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Coluna João Gualberto

O PCC e a política brasileira

PCC, que tem mais de 42 mil “agentes”, mil deles no exterior, e é o maior grupo do crime organizado no Brasil

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PCC e a política brasileira. Foto: Reprodução

PCC e a política brasileira. Foto: Reprodução

O sociólogo francês Daniel Pecaut  – de quem fui aluno no doutorado na França nos anos 1980 – é especialista na sociologia política latino-americana, e especial um bom analista da política e da sociedade na Colômbia, foco original de seus estudos. Desde a época em que com ele estudei o ouço anunciar os riscos do crescimento da criminalidade no nosso subcontinente, em especial aquela advinda do comércio internacional das drogas, com muito foco na cocaína.

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Aquelas preocupações, algo precoces para a época, se justificavam pelo início do refino às toneladas do produto. A partir da década de 1980 esse refino começou a ser feito em escala industrial pelo cartel de Medellín, sediado naquela cidade colombiana, mas que operava também na Bolívia, Peru, Honduras, Canadá e Estados Unidos, sob a direção mais visível de Pablo Escobar. Na verdade, porém, era formado por milhares de colaboradores.

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Segundo dados que se tornaram públicos, esse cartel, que operou até 1993, chegou a movimentar bilhões de dólares. A quantia parece exorbitante, e é. O negócio das drogas é um dos maiores do mundo e o mercado consumidor não para de crescer, localizado, sobretudo, nos países ricos da Europa e nos Estados Unidos do Norte. Ele também é expressivo em todos os segmentos de maior renda da maior parte dos países do mundo. O combate e as mortes se dão nas periferias, mas o mercado consumidor fica na classe média alta.

Daniel Pecaut chamava a atenção em seus livros, em todas as suas intervenções públicas e também em sala de aula para o perigo que esse crescimento comercial absurdo portava para toda a sociedade latino-americana. Sua tese sempre foi a de que temos um sistema político ainda frágil e muito marcado pela corrupção. Para ele esse sistema permitiria o ingresso desse mundo do crime na arena política e também nos estratos mais próximos ao poder.

O mundo do crime se organizou mais recentemente a partir desse fluxo gigantesco de dinheiro. O jornal O Globo trouxe recentemente uma série de reportagens sobre o PCC, que tem mais de 42 mil “agentes”, mil deles no exterior, e é o maior grupo do crime organizado no Brasil. Virou até uma referência internacional no comércio de drogas, segundo fontes como o Ministério Público paulista. Hoje é uma multinacional do crime organizado e eficiente, conquistando parceiros que permitem que opere em 24 países, podendo despachar drogas aos cinco continentes. Seu faturamento estimado é de US$ 1 bilhão por ano. Pelo menos 80% desse faturamento bilionário vem do tráfico internacional de entorpecentes.

O PCC, segundo as reportagens de O Globo, foi formado em 31 de agosto de 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, com o discurso de combater a opressão no sistema prisional e evitar novos massacres como o do Carandiru, ocorrido um ano antes. Naquele tempo, facções estruturadas como as atuais não existiam, eram apenas grupos isolados. Nas últimas duas décadas essa organização apostou as fichas no que viria a se tornar a sua maior fonte de renda. A partir desse fato reforçou sua hegemonia nos presídios paulistas e expandiu seus domínios para todo o território nacional. Sua última e mais ambiciosa investida foi fincar raízes na Europa e estruturar o tráfico para fora do Brasil. Estamos lidando com o que há de mais sofisticado no mundo do crime.

Voltamos neste ponto às preocupações antigas de Daniel Pecaut, a fragilidade do sistema político de países como o nosso para blindar-se das investidas desses grupos. Para começar, essa montanha de dinheiro vinda do tráfico precisa ser legalizada – “lavar” o dinheiro, como se diz. Precisa migrar para uma atividade legal, como tem sido feito, segundo a imprensa, para setores como o dos transportes coletivos em São Paulo. Há evidências dessa presença em outros setores ligados ao poder. Em estados como o Rio de Janeiro, as organizações do chamado crime organizado já começam a invadir a vida política.

Creio que não seja alarmismo imaginar que a política brasileira vai ser cada vez mais invadida, daqui para a frente, por esse tipo de atores sociais. Nada nos permite neste momento ser otimistas em relação a isso. Creio, portanto, que a sociedade precisa ficar atenta a essas questões. A extrema direita às vezes é despreparada para as responsabilidades que passou a ter no Brasil. A bancada evangélica também. Quando se pressiona o sistema prisional e o combate ao tráfico de forma simplesmente violenta, como temos feito, corremos o risco de estar expandindo o mundo das organizações criminosas. Elas fatalmente estão aumentando seu poder de corrupção, inclusive na política. O fim disso pode ser muito cruel para todos.

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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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