Coluna Vitor Vogas
Câmara do ES aprova tíquete de R$ 1 mil para vereadores: “dignidade”
Falando em “sustento próprio e das famílias”, edis de Anchieta estendem auxílio dos servidores para eles mesmos, “independentemente da jornada de trabalho”

Câmara de Anchieta
Os vereadores de Anchieta aprovaram, em sessão extraordinária na noite dessa terça-feira (31), a concessão de auxílio-alimentação de R$ 1 mil para eles mesmos.
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Se o projeto virar lei, os 11 vereadores da cidade do litoral sul capixaba passarão a receber um tíquete mensal nesse valor, “independentemente da jornada de trabalho”, como consta na redação do projeto. Na justificativa, os autores alegam tratar-se de uma questão de “dignidade” e de “sustento” deles mesmos e de suas famílias.
O projeto foi apresentado com a assinatura de sete dos 11 parlamentares, incluindo o presidente da Casa, Renan de Oliveira Delfino (PP). Além dele, a proposição foi assinada por Renato Lorencini (PSB), Serginho (PSD), Professor Robinho (Avante), Cleber Pombo (PSD), Tereza Mezadri (PSB) e Marcia Cypriano (Podemos).
Na sessão extraordinária, o projeto foi aprovado por 6 votos a 3. Votaram contra os vereadores Pablo Florentino (PMN), Niltinho (PSC) e Rodrigo Semedo (PP).
Durante a votação, os três também chegaram a apresentar verbalmente uma emenda modificativa, para que a concessão do benefício continuasse valendo apenas para os servidores da Casa. A emenda foi rejeitada pelo mesmo placar: 6 a 3. Só foi apoiada pelos três autores.
A iniciativa dos vereadores contém uma grande pegadinha: espertamente, eles embutiram um jabuti no projeto.
A Câmara de Anchieta já paga auxílio-alimentação aos servidores da Casa. Desde fevereiro de 2022, cada funcionário recebe R$ 700,00 por mês, “independentemente da jornada de trabalho”.
O projeto apresentado agora altera em dois pontos a redação da lei municipal de fevereiro de 2022, que fizou em R$ 700,00 o benefício para os servidores da Câmara.
No primeiro artigo, o projeto aprovado nessa terça reajusta o valor desse tíquete para R$ 1 mil – variação de 42,8 %, muito acima do IPCA acumulado no período.
No segundo artigo vem a pegadinha: nos termos da lei de 2022, “o auxílio-alimentação será concedido a todos os servidores ativos da Câmara Municipal de Anchieta, independentemente da jornada de trabalho” (grifo nosso).
Agora, esse parágrafo da lei ganha a seguinte redação: “O auxílio-alimentação será concedido a todos os agentes públicos da Câmara Municipal de Anchieta, independentemente da jornada de trabalho” (grifo nosso).
Portanto, no lugar de “todos os servidores ativos”, o benefício passará a abranger “todos os agentes públicos da Câmara Municipal de Anchieta”, aí incluídos os 11 vereadores.
Assim, como se pode ver, os autores deram um jeito de, no mesmo projeto, corrigir o tíquete pago aos servidores da Casa e embutir o pagamento do benefício, no mesmo valor, para eles mesmos.
A sinuca de bico do prefeito
Agora, o projeto segue para a análise do prefeito Fabrício Petri (PSB). Ele tem 15 dias para vetar ou sancionar a lei.
A nossa apuração indica que ele certamente não o vetará, até por conta da “esperteza” dos vereadores explicada acima: embutirem a concessão do benefício para eles próprios no mesmo projeto que amplia o valor pago aos servidores, eles vinculam as duas coisas.
Dessa forma, se o prefeito vetar a matéria, anulará também a correção do tíquete, frustrando todos os servidores da Câmara de Anchieta – uma das que emprega mais gente no Espírito Santo, proporcionalmente à população do município.
Uma saída política para o prefeito será deixar transcorrer esse prazo legal de 15 dias para devolver a matéria à Mesa Diretora da Câmara, sem se manifestar sobre ela. Nesse caso, competirá ao presidente da Casa, Renan Delfino, promulgar a nova lei por sua conta. Essa será a provável saída estratégica adotada por Petri.
Na próxima sexta-feira (3), o prefeito seguirá em viagem ao exterior, deixando a administração municipal aos cuidados do seu vice-prefeito, Carlos Waldir (MDB), grande aliado de Petri e muito sintonizado com ele. Como prefeito em exercício, Waldir não deve se posicionar sobre o tema. Deve esperar a volta de Petri, que, de todo modo, tende a deixar expirar o prazo.
O ato falho dos vereadores
Os autores do projeto se mostram altamente confiantes na sanção por parte do prefeito. Tanto que cometeram um ato falho. Tenha sido por excesso de confiança ou de pressa, o que foi publicado no site da Câmara não foi o projeto de lei, mas um documento em nome de Fabrício Petri (mas não assinado pelo prefeito) no qual ele, antecipadamente, diz que “sanciona a lei”.
Justificativa: um tapa na cara
A justificativa do projeto é um acinte.
Os autores argumentam que, segundo o Dieese, “o valor da cesta básica atualmente na região de Anchieta (valores tomados na capital do Estado) é de R$ 706,06”.
Eles dizem, ainda, que o projeto atende ao direito constitucional à alimentação: “A concessão do benefício vai ao encontro do Direito Constitucional à alimentação (art. 6º) e contribui para valorizar cada parlamentar de Anchieta e suas respectivas famílias”.
Alegam, ainda, que “se trata de medida de interesse público, por atingir diretamente a dignidade dos agentes públicos desta Casa de Leis, o sustento próprio e de sua família”.
Os vereadores de Anchieta só têm uma sessão plenária por semana, às terças-feiras, a partir das 18 horas. Como qualquer parlamentar, não são obrigados a se dedicarem exclusivamente ao exercício do mandato, podendo perfeitamente conciliar a vereança com o exercício de atividades profissionais e, portanto, acumular fontes de renda.
Dá para comprar 12 cestas básicas, levando em conta o dado da própria justificativa.
