Coluna Vitor Vogas
Arnaldinho busca se fortalecer em ponto fraco dele, onde Ricardo é muito forte
O prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (sem partido), fez, na semana passada, um movimento que merece ser examinado com lupa. É o que aqui fazemos

Arnaldinho entrega a Casagrande carta com medidas pedidas por empresários ao Governo do Estado
O prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (sem partido), fez, na semana passada, um movimento que merece ser examinado com lupa. Num primeiro momento, Arnaldinho promoveu uma reunião com representantes de segmentos econômicos capixabas, da indústria e da agricultura, diretamente afetados pelo tarifaço de Donald Trump sobre exportações brasileiras para os Estados Unidos. Num segundo momento, entregou ao governador Renato Casagrande (PSB) uma carta com sete reivindicações do setor produtivo representado no encontro, visando reduzir ou compensar os impactos do tarifaço sobre os respectivos negócios.
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A reunião presidida por Arnaldinho ocorreu na terça-feira (5). A carta, firmada pelo prefeito, foi entregue ao governador na sexta-feira (8), conforme noticiamos aqui.
Independentemente de qualquer efeito prático do ato em si – é improvável que o Governo do Estado tome ou deixe de tomar alguma medida somente em função da referida carta –, o movimento de Arnaldinho desperta atenção por sua conotação política. Ao promover uma aproximação com o setor empresarial capixaba, o prefeito de Vila Velha demonstra compreender a importância de buscar se fortalecer em um ponto no qual ele, hoje, ainda fica devendo… um aspecto que pode ser considerado um dos seus pontos fracos, quiçá seu calcanhar de Aquiles, considerando suas altas pretensões eleitorais.
Para ser candidato a governador, é importante, para não dizer fundamental, ter boa “entrada” no meio empresarial. Ainda que, desde 2017, empresas não possam mais doar recursos para financiar campanhas, quem há de pôr em dúvida a influência do chamado “andar de cima” do PIB capixaba nas disputas eleitorais que definem os rumos do Estado?
Nesse mesmo aspecto, por acaso, o adversário íntimo de Arnaldinho, a um só tempo concorrente e aliado, nada de braçada há décadas: o vice-governador Ricardo Ferraço (MDB) é um campeão de popularidade… junto ao meio empresarial. Hors-concours nesse universo, já estaria eleito governador se apenas grandes empresários capixabas tomassem parte na decisão. Arnaldinho precisa, é claro, tirar um pouco dessa abissal diferença no quesito “bom trânsito” com o empresariado capixaba.
Com senso de oportunidade, o prefeito soube ler o momento e, permitam-me corrigir-me, fez mais que “promover uma aproximação com o setor empresarial”: apresentou-se como um líder político solidário com suas preocupações, atento à urgência e à gravidade do momento, como alguém em condições de servir de mediador de seus interesses junto ao Governo do Estado em uma hora crítica.
Para alguns setores, como os de gengibre e café, a sandice vinda do Trumpistão pode ter consequências calamitosas. Outros, como o de rochas ornamentais, mantêm-se em estado de alerta, pois a profundidade do impacto ainda é incerta. A incerteza, aliás, é a regra. A sensação geral é de insegurança. Nessa hora mais escura, precisamente, Arnaldinho deu um passo à frente.
O encontro em questão foi realizado na sala de reuniões do gabinete do prefeito, em Coqueiral de Itaparica, Vila Velha. Foi articulado por ele mesmo e pelo secretário de Desenvolvimento Econômico de Vila Velha, Everaldo Colodetti, ex-funcionário de carreira do Bandes. Os participantes foram convidados pelo secretário e, alguns, pelo próprio Arnaldinho.
Na reunião, o prefeito abriu os trabalhos e passou a palavra para Colodetti, que conduziu a discussão. Segundo o relato de um participante, Arnaldinho externou sua sincera preocupação com o tarifaço e fez questão de enfatizar seu excelente acesso ao governador Renato Casagrande (o que ele, de fato, possui).
A assistência da reunião foi bem representativa. Estiveram presentes dirigentes de entidades pesadas dos ramos de comércio exterior, rochas ornamentais, café e gengibre, além da Autoridade Portuária, da Associação de Empresários de Vila Velha e da Futura Inteligência (instituto de pesquisas pertencente à empresa de investimentos Apex Partners, que tem entre os sócios um filho de Ricardo Ferraço e o filho de Casagrande).
Desde o início, houve consenso de que, da reunião, para além de preocupações e lamentos, era preciso sair com um documento que desse materialidade a tudo o que ali fosse discutido, para não ficar uma reunião por ela mesma, só um momento de desabafo coletivo, como um grupo de autoajuda de empresários abalados pela medida do governo Trump.
Cada um teve um momento de fala e, além de externar as agruras do próprio setor, pôde sugerir medidas concretas para minimizar esse abalo. Estas foram compiladas e documentadas na carta entregue em mãos por Arnaldinho ao governador.
Nesta semana, o prefeito pretende fazer o mesmo, mas em outro patamar: mandará carta similar, em nome de empresários capixabas, ao presidente Lula (PT), com uma relação de medidas que eles querem que sejam adotadas pelo Governo Federal.
O movimento, enfim, pode ser lido como um princípio de esforço de Arnaldinho para ganhar terreno onde Ricardo, há muito tempo, já ocupa um latifúndio. Ganhar um pouco mais de força na seara do vice-governador, onde ele hoje ainda tem tímida inserção e onde Ricardo, ao contrário, é muito forte.
Vila Velha, com seu Porto de Capuaba, é a principal porta de saída das commodities capixabas para o mundo. Arnaldinho aproveitou para tentar começar a abrir, se não uma porta, pelo menos uma fresta de acesso a um segmento-chave fechadíssimo eleitoralmente com o vice-governador… um recinto onde Ricardo tem entrada franca.
Na carta de lançamento, há dois meses
Em outro documento importante, de dois meses atrás, o prefeito de Vila Velha já registrava ter consciência da necessidade de estreitar o diálogo com o setor produtivo capixaba.
No dia 11 de junho, em artigo inicialmente publicado em A Gazeta e depois enviado a esta coluna, Arnaldinho lançou de uma vez por todas sua pré-candidatura a governador. No texto, intitulado “Renovação segura para enfrentar os desafios dos novos tempos no Espírito Santo”, ele escreveu:
“A partir de agora, iniciarei uma jornada por todos os municípios do Estado, nos finais de semana, sem comprometer nossa agenda administrativa em Vila Velha. Meu objetivo é dialogar com as lideranças do agronegócio, da indústria e do comércio. […]”
“Caminharemos unidos”
No dia 30 de julho, dois dias após reunir-se a sós com Casagrande e Ricardo, no Palácio Anchieta, Arnaldinho declarou aqui: “Caminharemos juntos”. Ele se referia, é claro, à eleição para o Governo do Estado em 2026. No dia 2 de agosto, no ato de inauguração da nova sede da Apae, em Araçás, Vila Velha, o prefeito repetiu a mensagem, publicamente.
O que Arnaldinho quis dizer é que, no processo eleitoral, ele e Ricardo estarão necessariamente no mesmo palanque, isto é, não há hipótese de um se lançar ao governo contra o outro, com duas candidaturas concorrentes. Não. O governo só terá um candidato.
Em nenhum momento, contudo, o prefeito tirou o time de campo, disse, insinuou ou sugeriu que esse candidato do grupo será necessariamente Ricardo, com o apoio dele. Na verdade, ele segue vivo no jogo, lutando para se viabilizar, para ganhar a preferência de Casagrande e ser escolhido pelo governador, como o candidato do grupo, na hora da verdade, ano que vem.
Até lá, cada um seguirá procurando se viabilizar com os próprios meios.
Trunfo de um é ponto fraco do outro
Em muitos aspectos, Arnaldinho e Ricardo podem ser avaliados como opostos: do ponto de vista eleitoral, as maiores vantagens de um podem ser tomadas como as maiores fraquezas do outro.
Para quem quiser se aprofundar neste ângulo de análise, publicamos aqui uma ampla e detalhada exposição dos prós e contras de cada um.
Ricardo foi pra galera
Enquanto Arnaldinho tenta ganhar pontos na seara de Ricardo (onde ele mesmo é fraco e Ricardo, muito forte), o vice-governador ataca na seara de Arnaldinho (onde ele mesmo é fraco e o prefeito, muto forte).
Engajado desde o início do ano em intenso trabalho para se tornar mais popular e suavizar a própria imagem, Ricardo cumpriu, na tarde do último sábado, a agenda mais “da massa” possível: foi ao estádio assistir ao futebol e torcer para o time mais popular do Espírito Santo.
Para ser mais preciso, o vice-governador foi ao jogo do Rio Branco contra a Luverdense pela fase de 32 da Série D do Brasileirão, no Estádio Kleber Andrade, ciceroneado pelo médico e vereador Fernando Santorio (PP), por acaso o mais votado de Cariacica em 2024 e que, vejam só, vem a ser dirigente do clube capa-preta.
Vestindo o uniforme do Brancão, como manda o manual do torcedor, Ricardo se fez acompanhar do filho mais novo, ainda menino. No box populi, abriu bem o chuveiro, ensaboou-se e tomou o seu banho de povo. Ainda por cima foi pé quente: deu Rio Branco, 3 a 0, classificado para as oitavas de final da Série D. E a duas fases do sonhado acesso à C.

Ricardo Ferraço com Fernando Santorio no Kleber Andrade
Não, Ricardo não foi Rick Jagger…
Dessa vez, quem não compareceu foi Casagrande. Ele não costuma perder uma ida ao estádio, mas deu uma variada no esporte: foi ver um jogo exibição realizado pela seleção masculina de basquete, concentrada em Guarapari para uma temporada de treinos.
Parceiro histórico do Espírito Santo em Ação
Bom lembrar que Ricardo Ferraço tem uma relação profundamente enraizada com o setor produtivo capixaba, a qual remonta às origens do Espírito Santo em Ação, movimento da sociedade civil que reúne as maiores empresas capixabas. O atual vice-governador é um histórico parceiro político do ES em Ação desde a sua fundação, em meados de 2001, quando ainda era deputado federal.
Ao lado de Paulo Hartung (eleito governador pela primeira vez no ano seguinte, com apoio do mesmo movimento), Ricardo foi um dos principais parceiros políticos no nascedouro e na infância do ES em Ação, e assim se mantém até hoje. Seja como secretário de Agricultura, seja como vice-governador de Hartung, seja como senador da República, seja agora como vice de novo (de Casagrande)… Essa parceria se manteve ao longo dos anos e se perpetua, inquebrável.
Fica aí a dica para um novo quadro…
Quem acompanha o Instagram de Arnaldinho Borgo sabe bem: não é de hoje que o prefeito costuma publicar uma espécie de “quadro” chamado “Café na Obra”. Regularmente, para mostrar que sob sua gestão Vila Velha “não para”, ele vai bem cedo tomar café da manhã com pedreiros em algum canteiro de obras, normalmente de capacete e tudo.
Agora, empenhado em fortalecer os laços com o meio empresarial, o prefeito poderá lançar o “Café com Gengibre”, servido sobre uma mesa de mármore e granito, em diálogo com empresários da cidade.
No cenário, saem as pedras dos Pedros Pedreiros dos canteiros da construção civil, entram as peças trabalhadas de rochas ornamentais. Fica aí a dica.
Adendo: e Pazolini?
Sobre a “entrada” hoje muito limitada no meio empresarial, o mesmo que aqui afirmamos a respeito de Arnaldinho vale para o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos).
