma coisa ontem, que o senhor deveria até se envergonhar, em relação ao presidente anterior, é a maneira como o presidente Lula é tratado no mundo inteiro por todos, todos os chefes de Estado. O senhor tem hoje um presidente que fala com quem ele quiser, a hora que ele quiser, seja o presidente da China, da Rússia, da França, primeiros-ministros… com quem ele quiser”, respondeu Haddad, calmamente. No mesmo tom, prosseguiu na comparação:

“Eu não vi o seu presidente cumprimentar um chefe de Estado, a não ser, de forma vergonhosa, pra falar ‘I love you’ pro presidente dos Estados Unidos. O Lula não vai se dispor a esse tipo de humilhação, deputado. O Lula anda de cabeça erguida. Ele sabe da origem humilde que ele tem. Ele não nega a origem humilde que ele tem, mas ele sabe se fazer respeitar, como ele está fazendo agora: fazendo o Brasil ser respeitado. Por isso que 500 mil pessoas foram pra rua no domingo, pedindo respeito à nossa soberania, à nossa democracia. Então, sinceramente, querer dar lição de diplomacia pro presidente Lula, vindo de alguém que passou a vergonha que foi quatro anos do governo anterior… Nós precisamos ter um pouquinho mais de calma nessa hora. Muito obrigado.”

O post de Haddad alcançou mais de 230 mil curtidas em cerca de 24 horas. Para se ter uma ideia, neste ano, em sua conta oficial no Instagram, o ministro da Fazenda já fez mais de 170 posts. Só um deles, publicado há semanas, alcançou um maior número de curtidas: o do vídeo em que Haddad rebate alegações do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sobre o superavit fiscal obtido no governo Bolsonaro.

>Contexto

Na reunião da Comissão de Agricultura, como líder do PP, o deputado Evair de Melo teve o direito de dirigir questionamentos ao ministro da Fazenda. Ele iniciou sua fala, justamente, sugerindo a Haddad que telefonasse para Lula e implorasse ao presidente que ficasse nos Estados Unidos.

Senhor ministro, faça uma ligação ao presidente Lula e implore que ele permaneça nos Estados Unidos, para que ele possa ser recebido pelo presidente Trump na próxima semana. Não há nada mais importante. Eu entendo que o Mauro Vieira diz que ele é muito ocupado. Ele pode fazer as reuniões virtuais a partir de lá, mas vai ser muito importante para o Brasil. Não há nada neste momento mais importante do que a permanência dele lá e aceitar o convite que o presidente Trump fez para que, enfim, o Brasil possa reestabelecer as negociações políticas, econômicas e diplomáticas para a nossa economia. Eu queria que o senhor fizesse esse gesto aqui. Seria um gesto importante do senhor, até como ministro coração do Brasil, que é o Ministério da Fazenda.”

Evair concluiu em tom irônico: “Faça esse apelo ao Lula. Vamos até compreender. Ele pode ficar com a Janja lá, não tem problema nenhum. Vamos dar 5 dias, 6 dias de folga a ele, mas que ele fique lá e ele possa aceitar o convite presencial do presidente Trump”.

Na sequência, o deputado do Espírito Santo enumerou uma série de questionamentos voltados para a área econômica e fiscal, comparando dados, números e feitos do governo passado com o atual. Haddad lhe deu as respostas, sem entrar na questão da “ligação” sugerida por Evair. Na réplica, o deputado insistiu: “O senhor vai ligar pro presidente Lula pra ele ficar nos Estados Unidos ou não?”

Foi a deixa para que, na tréplica, Haddad lhe desse a resposta acima, que se tornou viral.

Em seu Instagram, praticamente em simultâneo à postagem de Haddad, o deputado publicou: “Evair cobra Haddad que convença Lula a encarar Trump pessoalmente”. Frisamos: “encarar”. O corte do vídeo foi outro: mostrou apenas o questionamento de Evair, sem a resposta do ministro. Até o momento desta publicação, o post do deputado havia obtido 5.284 curtidas.

Na Assembleia Geral da ONU, na última terça-feira (23), o presidente do Brasil, seguindo a tradição, fez o discurso de abertura. Para chefes de Estado do mundo inteiro, incluindo Trump, falou que a soberania e a democracia brasileiras são “inegociáveis”.

Logo após encerrar o discurso, Lula cruzou brevemente com Trump, que se encaminhava ao púlpito para fazer o próprio discurso. No meio deste, após criticar duramente o Brasil, Trump relatou de improviso o breve encontro minutos antes com o presidente brasileiro e, diante de toda a assembleia, disse que os dois tiveram uma “boa química” e que Lula lhe pareceu um “sujeito legal”. Trump disse a Lula que os dois precisam conversar – o que Lula depois confirmou.

Na guerra de narrativas em meio ao tarifaço imposto por Trump a produtos brasileiros, bolsonaristas sustentam que o governo Lula teria interditado o diálogo com o governo estadunidense, em prejuízo do Brasil, e que só Bolsonaro e pessoas próximas ao ex-presidente teriam acesso ao governo Trump; o governo Lula, por sua vez, sustenta que não tem poupado esforços para abrir canais de negociação com a Casa Branca, mas que o próprio governo Trump não vinha dando nenhuma abertura. Agora, após a “química” na ONU, isso pode mudar.

À coluna, o deputado Evair de Melo se manifestou assim: “O ministro Haddad, querendo lacrar, falou bobagem. Nós estávamos antecipando o óbvio, e hoje (quinta-feira) Lula admite que é razoável que a reunião seja presencial. Haddad se perdeu no ‘caminho de volta’, deveria ter tido a humildade de reconhecer que meu pedido tinha mérito, vai passar vergonha”.

Nesta quinta-feira (25), Lula voltou ao Brasil, satisfeito com o saldo da viagem. Uma reunião entre os dois presidentes de fato tem sido articulada pelo Itamaraty com a Casa Branca. Poderá ou não ser presencial.

Opinião: Evair está passando do ponto, e isso uma hora é cobrado

Já dizia Tancredo Neves: na política, quem briga são as ideias, não os homens. O Parlamento é o “templo sagrado” do salutar confronto de visões de mundo diferentes, não raro antagônicas, para se chegar aos consensos possíveis. Quando esse “confronto” é travado de maneira respeitosa e cordial, todos ganham. Quando o respeito, a civilidade e a urbanidade esperadas dos homens públicos dão lugar a bravatas, ao deboche e a ofensas gratuitas, caímos na vala perigosa da gritaria estéril que só gera cortes, likes, views e seguidores nas redes sociais.

Nos últimos anos, com a ascensão do bolsonarismo e a extrema polarização ideológica da política brasileira, perdeu-se de vista essa premissa básica da boa política. Gritar, atacar, agredir, insultar quem pensa diferente são práticas que entraram no manual político como se fossem plenamente normais e aceitáveis; a tal ponto foram naturalizadas que até quem não fazia isso e nunca havia precisado disso passou a também agir assim.

Não é de hoje que o deputado Evair de Melo tem passado do ponto ao confrontar ministros de Estado, os quais muitas vezes comparecem às reuniões ou audiências da Câmara na condição de convidados – ou seja, nem seriam obrigados a se prestar à sabatina dos deputados, mas o fazem voluntariamente.

O uso de um tom irônico, por vezes até debochado, passaram a ser habituais nos choques do deputado capixaba com ministros, os quais também se tornaram rotineiros. Foi assim, em outra audiência, quando ele chamou o mesmo Haddad, sem mais nem menos, de “limitado”. Recebeu do ministro da Fazenda uma resposta até polida. Assim também, mais recentemente, ao dizer à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), que ela é “adestrada”. Para que isso?

Só para dar mais um exemplo, bem menor que os anteriores, de como as provocações têm sido praticadas em série. Na reunião da Comissão de Agricultura que gerou o viral de Haddad, Evair, ao formular suas perguntas, interrompeu-se por um momento para dizer: “Vou esperar o ministro prestar atenção, porque o universitário está ajudando ele…” Tratava-se, por dedução, de um assessor a repassar ao ministro algum dado que ele não tinha no momento de cabeça, para que ele pudesse dar a resposta na sequência.

Qualquer um que já tenha visto uma audiência como essa sabe que nada é mais comum… Mas foi a deixa para Evair falar em “universitários”, alusão ao programa “Show do Milhão”, no qual participantes, sem saber a resposta certa, recorriam a um trio de estudantes de ensino superior. Mais um modo, enfim, de reduzir a capacidade do ministro, sem a menor necessidade.

O deputado capixaba não precisa disso. Não foi assim que chegou à Câmara. Não era assim que agia em seus primeiros anos por lá. Mas, no atual mandato, desde que passou a ser de oposição, ele radicalizou nessa estratégia.

É uma estratégia perigosa, pois tem o efeito bumerangue… De tanto debochar a cada oportunidade, uma hora a fatura é cobrada e, como prova a resposta de Haddad, isso pode se voltar contra você.

Quem passa o tempo todo a provocar pode acabar provocando um dano na própria imagem. Não entre os próprios seguidores, é claro. Mas a política não pode ser feita tendo em mente só os próprios seguidores.

Fica, enfim, a reflexão.