Coluna Vitor Vogas
Análise: Ricardo Ferraço bota seu bloco na rua para ser governador
Os dez pontos-chave das declarações do vice-governador na entrevista em que ele praticamente se lança à sucessão de Casagrande. A estratégia da dupla no governo para Ricardo se projetar e se viabilizar eleitoralmente
“Mando aqui um recado [para os adversários]: podem vir quentes que estaremos fervendo”. A fervorosa frase foi disparada pelo vice-governador Ricardo Ferraço (MDB), parafraseando “o conterrâneo Roberto Carlos” (na verdade é um sucesso do Erasmo, mas eles se confundem mesmo no imaginário coletivo, então segue o jogo). A surpreendente citação/provocação, de um Ricardo inesperadamente despojado e “sincerão”, traduz perfeitamente o tom da ardente entrevista concedida por ele à coluna na noite da última quarta-feira (15).
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A próxima eleição ao Governo do Estado já vinha sendo pré-inaugurada com incomum antecipação. Mas agora Ricardo deflagra de vez o processo, ao botar seu bloco na rua, para citarmos a icônica canção de outro grande cantor e compositor da amada Cachoeiro do vice-governador. Ao praticamente assumir (só faltou dizê-lo assim) sua pré-candidatura a governador, Ricardo, definitivamente, aumentou a fervura dessa água que já vinha quente.
Normalmente muito contido, até um pouco fleugmático para tratar de questões políticas e eleitorais, Ricardo falou sobre essa pauta com inesperada desenvoltura. Trocou a reserva pela franqueza; a autocontenção, pela eloquência.
“Estou pronto e preparado para ser candidato a governador, na hora certa.”
“A política e a especulação são gêmeas siamesas”, afirmou o vice-governador em outro ponto da entrevista. Ricardo tratou de dirimir qualquer suspeita ou especulação de que pudesse não estar em seus planos ser candidato ao Palácio Anchieta, para suceder seu maior aliado, Renato Casagrande (PSB), que disse, no fim de dezembro: “Se desejar, Ricardo vira candidato natural à sucessão”.
Ele o deseja, sim. E muito. Trabalhará intensamente por isso, fará o que lhe couber, o que estiver ao seu alcance, para se viabilizar, chegando competitivo em abril de 2026 e dando assim, a Casagrande, o conforto necessário para sair de cena, passar-lhe o cetro de governador e ir à luta na eleição para o Senado.
Ricardo procurou escolher bem as palavras para não incorrer em alguma conduta vedada pela legislação eleitoral. Nos bastidores, mostrou um cuidado extremado e certo receio, eu diria, com o tratamento que seria dado pelo entrevistador às suas palavras (especificamente, com o título que eu daria à entrevista, temendo que eu estampasse “Ricardo se lança ao governo”, ou algo assim).
Então fica combinado: para todos os efeitos, Ricardo não está (ainda) lançando candidatura ao governo nem se lançando ao Palácio Anchieta. Mas isso pouca diferença faz, é quase um preciosismo semântico diante do teor das suas afirmações. As palavras do vice-governador não deixam um quê de dúvida quanto à sua obstinação em se viabilizar. E põem de pé um punhado de certezas, as quais passamos a listar e explicar.
1) Principal aposta. Total
Ricardo é, efetivamente, a principal aposta do governo Casagrande, do próprio governador e até do PSB para a sucessão. Não cabe mais nenhum questionamento quanto a isso.
Em entrevista à Rádio BandNews no fim do ano passado, o governador citou outros aliados (Arnaldinho, Vidigal e Euclério) em pé de igualdade com Ricardo. Evitou tratar seu vice como “plano A” ou “nome prioritário”. Fez isso para não melindrar os aliados citados e porque sabe que, se o plano A não vingar (se Ricardo não decolar), pode precisar de um plano B, um C, um D…
2) Ele tentará de novo
Enganou-se muito quem apostou que Ricardo poderia se contentar em encerrar o mandato atual de “vice de novo” e voltar para a casa ostentando o raro título de vice-governador por dois mandatos, com dois governadores diferentes, sem jamais tentar chegar ao Palácio Anchieta pelo voto popular.
Em 2010, quando tudo parecia certo, tudo deu errado para ele. Agora, embora escaldado, ele se recoloca no jogo. Repito: fará de tudo para se viabilizar.
3) Renato e Ricardo (RR) entrosadíssimos
Casagrande e Ricardo estão entrosadíssimos, juntos e misturados, pensando, planejando e executando em total coordenação cada movimento no percurso rumo à próxima eleição, dentro do calendário eleitoral e daquilo que Ricardo definiu como um planejamento estratégico e que eu aqui defino como “projeto sucessão” e “marcha da viabilização”.
Os dois traçaram juntos esse plano e estão seguindo-o em perfeita sintonia: “Essas mudanças aconteceram dentro de um planejamento e vão continuar acontecendo com muita intensidade”, revelou Ricardo.
Daqui para a frente, isso ficará mais evidente a cada dia: um não fará A sem que outro saiba de A e complete com B. As próprias entrevistas de Casagrande em dezembro, somadas à de Ricardo agora, de certo modo provam isso: um acende a fogueira; o outro sopra para atiçar o fogo.
Algumas frases de Ricardo na entrevista também reforçam essa ideia. A principal: “Somos um time”.
4) Exposição cada vez maior
A virada do ano marcou o início de uma nova etapa, decisiva para o sucesso do referido plano. O Ricardo que entra em 2025 é um outro Ricardo Ferraço, bem diferente do que vinha se apresentando (ou não) até então. Este ano, afinal, é a antessala de 2026, preparatório para a próxima eleição e decisivo para as pretensões do vice-governador.
Como já vem fazendo, ele será muito mais ativo e participativo, inclusive nas redes sociais, passará a circular muito mais pelas várias esferas do governo, transitando transversalmente por anúncios, políticas e entregas que vão muito além de sua pasta, a Secretaria do Desenvolvimento (Sedes). Assumirá protagonismo, ou copratogonismo, ao lado de Casagrande.
“É muito provável que a gente participe não só das agendas relacionadas a desenvolvimento, mas que a gente possa participar das demais agendas que compõem o governo, como segurança, educação, saúde, infraestrutura e assim por diante.”
Ao mesmo tempo, a ordem é “politizar” todas as ações, entregas, benfeitorias, programas e políticas públicas do governo, “no melhor sentido da palavra” – como me contou Ricardo, em uma parte não gravada da conversa, por isso não incluída na entrevista. Isso significa comunicar, dar a máxima visibilidade, fazer chegar ao conhecimento das pessoas tudo o que o governo vem fazendo, e capitalizar politicamente as realizações e os bons resultados.
5) Não “ideologizar” nem nacionalizar a campanha
Ricardo, se for mesmo candidato, fará uma campanha concentrada justamente nisto: realizações e resultados do governo do qual foi coprotagonista. A julgar por suas palavras, correrá de um debate ideológico como o diabo da cruz. Da polarização, mais ainda: “Essa polarização é uma cortina de fumaça para esconder insegurança, incompetência, falta de conteúdo e de resultado para oferecer às pessoas”. Da nacionalização, idem: “O meu foco é o Espírito Santo. São os capixabas”.
Ele afirma ter percebido, na última disputa municipal, um arrefecimento da polarização ideológica – o que de fato se deu. E o constata com indisfarçado alívio. Quanto menos a próxima eleição estadual for contaminada pelo debate ideológico raso e pela disputa presidencial, mais favorável será o clima para ele fazer uma campanha focada no legado do governo Casagrande e nas questões afetas aos capixabas e ao Espírito Santo, como ele pretende.
A última eleição ao governo, em 2022, serviu de lição dolorosa para a dupla. Com resultados a mostrar, Casagrande chegou para a reeleição como grande favorito e, no 1º turno, fez uma campanha olímpica, concentrando-se em apresentar seu portfólio construído em quatro anos. As pessoas, em grande parte, não estavam nada interessadas nisso. E a invasão da disputa Lula x Bolsonaro por pouco não custou a vitória à chapa Renato & Ricardo.
6) Candidato sentado ou não na cadeira
Ricardo está determinado a se lançar à sucessão de Casagrande nos dois cenários colocados: “Estarei pronto e preparado para ser candidato a governador nos dois cenários: com Casagrande saindo do governo e sendo candidato ao Senado e com Casagrande ficando no governo, concluindo o mandato e, portanto, coordenando a sucessão dele”.
A declaração de Ricardo, ainda mais com essa assertividade, vai contra, devo dizer, um primeiro raciocínio que expus aqui, avaliando que, se Casagrande sair para disputar o Senado, é muitíssimo provável que o vice-governador dispute mesmo a sucessão (até porque ele assumirá o governo), mas, se Casagrande não sair, é muito difícil que Ricardo seja o candidato desse grupo ao governo – pois a permanência de Casagrande seria sinal de falta de confiança na vitória eleitoral de Ricardo.
Por esse ângulo, a candidatura do vice-governador estaria praticamente condicionada a ele se sentar na cadeira de governador em abril. Mas o próprio Ricardo derruba peremptoriamente essa tese.
7) Ele quer ir para a guerra com um exército
Ricardo sabe que o sucesso eleitoral de sua eventual candidatura e do grupo que ele integra, liderado por Casagrande, depende fundamentalmente de um conjunto de forças políticas e da preservação da incrível coalizão reunida em torno de Casagrande. Essa coalizão hoje agrega de partidos de esquerda a partidos de direita (das principais siglas, só ficam fora o PL, o PSD e o Republicanos no Espírito Santo). Reúne, ainda, líderes políticos os mais diversos: quase todos os prefeitos capixabas e quase todos os deputados federais e estaduais.
É exército para impulsionar qualquer candidato governista, por mais popular e carismático que sejam eventuais oponentes. Quanto mais unido e coeso chegar esse grupo ao umbral das eleições 2026, mais forte será Ricardo e maiores serão suas chances de triunfo.
“Eu trabalharei pela minha candidatura nos dois cenários. E a minha candidatura nos dois cenários tem um pressuposto: o pressuposto da nossa unidade”, afirmou o vice-governador.
8) Lutar para manter a unidade
Consciente disso, Ricardo enfatizou que fará de tudo para preservar a unidade do que ele mesmo define como uma “frente ampla”, fazendo questão de citar partidos e, nominalmente, outros cinco líderes políticos também aliados de Casagrande dentro dessa mesma frente governista: Arnaldinho, Vidigal, Euclério, Josias da Vitória e Gilson Daniel.
Notem bem: Ricardo fez questão não só de mencioná-los como também de relacioná-los como potenciais representantes do mesmo grupo na sucessão de Casagrande, em pé de igualdade com ele. A se tomar ao pé da letra as palavras do vice-governador, todos os seis teriam hoje idênticas chances de representar essa frente ampla como o candidato ao Palácio Anchieta, apoiado pelos demais.
Dando um passo não para trás, mas para o lado, Ricardo afirmou: “Estou pronto e preparado para essa batalha, pela minha experiência acumulada de vida. Agora, da mesma forma que estarei pronto e preparado para ser candidato a governador, eu também estou pronto e preparado, com a mesma intensidade, para apoiar qualquer um dos grandes líderes que fazem parte do nosso movimento político”. Ao longo da entrevista, ele repetiu variações dessa frase mais de dez vezes (precisei cortar algumas).
9) Aceno forte aos parceiros
A frase reiterada por Ricardo contém um quê de retórica e um grande quê de estratégia. É, em primeiro lugar, um gesto de desprendimento, que denota humildade, boa vontade, desejo de agregar… Ora, Ricardo quer atrair o apoio de todos eles e unificá-los ao seu redor… sabe que é, hoje, o favorito para ser o cara e a cara do grupo governista na eleição. Mas não pode entrar nesse processo com soberba, um passo acima dos demais, nem acotovelando ninguém:
“Nós somos uma frente ampla e precisaremos continuar trabalhando por essa unidade. Então não vou sair por aí atropelando o que quer que seja ou não considerando a legitimidade dos projetos ou pretensões que existam dentro do nosso movimento político liderado pelo Casagrande”.
Ao surrar aquela tecla da reciprocidade e da “dupla determinação”, poder apoiar ou ser apoiado “com igual intensidade”, o que ele faz é evitar entrar nesse processo fechando portas. Como sabe todo negociador político, se você já entra numa negociação se colocando numa posição intangível, sem mostrar disposição para ceder, limita as próprias chances de êxito.
10) Quo vadis? Segurar o PP e o Podemos
Se a unidade dessa frente ampla é condição sine qua non para Ricardo, algumas rachaduras já têm aparecido aqui e ali, configurando riscos de defecção. Estou me referindo objetivamente ao PP de Josias da Vitória e ao Podemos de Gilson Daniel.
Não por acaso – e sempre de maneira coordenada com Casagrande –, Ricardo acrescentou precisamente os nomes desses dois deputados federais àquela shortlist declinada por Casagrande no fim do ano. Tratou ambos com a mesma deferência e também como possíveis candidatos a governador pelo mesmo grupo, com as mesmas chances que ele.
É óbvio que é um exagero. Hoje, é muito difícil imaginar Da Vitória ou Gilson Daniel como o candidato a governador por esse movimento (senador, sim), tendo à frente a concorrência direta de Ricardo, Arnaldinho e Vidigal. Mas, ao incluí-los na mesma prateleira, Ricardo faz o quê?
Primeiro, um tremendo afago político em ambos. Segundo, ao prestigiá-los dessa forma, Ricardo não só reconhece e valoriza a importância política dos dois como também das respectivas siglas presididas por eles no Estado, e demonstra estar disposto a negociar com eles e atendê-los para garantir a permanência de PP e Podemos no projeto.
Para isso, Casagrande e Ricardo terão de pagar a conta. Assunto para uma próxima análise aqui.
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