EUA perdem para a Europa (com forcinha de Trump)

Inimaginável. Há poucos meses, não era possível imaginar que investidores (do mundo todo) tivessem uma sombra de dúvida sobre a segurança dos ativos americanos. Entretanto, isso parece estar mudando estruturalmente. O euro está em boa fase frente ao dólar, os títulos alemães superaram os títulos americanos e as ações europeias têm se mostrado menos voláteis que as ações dos EUA.

Com “meras” técnicas de negociação ou não, o presidente Trump está afetando os mercados e a geopolítica de forma relevante. Parece pouco prudente pensar que os movimentos do presidente americano não causarão (se é que já não estão causando) permanentes mudanças no equilíbrio de poder do mundo. Mesmo que Trump volte atrás em suas tarifas mediante negociação com seus “parceiros” comerciais, uma trinca já foi aberta na taça que um dia celebrou fortes alianças. É surpreendente que, em uma das maiores democracias do mundo, um único homem possa criar tantas rachaduras em tão pouco tempo. Os freios e contrapesos do estado democrático americano não parecem estar surtindo efeitos suficientemente rápidos nessa perigosa dinâmica.

Na busca por segurança, investidores de todo o mundo recentemente viraram seus olhos para a Alemanha (a maior economia da Europa), que prometeu bilhões de euros em gastos com infraestrutura e defesa após o “abandono” de Trump. Esse movimento tem sido tão importante que pode estar mudando definitivamente a correlação entre o dólar e o “cheiro” de crise. Fato é que os investidores estão agora buscando alternativas. O rendimento dos títulos americanos de dez anos subiu meio ponto percentual em apenas cinco dias (diante da sua queda de preço e baixa demanda), enquanto os títulos alemães resistiram.

Para piorar a situação, agora Trump está no pé do pobre Powell (“abrasileirando” a relação entre o governo federal e o banco central). O presidente do FED agora tem uma difícil decisão: baixar os juros para evitar uma recessão causada pelo tarifaço ou subi-los para evitar uma inflação também causada pelo pesadelo das tarifas. Trump já sabe o que quer e está em campanha para persuadir Powell a evitar a contração do PIB americano.

Seja como for, o mercado americano já não parece mais ostentar seu “selo” de porto seguro. Mais do que nunca, diversificação e segurança são duas faces de uma mesma moeda.

*Marcel Pereira Lima é sócio e assessor de investimentos da VALOR.