Coluna Vitor Vogas
De uma vez por todas: como votou Meneguelli no projeto do ICMS?
Posição do deputado na votação da polêmica elevação da alíquota está rendendo pano para manga. Por isso explicamos aqui como foi contado o voto dele e por que foi computado como foi

Sergio Meneguelli. Crédito: Lucas S. Costa
Respondendo diretamente à pergunta proposta no título desta coluna, o deputado Sergio Meneguelli (Republicanos), oficialmente, queria ele ou não, votou a favor do projeto de lei do Governo do Estado que elevou de 17% para 19,5% a alíquota do ICMS modal praticado no Espírito Santo – diferentemente do que ele mesmo chegou a alegar em suas redes sociais.O projeto foi votado no plenário da Assembleia Legislativa, em regime de urgência e sessão extraordinária, na última segunda-feira (27). Conduzida pelo presidente da Mesa Diretora, Marcelo Santos (Podemos), a votação foi simbólica. O placar oficial da votação foi de 15 votos a favor do projeto contra 13 votos contrários. O voto de Meneguelli foi computado pela Mesa Diretora como um dos 15 votos favoráveis.
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Desde a última segunda-feira, as informações acima foram confirmadas, nesta ordem, pela assessoria de comunicação da Assembleia, pela Secretaria Geral da Mesa, novamente pela assessoria de comunicação da Assembleia e, nesta segunda-feira (4), pelo próprio presidente Marcelo Santos.
Meneguelli alega, basicamente, que não votou a favor do projeto de elevação do ICMS e que nem poderia tê-lo feito porque, no momento da votação simbólica, não se encontrava em plenário – muito embora o painel registrasse a sua presença.
De fato, no momento exato do processo de votação e contagem dos votos, Meneguelli havia se ausentado brevemente do plenário. O próprio deputado já deu mais de uma versão para a “saidinha”. Para este colunista, chegou a dizer, na semana passada, por telefone, que precisou sair algumas vezes do plenário durante a sessão, inclusive para ir tratar de um assunto urgente relacionado à sua biografia. Para o jornalista Leonel Ximenes, de A Gazeta, nesta segunda, alegou que precisou ir ao banheiro “por uma questão fisiológica”.
Ocorre que o motivo neste caso não faz diferença, assim como não faz diferença o fato de ele ter saído do plenário. O voto de Meneguelli foi computado normalmente como um dos 15 votos favoráveis uma vez que, no momento da votação simbólica, sua presença em plenário estava registrada no painel (ainda ele tenha se ausentado momentaneamente) e uma vez que o deputado não se manifestou em contrário. Eis o ponto-chave da questão.
Para efeito de apuração dos votos, não ter se manifestado contrariamente corresponde a ter votado a favor, ainda que por inércia. E aqui cabe uma breve explicação sobre o processo de votação simbólica.
De acordo com o Regimento Interno da Assembleia, projetos de lei complementar são obrigatoriamente apreciados em plenário por meio de votação nominal. Nessa modalidade, o presidente da sessão declara aberto o painel de votação e cada deputado presente vai lá e registra seu voto (“sim” ou “não”), mas também pode simplesmente se abster.
Esse não foi, porém, o caso do projeto do governador Renato Casagrande (PSB) que elevou a alíquota do ICMS modal. Não se tratava de um projeto de lei complementar, e sim de um projeto de lei comum (abreviando, um PL). Regimentalmente, PLs seguem o sistema de votação simbólica, a menos que algum deputado peça à Mesa Diretora votação nominal e tenha o pedido acatado pela Mesa.
Uma “votação simbólica” segue o seguinte formato:
Tradicionalmente, ao abrir o processo de votação, o presidente diz “Os deputados que aprovam permaneçam como se encontram. Os contrários se manifestem”. E tudo é feito bem rapidamente.
No exato instante em que o presidente profere tais palavras, o deputado que for contra o projeto não pode, em hipótese alguma, “permanecer como está”. Precisa manifestar expressamente sua posição contrária. Vale gritar, pular, levantar a mão, acenar, gesticular, imitar um boneco de posto… Mas é preciso fazer alguma coisa para chamar a atenção do presidente e, inequivocamente, manifestar sua posição em contrário.
Atenção: Meneguelli chegou a dizer à coluna que, na verdade, seu voto teria sido uma abstenção. Mas esse modelo de votação não admite “abstenção” (exceto por parte do presidente da Mesa). A hipótese nem sequer é contemplada no Regimento Interno, no trecho que trata do processo de votação simbólica. No momento da votação, quem tiver a presença registrada no painel (tecnicamente, considerado presente à sessão) e não se manifestar contra a matéria, é automaticamente considerado um voto favorável. Simples assim.
No caso concreto, no momento da votação simbólica, Meneguelli não se manifestou contra o projeto justamente por ter dado uma saidinha. Ele alega que não votou nem poderia ter votado a favor porque não estava no plenário no momento. Paradoxalmente, teve o voto computado a favor precisamente por isso.
Na sessão da última segunda-feira, havia 29 deputados com presença registrada no painel – Iriny Lopes (PT) faltou à sessão. Como Marcelo Santos não vota, por ser o presidente, havia 28 deputados aptos a votar.
No momento da votação, Marcelo disse as clássicas palavras “Os deputados que aprovam permaneçam como se encontram. Os contrários se manifestem”. Então, treze manifestações contrárias foram contadas por ele entre seus pares.
Marcelo não chegou a proclamar em plenário um resultado ou um placar. Limitou-se a dizer: “Ok, 13. Em face do resultado, fica aprovado o projeto”. Quantos então teriam votado a favor?
Ora, é uma questão de raciocínio lógico e dedução matemática. Se havia 28 deputados aptos a votar, se esse modelo de votação não admite abstenção e se houve 13 votos contrários, a conta só pode ser 28 menos 13, que é igual a 15 votos favoráveis.
Por desencargo de consciência (parte 1), logo após a conclusão da votação, a coluna entrou em contato com a assessoria de imprensa da Assembleia, que de pronto nos confirmou o placar de 15 a 13, tal como publicamos na última segunda-feira (27).
Como Meneguelli passou a protestar nas redes sociais, por desencargo de consciência (parte 2), checamos novamente a informação com a Secretaria Geral da Mesa, com a Procuradoria Geral da Assembleia e com a Secretaria de Comunicação Social da Casa. A informação foi confirmada por todas as instâncias.
Meneguelli, então, protestou de forma veemente contra Marcelo Santos durante a sessão desta segunda-feira (4) pela maneira como a votação foi conduzida e por ter tido o voto computado como favorável. Por desencargo de consciência (parte 3), consultamos o próprio Marcelo, que reiterou a informação.
A “rapidez” da votação
Não se pode tampouco alegar, como Meneguelli chegou a dizer inicialmente, que ele teria sido pego de surpresa com a votação e que esta teria sido muito rápida. Todo mundo ali sabia que o projeto do ICMS seria votado naquela sessão. Ora, na primeira sessão daquela tarde (ordinária), o projeto do governo teve requerimento de urgência aprovado. Marcelo então convocou uma extraordinária para logo depois, tendo exatamente esse projeto na cabeça da pauta. Era ali que nós estávamos.
E, ao contrário do que ocorre em muitos casos, desta vez não se pode nem dizer que o projeto foi votado a jato, sem nenhuma discussão. Antes da votação propriamente dita, pelo menos cinco deputados foram aos microfones para argumentarem contra – Lucas Polese (PL), Callegari (PL) e Camila Valadão (PSol) – ou a favor – Tyago Hoffmann (PSB) e Janete de Sá (PSB).
A votação simbólica era iminente. Bastava permanecer em plenário.
Contagem de fato aos atropelos
Em defesa de Meneguelli, é preciso concordar que o momento da votação simbólica propriamente dita foi tumultuado. Aliado do governador e do Palácio Anchieta, Marcelo de fato contou as manifestações contrárias meio às pressas.
Um vídeo a que tivemos acesso mostra o deputado governista Adilson Espindula (PDT) levantando a mão, sem mostrar muita convicção, em meio a uma rodinha de deputados oposicionistas, enquanto Marcelo contava os votos contrários. Adilson não teve a manifestação considerada, e seu voto também foi contabilizado entre os 15 favoráveis. Ele silenciou a esse respeito.
Vale dizer que o projeto ficou a dois votos de ser rejeitado. Se as manifestações contrárias em plenário tivessem chegado a 15, a proposta não teria sido aprovada, e a alíquota do ICMS modal continuaria em 17% no Espírito Santo. Marcelo, enfim, pode mesmo ter feito a contagem intencionalmente de maneira atropelada, para não dar sopa ao azar – não teria sido a primeira vez. Isso é uma coisa.
Mas, de novo: Meneguelli nem sequer estava no plenário para se manifestar e marcar uma posição contra o projeto que ele agora afirma ter. Assim fica fácil demais para ele.
E fica difícil para nós…
Na atividade parlamentar, muito frequentemente, um legislador se vê em situações difíceis como essa, espremido entre a cruz e a espada. É preciso fazer escolhas, e é impossível querer agradar a todos a todo instante. Agradar um dos lados da questão normalmente implica arcar com as críticas vindas do outro e com o consequente ônus político.
O projeto de lei, no caso, era para lá de impopular para os contribuintes em geral, pois se trata sumariamente de ampliação da carga tributária – e da maneira mais regressiva possível, com a tributação sobre o consumo.
Mas era importantíssimo para o Governo do Estado, com o qual Meneguelli costuma votar; mais especificamente, para os cofres estaduais. Em última análise, a medida pode se reconverter em algo bom para a própria população, se esse impulso na arrecadação do Estado for direcionado para investimentos e melhoria nos serviços públicos e na qualidade de vida – mas esse é um raciocínio de longo prazo que não necessariamente se confirmará e que o cidadão que está pagando mais impostos não é obrigado a enxergar.
Ficar bem com o Governo do Estado, nesse caso, significaria arcar com o ônus de ter votado a favor de uma medida tão impopular, desagradando a boa parte da população. Ficar bem com a população significaria desagradar ao governo, com possíveis retaliações futuras – leia-se menos benesses e menos prestígio por parte do Executivo Estadual.
E, é claro, existe sempre a terceira opção, a mais confortável de todas, que é não marcar posição nem lá nem cá: não se manifestar abertamente contra o projeto na única hora em que isso de fato importava, mas dar aquela saidinha bem na hora para sempre poder alegar, comodamente, que tampouco votou a favor, “cavando” uma mui conveniente “abstenção”.
O deputado é muito experiente, mas a lição que fica é: se você é mesmo contra determinado projeto, ora, fique no plenário na hora H, vote contra e fim de papo. Do contrário, fica muito difícil convencer qualquer observador também um pouco experiente.
