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Coluna Vitor Vogas

Análise: a paz armada de Arnaldinho, Casagrande e Ricardo Ferraço em Vila Velha

Semana marcada pela maior crise no relacionamento político do prefeito com o governador termina com uma festa de aniversário regada a mensagens nas entrelinhas

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Ricardo Ferraço (de costas), Arnaldinho Borgo e Renato Casagrande apertam-se as mãos. Foto: Adessandro Reis

Ricardo Ferraço (de costas), Arnaldinho Borgo e Renato Casagrande apertam-se as mãos (23/05/2025). Foto: Adessandro Reis

Renato Casagrande (PSB), Ricardo Ferraço (MDB) e Arnaldinho Borgo (sem partido). Três pilares do projeto eleitoral liderado pelo primeiro para a própria sucessão daqui a pouco mais de um ano. Na manhã desta sexta-feira (23), durante as festividades do aniversário de 490 anos de Vila Velha, governador, vice-governador e prefeito foram só sorrisos, abraços e apertos de mão entre si. Na cerimônia, procedeu-se ao tradicional hasteamento das bandeiras da cidade, do Espírito Santo e do Brasil. Mas, subliminarmente, a principal bandeira içada foi a da paz no seio do grupo político casagrandista. Uma paz “armada”, todavia.

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O “sextou, mas não sextaremos” dos três juntos transmitiu sincronia e harmonia de dar inveja às alas de militares que desfilaram na também tradicional parada cívica, na Praça Duque de Caxias, no Centro de Vila Velha. Mas esse foi o desfecho de uma semana marcada, simplesmente, pela maior crise no relacionamento político de Casagrande com Arnaldinho desde que este iniciou o seu governo em Vila Velha, em 2021. Uma crise com direito a uma ameaça ao roteiro traçado por Casagrande, um “papo reto” entre ele e o prefeito, uma chamada de atenção no segundo e o retorno à cena (sem pisar no palco) de um velho líder político do Espírito Santo.

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Como era cada vez mais evidente, por seus recentes gestos e movimentos, o prefeito de Vila Velha está determinado a ser candidato a governador no ano que vem. Nos últimos dois meses, esse foi o tema de algumas de nossas análises neste espaço, inclusive no último domingo (18). Na última terça-feira (20), em entrevista para o site A Gazeta, Arnaldinho explicitou o desejo e confirmou que quer ser candidato. Chegou a dizer que “chegou a nossa vez” (a dele, no caso).

Para viabilizar esse plano, Arnaldinho precisa se filiar a um partido político… mas não a qualquer partido. De preferência, um que tenha grande porte e que ele possa comandar no Espírito Santo, para não correr nenhum risco relativo à legenda para registrar a candidatura.

Com isso em mente, o prefeito de Vila Velha foi ao encontro de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, na casa dele, em São Paulo, no último dia 13. Da conversa, participou também o deputado federal Victor Linhalis (Podemos), parça de Arnaldinho. O objetivo do prefeito é se filiar ao PSD, com as bênçãos de Kassab, e passar a dirigir – diretamente ou por interposta pessoa – o partido no Espírito Santo. Esse fato acendeu o alerta vermelho no Palácio Anchieta.

O motivo do alarme na cúpula do governo Casagrande não foi a movimentação em si de Arnaldinho. O próprio governador o tem estimulado a também buscar se viabilizar – embora não esconda de ninguém que seu projeto prioritário é lançar e apoiar Ricardo Ferraço para seu lugar no governo. Casagrande, porém, sabe da importância de ter um plano B (de Borgo), que pode se tornar um plano A (de Arnaldinho) em caso de necessidade, isto é, se Ricardo não decolar.

O que deixou as barbas do governador de molho foi o partido procurado por Arnaldinho e as circunstâncias da articulação que o colocou diante de Kassab.

Em primeiro lugar, o PSD, no Espírito Santo, não faz parte do arco de alianças de Casagrande (aliás, é um dos poucos partidos relevantes que não integra sua coalizão). O atual presidente estadual, Renzo Vasconcelos, não é considerado um aliado.

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Em segundo lugar, na próxima segunda-feira (26), o PSD passará a ser o partido de ninguém menos que o ex-governador Paulo Hartung. Na sede nacional da sigla, o arquirrival histórico de Casagrande assinará a ficha de filiação, abonada por Kassab e ao lado do próprio – com quem há anos mantém excelente relação.

Terceiro e mais importante: no Palácio Anchieta – e no da Fonte Grande, onde fica a Vice-Governadoria –, ninguém tem a mínima dúvida quanto à participação velada de Hartung nessa operação de bastidores em prol de Arnaldinho. Sem deixar suas digitais na cena, o governador teria intercedido em favor do prefeito e aberto as portas para ele chegar a Kassab. Teria sido, enfim, o canal, agindo como um facilitador.

O Palácio Anchieta trata isso como um fato, uma informação segura, ainda que nenhum dos envolvidos o confirme. Cumpre apontar, porém, uma contradição nas versões públicas. Na já citada entrevista a A Gazeta, na última terça, Arnaldinho disse: “Quem fez a interlocução foi um amigo meu que mora em São Paulo e tem relação próxima com o Kassab”. No mesmo dia, a esta coluna, Victor Linhalis enfatizou ter sido ele mesmo quem cuidou de toda a articulação do encontro. O deputado não mora em São Paulo.

No governo Casagrande, a convicção é a de que Hartung, sem aparecer, viria agindo para desorganizar o arranjo político montado pelo governador para a própria sucessão. Esse “arranjo” consiste numa grande coalizão de aliados, que vai de Arnaldinho a Ricardo Ferraço, passando por Sérgio Vidigal (PDT), Euclério Sampaio (MDB), Marcelo Santos (União), deputados, partidos etc. Ainda no Palácio Anchieta, a percepção é a de que Hartung viria, discretamente, buscando atrair Arnaldinho para outro movimento.

A certeza quanto ao primeiro flerte entre Hartung e Arnaldinho bastou para o governador vir a público, em declaração à coluna, e dar uma “enquadrada” no prefeito de Vila Velha. Em reação veemente, delimitou bem claramente até onde está disposto a aceitar as movimentações eleitorais do aliado canela-verde:

“Se Arnaldinho se movimentar em direção a aliados, mesmo não tendo um script combinado, está dentro de um comportamento normal. Nós temos hoje aliados e adversários. Todos sabem quem são os nossos aliados e quem são os nossos adversários. Então, se o movimento for dentro de um ambiente de aliados, é um comportamento normal”.

E completou: “Ter encontro é normal da política. Ter compromisso é diferente. Ter encontro é normal. Ter compromisso e uma articulação real com quem não é aliado, isso não é adequado. E não acredito que ele esteja fazendo isso”.

O fundo dessa declaração foi Paulo Hartung.

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O recado foi mais que assimilado. Na quarta-feira (21), Arnaldinho pediu a Casagrande uma audiência e, à tarde, foi pessoalmente ao Palácio Anchieta para aparar arestas com ele.

Na conversa, os dois entraram diretamente nessa pauta. Casagrande reiterou a Arnaldinho que, no momento, Ricardo tem seu apoio para tentar se viabilizar, mas que o prefeito de Vila Velha tem toda a liberdade e legitimidade para fazer seu movimento eleitoral… desde que seja circunscrito ao seu arco de alianças.

Se, em 2026, o candidato de Casagrande for mesmo Ricardo, o governador quer que Arnaldinho o apoie. Da mesma forma, se for Arnaldinho, Ricardo deverá apoiá-lo. Ou, se for um terceiro integrante do mesmo grupo, os dois deverão prestar-lhe apoio. É o que o governador espera.

Mas, se Arnaldinho decidir avançar num flerte com adversários, ou, no caso específico, com sua nêmesis política, Casagrande lavará as mãos e não se verá mais obrigado a nenhum compromisso político com o prefeito de Vila Velha. A conversa foi nesse tom.

Claro está que o governador não abrirá mão de ser o diretor da peça, também roteirizada por ele. Pode não ser “combinado”, mas que há um script, há.

E o PSD? Está entre os “aliados” ou os “adversários que todos sabem quem são”? Para o Palácio Anchieta, depende de quem dirigirá a sigla no Espírito Santo. Se ficar sob a influência de Hartung, a segunda opção é, obviamente, a correta. Já sob a liderança de Arnaldinho, passará a fazer parte da aliança governista. O prefeito assegura que somente nesta condição entrará no PSD: para dirigir a sigla no Estado.

Após a audiência no Palácio Anchieta, Arnaldinho postou uma foto com Casagrande no Instagram e a seguinte legenda: “Política se faz com diálogo, parceria e compromisso com o futuro. Seguimos juntos, trabalhando pelo que realmente importa: o bem do povo capixaba”.

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A chama estremeceu, mas ainda arde

Já na tarde de quinta-feira (22), um detalhe daqueles maiúsculos não passou despercebido a observadores da cena política local: a ausência de governador e vice na cerimônia de transposição do fogo simbólico da passagem da capital do Espírito Santo de Vitória para Vila Velha. Como nas Olimpíadas, uma tocha é acesa numa pira, bem em frente ao Palácio Anchieta, e carregada em revezamento por várias pessoas, atravessando a Segunda Ponte, até se acender com o mesmo fogo outra pira, no ponto de chegada, bem no coração de Vila Velha.

Mas, às portas do Palácio Anchieta, o anfitrião não compareceu nem se fez representar pelo vice-governador, o que gerou especulações de que a chama política entre eles poderia ter deixado de arder – ou perdido a intensidade.

O governo tratou de calar tais especulações. O governador estava em Brasília, em reunião preparatória para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro em Belém do Pará. Ricardo, por sua vez, já tinha compromisso agendado no interior do Estado (remontando aos tempos de secretário de Agricultura): a abertura oficial da colheita do café arábica no Espírito Santo, no município de Venda Nova do Imigrante. Em pique de pré-campanha, claro…

No acendimento da tocha, Casagrande foi representado pela secretária de Governo, Emanuela Pedroso (PSB) – uma grande aliada de Arnaldinho –, pelo chefe da Casa Civil, Juninho Abreu (PDT), e até pelo chefe da Casa Militar, o Coronel Aguiar.

Arnaldinho foi quem acendeu a tocha e, com ela, a pira simbólica da capital, na chegada em Vila Velha.

A chama política vacilou, mas continua tremulando – assim como a bandeira da paz armada.

“Seguimos juntos”

Se o primeiro evento das festividades, na quinta-feira, deixou aquele “será?”, a interação entre os três durante o desfile cívico, na sexta, soprou para longe as suspeitas de estremecimento. A mensagem foi de volta à normalidade e à absoluta unidade.

Arnaldinho fez o seguinte story:

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Dando bandeira…

No momento do hasteamento das bandeiras, coube a Casagrande içar a do Brasil, enquanto Arnaldinho hasteou a do Espírito Santo. Houve quem tenha lido a cena, simbolicamente, como a destinação pretendida por ambos: Casagrande de volta ao Senado Federal e à política nacional, com Arnaldinho assumindo o Governo do Espírito Santo. Ricardo (fora do enquadramento, na foto abaixo) ergueu a de Vila Velha.

A corrida entre Ricardo e Arnaldinho

Apesar das muitas mútuas deferências e manifestações de respeito, fica muito claro que, doravante, será assim: Ricardo Ferraço tentando se viabilizar de um lado, e Arnaldinho fazendo o mesmo por seu turno. Definitivamente, os dois passam a ser notórios concorrentes internos.

“Con-correr”: “correr com”, “correr juntos”, isto é, ao mesmo tempo. Os dois estão na mesma corrida, mas cada um em sua raia, a ver quem chega mais inteiro no próximo ano. Essa é diferente daquela corrida da passagem da tocha… E Casagrande estará lá observando, na linha de chegada.

Arnaldinho: “É sobre até onde podemos chegar”

Até os vídeos postados por Ricardo e Arnaldinho nos últimos dois dias não deixam dúvida quanto ao ritmo de pré-campanha dos dois e à obstinação de ambos em tirar o máximo proveito político de cada oportunidade.

Na manhã desta sexta-feira (23), aniversário da fundação da primeira capital do Espírito Santo, Arnaldinho publicou um vídeo promocional – como sempre, com bela produção e edição de imagens – no qual enaltece Vila Velha e as recentes conquistas da cidade, sob sua gestão. “Hoje temos muitos motivos para comemorar, não só sobre onde tudo começou. É sobre até onde podemos chegar”.

Na primeira camada do texto, o prefeito se refere, logicamente, ao potencial do município. Mas, para quem sabe ler nas entrelinhas, tem um duplo sentido aí: Arnaldinho também parece sugerir que ele mesmo ainda pode chegar bem mais longe. Tal interpretação é reforçada por suas duas frases finais, que vão muito além de saudar o povo canela-verde: “Viva o povo capixaba! Viva o Espírito Santo!”

Ricardo: “O nosso governo está entregando”

Por sua vez, Ricardo postou um vídeo na quinta-feira (22), véspera do Dia da Colonização do Solo Espírito-Santense, no qual divide a tela e o protagonismo com Casagrande – outra superprodução técnica. O governador destaca os bilhões em investimentos já feitos por seu governo em Vila Velha, salientando avanços como a terceira faixa, a Ciclovia da Vida e o fim da cobrança do pedágio na Terceira Ponte, da qual ninguém depende mais que o morador canela-verde.

Aí ele dá a deixa para Ricardo, que emenda: “São desafios que muitos governos prometeram, mas que só o nosso governo está entregando, porque Vila Velha precisa e merece”. O subtexto aqui, com a 1ª pessoa do plural, é que Ricardo é o corresponsável pelas realizações do atual governo. No vídeo, ele usa a camisa preta com o dizer “Espírito Santo” que passou a ser seu “uniforme oficial de pré-campanha”.

Por sua vez, Casagrande postou:

“Berço da colonização do solo capixaba, essa cidade histórica vive hoje um novo tempo. Estamos investindo mais de R$ 2 bilhões, o maior volume da história do município, obras e ações que já impactam toda a Região Metropolitana da Grande Vitória. Parabéns, Vila Velha! Orgulho de fazer parte dessa transformação”.

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