Coluna Vitor Vogas
Espírito Santo, um estado conservador? Nésio Fernandes discorda
Agora pré-candidato a deputado federal, ex-secretário estadual de Saúde contesta a premissa, com base em dados históricos, e avalia como um erro ignorar o peso da esquerda nas eleições democráticas para governador do ES desde os anos 1950. Entenda melhor aqui

Nésio Fernandes e Renato Casagrande. Foto: reprodução Facebook
Secretário estadual de Saúde entre 2019 e 2022, o médico sanitarista Nésio Fernandes (PCdoB) voltou, digamos, com maior intensidade à política capixaba nas últimas semanas, apresentando-se como pré-candidato a deputado federal (o que deve se concretizar) e até como alternativa (muito improvável) a governador do Estado, caso Helder Salomão (PT) não se viabilize pela Federação Brasil da Esperança. Em diálogo com a coluna, Nésio contesta uma avaliação difundida há algum tempo, como “verdade absoluta”, por “conservadores” e até por “não conservadores” em terras capixabas: a de que o Espírito Santo é, em essência, “um estado conservador”.
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Para o ex-secretário, há seríssimas controvérsias. Com base em dados históricos, ele avalia como um erro ignorar a influência que a esquerda sempre teve nas eleições democráticas para governador do Espírito Santo desde os anos 1950 e, portanto, como um erro ainda maior subestimar o papel reservado à esquerda nas eleições majoritárias do ano que vem em território capixaba.
“Qualquer leitura que pinte o cenário das eleições de 2026 no Espírito Santo como um cenário monocromático, que pinte o cenário das disputas majoritárias somente como um espaço da direita ou da extrema-direita, é uma representação que não encontra base e fundamento histórico nas escolhas do eleitorado capixaba nos dois ciclos democráticos que o Brasil viveu.”
Como lembra Nésio, de 1950 a 1965 (mais ou menos entre o Estado Novo e o golpe militar de 1964), governadores como Jones dos Santos Neves e Chiquinho Lacerda derrotaram, pelo voto, os setores mais conservadores capixabas, com o apoio da esquerda.
De 1982 para cá, em todas as eleições diretas para governador, somente José Ignácio Ferreira foi eleito sem o apoio de partidos de esquerda, em 1998. Ainda assim, não podia ser classificado como um homem de direita, até porque havia sido um deputado cassado pela ditadura civil-militar, no fim dos anos 1960. Ademais, basta dizer que se elegeu pelo PSDB, representante autêntico da social-democracia no país – longe de ser, ao menos então, um partido de direita.
“Até mesmo a eleição de Paulo Hartung contra Casagrande em 2014 teve uma construção com setores da esquerda”, relembra Nésio. De fato, a ala então dominante do PT-ES apoiou o último governo de Hartung (2015-2018), e João Coser compôs o secretariado do então emedebista.
A esquerda, recorda Nésio, teve participação importante no processo de reconstrução e estabilização institucional vivido pelo Espírito Santo ao longo das últimas décadas – coincidente com o revezamento de Hartung e Casagrande no poder.
Para ficar em um exemplo, o deputado petista Cláudio Vereza foi o primeiro presidente da Assembleia Legislativa, no biênio 2003-2004, após a Era Gratz. Sua passagem pela presidência do Parlamento Estadual foi um marco divisório; o clássico “divisor de águas” (de águas turvas para outras mais límpidas), no que concerne à moralização daquela Casa de Leis. Isso de fato é História com H. Não dá para negar que foi assim. Quem viveu esse período sabe bem.
“O fato concreto é que a esquerda participou de toda a agenda que trouxe ao Espírito Santo uma característica de estabilidade institucional e de respeito à democracia. Se você fizer uma conta, não existe um governador de extrema-direita ou de uma direita conservadora mais radical eleito no estado do Espírito Santo, incluindo os dois ciclos democráticos”, argumenta o ex-secretário de Saúde.
Nésio cita ainda os resultados das últimas eleições gerais no Espírito Santo. Mesmo com a vitória de Jair Bolsonaro (PL) no Estado, o socialista Casagrande derrotou o candidato bolsonarista, Manato (PL). Das 14 unidades da federação onde Bolsonaro venceu para presidente da República, o Espírito Santo foi a única que elegeu um governador de partido de centro-esquerda. Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, não é bolsonarista e também derrotou o candidato de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, mas elegeu-se pelo PSDB e está mais à direita de Casagrande.
Além disso, emenda Nésio, no Espírito Santo, Lula obteve 41% dos votos válidos no 2º turno (pouco mais de dois terços), “mesmo sem nenhum candidato majoritário pedindo votos para ele”.
Com efeito, nenhum dos principais candidatos a senador – Rose de Freitas (MDB), Magno Malta (PL) e Erick Musso (Republicanos) – pediu votos para Lula. Rose ficou na dela, embora discretamente apoiada pelo PT. Os outros dois são antipetistas.
Já na disputa para governador, Casagrande contou com o apoio oficial e a presença da Federação Brasil da Esperança na sua coligação. As bases e os dirigentes de PT, PV e PCdoB foram para as ruas pedir votos para ele, notadamente no 2º turno contra Manato (PL). Mas Casagrande passou longe de fazer campanha para Lula. Não foi além de manifestações protocolares de apoio ao petista, em uma ou outra entrevista. Aceitou de bom grado declarações de “apoio híbrido” de aliados bolsonaristas, no chamado voto “Casanaro”.
Para se ter uma ideia, o senador Marcos do Val (Podemos) chegou a aparecer em sua propaganda eleitoral na TV, assim como esquerdistas como a então vereadora de Vitória Camila Valadão (PSol).
Nésio destaca também esse fato como evidência de que as coisas, no Espírito Santo, não são tão chapadas assim (ou, como ele prefere, “monocráticas”): “estado conservador e pronto, fim de discussão…” Muita calma nessa hora.
“Existe um eleitorado no Espírito Santo que não grita tanto quanto grita a extrema-direita, mas se expressa no lugar principal em que tem que se expressar, que é a urna”, opina o ex-secretário. “A eleição de 2022 demonstrou que até setores da direita local que saudavam o bolsonarismo nacionalmente não aceitaram eleger um governador da extrema-direita capixaba, alguém que tinha carteirinha da Le Cocq”, resgata Nésio, em referência a Manato.
