fbpx

Coluna João Gualberto

Coluna João Gualberto | Getúlio Neves

Autores como Getúlio Neves não têm o conhecimento que merecem entre os capixabas. Seu texto é leve, sua ficção histórica rica

Publicado

em

Getúlio Neves é um autor. Foto: Freepik

Getúlio Neves é um autor. Foto: Freepik

O Espírito Santo tem um sistema econômico que conversa com o mundo, que tem estatura e reconhecimento. Escrevi alguns artigos sobre o projeto de desenvolvimento industrial de nossas elites entre 1943 e 1974 mostrando a força das nossas ideias, e que nada do que nos aconteceu é obra do acaso. Entretanto, o mesmo não pode ser dito das questões que envolvem outras dimensões sociais capixabas, e aqui não falo de projetos governamentais; refiro-me antes à dimensão da vida na sociedade. Um bom exemplo disso é a nossa literatura, tão pouco conhecida.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Ando pesquisando sobre como a literatura que fazemos porta uma certa sociologia do cotidiano, mostrando importantes elementos construtores do nosso imaginário social. A última pesquisa tratou de um dos gigantes do nosso pensamento, Renato Pacheco. Evidentemente existem vários excelentes autores, como Bernadete Lira, Francisco Aurélio Ribeiro, Pedro Nunes, Guilherme Santos Neves e muitos outros.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do João Gualberto.

Hoje, entretanto, quero lembrar de um autor que me parece igualmente importante nos estudos que venho fazendo, autor que deveria ser mais festejado, e talvez não o seja porque falta divulgação de sua obra. Não é por outra razão que autores como Getúlio Neves não têm o conhecimento que merecem entre os capixabas. Seu texto é leve, sua ficção histórica rica. Nos dois livros que analisei no meu trabalho, Memória Repartida e Às Margens do Rio Escuro, o Espírito Santo está sempre presente.

O diálogo com os autores da terra também. Exemplo forte disso é o fato de o personagem principal de Às Margens do Rio Escuro ter descoberto a leitura de Renato Pacheco e por ela ter se apaixonado. Outro elemento forte é o diálogo com fatos relevantes da história local, como a presença muito marcante do coronelismo entre nós, presente no romance Memória Repartida.

No caso de Getúlio Neves com Renato Pacheco o diálogo é radical. Ele não apenas cita o mais conhecido livro do grande mestre capixaba, como incorpora mesmo certos elementos de sua narrativa. Em Às Margens do Rio Escuro o narrador torna-se leitor de A Oferta e o Altar, conversa mesmo com alguns dos personagens, com memória dos fatos narrados por Renato que se passaram no fim dos anos 1950. No romance surge como amor do protagonista a neta de uma das principais figuras do livro seminal de Renato.

O livro de Getúlio aproxima-se ainda da narrativa de outro livro do grande mestre capixaba, Reino não Conquistado, pelo entrelaçamento de filhos e netos presentes em um e no outro. É a sucessão familiar que dá densidade ao argumento que vai sendo apresentado ao leitor para que ele saiba por que o reino, afinal, não foi conquistado.

Getúlio é um autor maior, seu diálogo tão bonito com Renato Pacheco mostra bem isso. Sua presença na literatura capixaba muito a enriquece. Sua forma de abordar a história local é rica, particular e interessante. Ele trata – tanto quanto Renato Pacheco, por exemplo – do nosso cotidiano.

De modo particular está em Memória Repartida o provincianismo tardio, sempre presente. As fofocas – sempre elas – premiando a pequenez dos cotidianos das pequenas vilas, das pequenas pessoas. Não é preciso citar Renato Pacheco para estabelecermos o paralelo, a comparação. A futrica impera como forma de controle social, de julgar comportamentos, de afugentar o diferente e o novo. São dois livros deliciosos os de Getúlio, e quem não os leu está perdendo muito. Fica mais fácil entender o nosso estado através das lentes do historiador e romancista Getúlio Neves, arguto observador do que se passa e do que se passou por estas terras.

Para finalizar, lembro que o autor tem uma série importante de obras ligadas ao seu fazer cotidiano como magistrado, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e doutor em história pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pertence ao coletivo de intelectuais daquela universidade e a um grupo de autores que muito tem valorizado o estudo e o ensino da nossa trajetória histórica, do nosso legado, das experiências ricas do nosso passado, muitas vezes expresso inclusive em tradições da cultura popular, que são tão bem retratadas em À Margem do Rio Escuro.


Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.