Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | Getúlio Neves
Autores como Getúlio Neves não têm o conhecimento que merecem entre os capixabas. Seu texto é leve, sua ficção histórica rica
O Espírito Santo tem um sistema econômico que conversa com o mundo, que tem estatura e reconhecimento. Escrevi alguns artigos sobre o projeto de desenvolvimento industrial de nossas elites entre 1943 e 1974 mostrando a força das nossas ideias, e que nada do que nos aconteceu é obra do acaso. Entretanto, o mesmo não pode ser dito das questões que envolvem outras dimensões sociais capixabas, e aqui não falo de projetos governamentais; refiro-me antes à dimensão da vida na sociedade. Um bom exemplo disso é a nossa literatura, tão pouco conhecida.
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Ando pesquisando sobre como a literatura que fazemos porta uma certa sociologia do cotidiano, mostrando importantes elementos construtores do nosso imaginário social. A última pesquisa tratou de um dos gigantes do nosso pensamento, Renato Pacheco. Evidentemente existem vários excelentes autores, como Bernadete Lira, Francisco Aurélio Ribeiro, Pedro Nunes, Guilherme Santos Neves e muitos outros.
Hoje, entretanto, quero lembrar de um autor que me parece igualmente importante nos estudos que venho fazendo, autor que deveria ser mais festejado, e talvez não o seja porque falta divulgação de sua obra. Não é por outra razão que autores como Getúlio Neves não têm o conhecimento que merecem entre os capixabas. Seu texto é leve, sua ficção histórica rica. Nos dois livros que analisei no meu trabalho, Memória Repartida e Às Margens do Rio Escuro, o Espírito Santo está sempre presente.
O diálogo com os autores da terra também. Exemplo forte disso é o fato de o personagem principal de Às Margens do Rio Escuro ter descoberto a leitura de Renato Pacheco e por ela ter se apaixonado. Outro elemento forte é o diálogo com fatos relevantes da história local, como a presença muito marcante do coronelismo entre nós, presente no romance Memória Repartida.
No caso de Getúlio Neves com Renato Pacheco o diálogo é radical. Ele não apenas cita o mais conhecido livro do grande mestre capixaba, como incorpora mesmo certos elementos de sua narrativa. Em Às Margens do Rio Escuro o narrador torna-se leitor de A Oferta e o Altar, conversa mesmo com alguns dos personagens, com memória dos fatos narrados por Renato que se passaram no fim dos anos 1950. No romance surge como amor do protagonista a neta de uma das principais figuras do livro seminal de Renato.
O livro de Getúlio aproxima-se ainda da narrativa de outro livro do grande mestre capixaba, Reino não Conquistado, pelo entrelaçamento de filhos e netos presentes em um e no outro. É a sucessão familiar que dá densidade ao argumento que vai sendo apresentado ao leitor para que ele saiba por que o reino, afinal, não foi conquistado.
Getúlio é um autor maior, seu diálogo tão bonito com Renato Pacheco mostra bem isso. Sua presença na literatura capixaba muito a enriquece. Sua forma de abordar a história local é rica, particular e interessante. Ele trata – tanto quanto Renato Pacheco, por exemplo – do nosso cotidiano.
De modo particular está em Memória Repartida o provincianismo tardio, sempre presente. As fofocas – sempre elas – premiando a pequenez dos cotidianos das pequenas vilas, das pequenas pessoas. Não é preciso citar Renato Pacheco para estabelecermos o paralelo, a comparação. A futrica impera como forma de controle social, de julgar comportamentos, de afugentar o diferente e o novo. São dois livros deliciosos os de Getúlio, e quem não os leu está perdendo muito. Fica mais fácil entender o nosso estado através das lentes do historiador e romancista Getúlio Neves, arguto observador do que se passa e do que se passou por estas terras.
Para finalizar, lembro que o autor tem uma série importante de obras ligadas ao seu fazer cotidiano como magistrado, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e doutor em história pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pertence ao coletivo de intelectuais daquela universidade e a um grupo de autores que muito tem valorizado o estudo e o ensino da nossa trajetória histórica, do nosso legado, das experiências ricas do nosso passado, muitas vezes expresso inclusive em tradições da cultura popular, que são tão bem retratadas em À Margem do Rio Escuro.
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